2.
VOSSA TAREFA É DIFÍCIL
Vossa tarefa é difícil porque a criança é
possibilidade tanto para o bem como para o mal. Nela, como em todo homem,
há tendências más que é preciso neutralizar, e tendências boas que é preciso
descobrir, suster, encorajar.
• Vossa tarefa é difícil porque se realiza
muitas vezes em duras condições. Para inúmeros pais a exiguidade de
alojamento, as dificuldades de encontrar ajuda, os horários do trabalho
externo, complicam singularmente a tarefa e roubam freqüentemente o tempo de
pensar com calma nos problemas que toda educação suscita. Eles se reduzem a
agir sob a influência dos impulsos ou da rotina, deixam de surpreender-se
quando perdem pouco a pouco a autoridade e mesmo — sem que se apercebam —
a confiança dos filhos.
• Vossa tarefa é difícil porque não há método
nem receita infalível que sirva para tudo. Decerto, há princípios de
bom-senso e de experiência que é preciso conhecer (tantos pais os
ignoram!), mas cada criança é um caso isolado. Ainda mais, a criança é um
contínuo transformar-se, e por conseguinte, para a mesma criança, ao
número de anos corresponde o de outros tantos comportamentos diversos.
• Vossa tarefa é difícil porque nem sempre é fácil
compreender a criança, saber exatamente o que se passa dentro dela. As reações
infantis nem sempre são imediatas, algumas se fazem sentir retardadamente. De
quando em quando nos surpreendemos com as repercussões longínquas de um gesto,
de uma palavra, de um incidente aos quais nós, adultos, havíamos deixado de dar
importância.
• Vossa tarefa é delicada porque os desvios de
rota, imperceptíveis no começo, ameaçam, se não lhes imprimimos, em tempo
útil, retificações oportunas, transformar-se em becos sem saída que se
traduzem por obstruções de confiança ou oposições latentes que explodirão
hoje ou amanhã.
• Não se educam as crianças de hoje nas mesmas
condições de outrora. O mundo evolui em cadência acelerada, principalmente
depois de guerras que se multiplicam. As aplicações técnicas das descobertas
científicas imprimem às nossas vidas ritmo por vezes inumano.
No mesmo meio social há mais diferença entre as
condições de vida da criança de hoje e as dos seus pais quando também o eram,
do que entre as dos seus pais e as dos seus avós.
• Se não prestarmos atenção, alargar-se-á
muito depressa o fosso entre as gerações. As próprias palavras correm
o risco de não mais ter o mesmo sentido.
• Se a tarefa da educação é difícil e
delicada, cumpre, entretanto, evitar o desânimo e o pessimismo. Decerto
não há panaceias universais, do mesmo modo que não há
crianças idênticas; como quer que seja, há princípios gerais
cujo conhecimento e cuja aplicação evitam numerosos equívocos.
• É preciso buscar conhecer esses princípios,
frutos da experiência, e da observação, mas também de um estudo
aprofundado da natureza psicológica da criança através dos diferentes estágios
de sua evolução.
Mas, é preciso ainda colocar problemas...
Conhecemos pais sempre inquietos quando se trata da saúde física
dos filhos, e que jamais formulam questões quando se trata de sua
higiene mental e de sua formação moral.
• Eis um fato: raros são ainda os pais
que se preocupam com os problemas de educação. Alguns nem sequer lhes
suspeitam a existência. Outros os resolveram por antecipação, seja com
brutalidade, seja pela abdicação erigida em sistema.
• Mas, há felizmente outros
— e entre esses vos incluo, leitor amigo — que
sentem muito bem a necessidade de aprender. Atenção, contudo! Não há
manual capaz de suprir a reflexão pessoal e a intuição
maravilhosa do amor verdadeiro que procura, acima de tudo, o bem da criança às
expensas, se necessário, de nossa tranquilidade pessoal.
