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terça-feira, 24 de agosto de 2010

O ESPÍRITO DE SACRIFÍCIO

Nota: Havíamos transcrito apenas excertos deste texto, segue ele inteiro e finalizamos com este post o capítulo sobre a formação da vontade.

A FORMAÇÃO DA VONTADE
PARTE XI


O ESPÍRITO DE SACRIFÍCIO

"Não há nada maior no universo do que Jesus Cristo; não há nada mais sublime em Jesus Cristo que o Seu sacrifício".
(Rene Banzin, A doce França, p. 86)

Que veremos neste capítulo?
- A natureza do espírito de sacrifício;
- A sua importância;
3º- Os meios a empregar para incutir nas crianças.

1º- A natureza do espírito de sacrifício

O que é o espírito de sacrifício?
O espírito de sacrifício é uma virtude que consiste em saber sofrer por uma intenção que eleva.

Quais são as formas principais do espírito de sacrifício?
- A resignação cristã em face dos males que é preciso sofrer.

Em todo o dia há que sofrer; o calor, o frio, uma dor de cabeça, uma contrariedade, uma repreensão, uma afronta, etc.

- Uma prática espontânea de certas mortificações, que alentam e desenvolvem a virtude.
Uma criança que se haja habituada a aceitar os pequenos sofrimentos da vida, sem se queixar e a oferecê-los a Deus; que se tenha acostumado a ajudar o seu esforço pessoal e livre aquilo que as circunstâncias lhe impõe, essa criança terá o espírito de sacrifício.

2º- A importância do espírito de sacrifício

"Tudo esmorece, tudo se estiloa, tudo morre na criança a quem nada se recusa".
(Mons. Gibier, A desorganização da família, p. 315)

Qual é a importância do espírito de sacrifício?
É imensa. Por que se pode dizer que a felicidade, a virtude, a santidade e a salvação dependem dele.

Como pode o espírito de sacrifício dar a felicidade?
- Disciplinando os nossos desejos.

A felicidade, com efeito, não consiste na fruição desta ou daquela soma de vantagens materiais ou morais. É o resultado do equilíbrio entre aquilo que se deseja e o que se tem.

Ora o coração humano, entregue a si próprio, é insaciável: as satisfações que lhe são concedidas não fazem senão aumentar os seus desejos. Somente a disciplina interior, quer dizer o espírito de sacrifício, pode reduzir a ansiedade de gozar a proporções razoáveis, em harmonia com aquilo que possui.

Parece-nos sobremaneira admirável a reflexão daquele campónio que passeava na rua mais comercial duma grande cidade, à hora em que, ao cair da noite, as ondas de luzes, nas montras dos armázens, faziam rebrilhar os objetos mais variados, próprios para excitar a cobiça dos trausentes:

- Que coisa de que eu não tenho necessidade, dizia ele.

E era feliz. Devia ser um homem capaz de se sacrificar.

- Produzindo esse delicado prazer que a generosidade dá sempre aos corações bem nascidos. Quando se fazem generosamente os sacrifícios que as ocasiões  oferecem, encontra-se nisso uma tal felicidade que se tem pena quando esses sacrifícios já não são necessários. Neste mundo, quanto mais sacrifícios se fazem, mais felizes nos sentimos.

- Suprimindo o egoísmo e o mau caráter, que são as causas ordinárias duma multidão de dificuldades exteriores, que perturbam a tranquilidade e a felicidade.

É verdade que a virtude depende do espírito de sacrifício?
Não há dependência mais direta, nem mais completa do que aquela: aos dois termos corresponde mais ou menos a mesma definição; são praticamente inseparáveis; e será sempre verdadeiro o dizer-se que quem se não sabe sacrificar é incapaz de adquirir alguma virtude.

"Tendo a virtude por base e por essência o sacrifício, as virtudes mais meritórias são aquelas que se adquiriram com maiores esforços... Um homem não tem importância quando é incapaz de fazer um sacrifício".
(J de Maistre)

Como depende a santidade do espírito de sacrifício?
Não sendo a santidade mais que a virtude levada a um grau heróico, depende, como a própria virtude, do espírito de sacrifício.

Como depende a salvação do espírito de sacrifício?
Se não fizerdes penitência, não vos salvareis, diz Nosso Senhor. E que penitência farão aqueles que não sabem reprimir-se, mortificar-se, sacrificar-se?


Não farão nenhuma, e perder-se-ão.