• Muitos pais se desinteressam pela formação
moral dos filhos. Dão-lhes roupas, alimentos, mas não têm bastante cuidado
com os seus espíritos e almas. Por vezes, os abandonam
ostensivamente aos próprios impulsos. Uma mãe fala sobre o filho:
“Proibi-o de fazer isso, mas tal foi a sua raiva que na próxima vez não
proibirei mais.” — Ou então se demitem inteiramente da função que lhes cabe
em benefício dos educadores profissionais. Eis outra mãe que leva ao mestre
o filho choramingas: “Castigue-o, por favor, que já não o aguento mais.” —
Por outro lado, quando os educadores conscienciosos apontam aos pais algum
defeito das crianças que lhes foram confiadas, alguma insuficiência no
trabalho, alguma infração à disciplina, em vez de testemunharem gratidão
pela ajuda que lhes é assim fornecida, os mesmos pais assumem
imediatamente a defesa do filho e não trepidam em demolir a necessária autoridade
daqueles cuja orientação pediram.
• A educação é uma ciência e uma arte das mais
delicadas. Nos animais basta o instinto. No homem, é preciso um esforço de
inteligência e de reflexão.
• Não se construiria uma casa sem estudar
arquitetura; não se educa uma criança sem aprendizagem. Aprende-se a arte
de selecionar as plantas e os animais, não a de educar um filho. Educar é
também cultivar; ninguém se intitularia horticultor sem se informar e
se instruir. No entanto, improvisam-se educadores! Trata-se de exercitar
um espírito, uma vontade, um coração: não se empregaria um monitor de
ginástica sem certificado, e nenhum certificado é exigido para modelar e
desenvolver uma idéia, um plano, mas de modo algum a iniciar uma vida
jovem! Educar é polir, ornar: ninguém se intitula joalheiro, pintor ou
escultor senão depois de longa preparação; mas para modelar uma alma
vai-se de qualquer jeito! Educar é fortificar: só se chega a ser médico do
corpo depois de longos estudos, mas há quem oriente, quem cuide dos espíritos
e dos corações sem haver aprendido ou exercido esse ofício difícil!
• Citemos as palavras de Sua Santidade o Papa
Pio XI na Encíclica
Divini
illius Magistri:
• “Tudo o que é emprego, profissão da vida
temporal e terrestre, certamente de menor importância, vê-se precedido de
longos estudos e de cuidadosa preparação. Enquanto que para o emprego e
para o dever fundamental da educação dos filhos muitos pais, hoje em
dia, se mostram nada ou pouco preparados, mergulhados que estão em
suas preocupações temporais.”
• Não pensais que deviam multiplicar-se as
escolas de pais onde, sem pedantismo, sem frases eruditas, sem
ouvir tratar a criança normal como um anormal que se ignora,
os jovens casais poderiam aprender os princípios elementares da
educação?
• Em todo o caso, o que importa para todo educador
é jamais perder a cabeça, mesmo se o seu papel é difícil. Algumas “ratas”
ou faltas de jeito esporádicas não têm importância porque a perfeição não é
deste mundo, o essencial é que essas “ratas” ou maus jeitos não sejam o
pão cotidiano, como se verifica infelizmente amiúde.
• Em certas horas difíceis, o pensamento de
que Deus é o grande mestre das almas vos sugerirá chamá-lo em
vosso auxílio. Tendes um direito certo à Sua luz, e Sua ação completará,
no próprio interior da alma de vossos filhos, os esforços que fareis para agir
segundo o Seu amor.
• Não esqueçais também os
protetores de vossos filhos. Sua força depende do apelo que lhes fizerdes.
Recorrei a Nossa Senhora que é, no sentido mais profundo da
palavra. Mamãe de suas almas; ao Anjo da Guarda
especificamente designado para cada um; ao Santo que vós lhes destes
como Patrono; e, por fim, a todos esses avós dos quais ignorais talvez
os nomes, a história, ou ainda as virtudes e os méritos, e que gozam todos
— ou quase todos — da felicidade maravilhosa de poder “passar o seu céu fazendo
o bem sobre a terra”; e vossos filhos, já herdeiros de tais virtudes,
serão beneficiários da intercessão de todos eles na medida em
que lhes solicitardes a intervenção.
Henbi Pradel, La Collaboration de la Famille et
de 1’Êcole, pág. 4.