Que conclusões derivam destas considerações sobre a importância do espírito de sacrifício?
Quem quiser assegurar a felicidade, a virtude e a salvação das crianças que tem a seu cargo, deve necessariamente habituá-las ao sacrifício. Seria um "desejo egoísta" querer desviar delas todo o sofrimento, toda a pena, toda a fadiga, toda a privação.

3- Os meios a empregar para incutir o espírito de sacrifício nas crianças

Que meios se devem empregar para incutir o espírito de sacrifício nas crianças?
É preciso:

- Não as enervar;
- É preciso por meio dum regime austero habituar as crianças a serem valorosas;
- Exercitá-las no sofrimento;
- Fazê-las praticar atos;
- Fazê-las agir sobrenaturalmente.

1º- Não se devem enervar as crianças

"Pais que favoreceis a moleza do corpo, a moleza da vontade, corrompeis as gerações em flor".
(Mons. Gibier, A desorganização da família, p. 315)

Com que devem ter cuidado os pais que não querem enervar as crianças?
Devem ter cuidado com o ardor e a frequência das suas carícias e dos seus abraços; reprimir algumas dessas demonstrações; tornar outras menos expansivas; compenetrar-se bem de que os seus filhos nada perderam com este regime, e que eles próprios serão com isso beneficiados.

Com efeito, as manifestações exageradas de ternuras esgotam o coração dos pais, e não dão às crianças senão moleza; ora, a moleza torna sensível a menor impressão.

2º- É preciso por meio dum regime austero habituar as crianças a serem valorosas

"Não basta fortalecer a alma da criança; é preciso enrijar-se-lhe os músculos".
(Montaigne, Ensaios)

Quer isto dizer que se devem submeter ao regime espartano?
Não dissemos nem pensamos nada semelhante. O regime espartano, com efeito, consistia em educar a criança, privando-a de todo o conforto.

"Adestravam-nas a suportar, sem se queixar, o frio e o calor, a fome e a sede, a fadiga e a dor. Usavam o mesmo fato em todas as estações. Dormiam sobre caniços, que eles mesmos cortavam no Eurotas. Alimentavam-nas mal, e obrigavam-nas a roubar para matar a fome. Havia concursos de resistência às pancadas. Todos os anos se chicoteavam diante do altar de Artemis, e o vencedor era o último a queixar-se. Houve crianças que morreram sem soltar um gemido...".
(Albert Malet, A antiguidade, p. 175)

Que é pois, o austero regime educativo da coragem?
Sem ir até ao excesso do regime espartano, nem mesmo caminhar resolutamente pelo caminho que conduz à Lacedemônia, parece vantajoso submeter as crianças a uma certa austeridade de regime.

Mestres experimentados recomendam este método - chamam-lhe "regime educativo da coragem": Consiste em inspirar a energia contra a dor; a privação voluntária duma injúria; a aceitação resoluta duma punição merecida; a sinceridade na confissão duma falta.

O emprego deste meio não apresenta algum perigo?
Sim.

É que o "austero regime educativo da coragem" degenera em estoicismo ou em rigidez orgulhosa. Evita-se esse perigo purificando e espiritualizando as intenções da criança.

3º - É preciso habituar as crianças ao sofrimento.

Qual é o primeiro meio a empregar para ensinar às crianças a suportarem as dificuldades?
É de não prestar àquilo que as contraria senão uma atenção relativa.

"Não lhes mostreis jamais um interesse muito grande quando as encontrardes com um parecer um pouco demudado; faz-se-lhes um mal que nem imagina com estas perguntas: 'Como estás?', olhando-a fixamente. É o meio de as predispor para as doenças e, sobretudo, para os abalos nervosos, torná-las preocupadas com a sua saúde. Temei menos os pequenos acidentes do que as emoções morais; ensinai as crianças a ser ágeis à custa mesmo de algumas contusões na cabeça".
(D.Donné, citado por Depoisier, Da educação, p. 303-304)

Qual é o segundo meio a empregar para ensinar às crianças a suportarem as dificuldades?
É o de só lhes prestar atenção proporcional às contrariedades que sofrem...

4º- É preciso obrigar as crianças a fazerem sacrifícios

"Um cristão não sucumbe, sacrifica-se"

Como podem os pais obrigar os filhos a fazerem sacrifícios?
De quatro maneiras:
1) Proporcionando-lhes a ocasião;
2) Ajudando-os a aproveitar as ocasiões;
3) Levando-os a provocarem as ocasiões;
4) Obrigando-os a prestarem contas, todas as noites, do que fizeram durante o dia.

Quais são as ocasiões de sacrifícios que os pais podem proporcionar aos seus filhos?
"Podem, por exemplo, não lhes conceder tudo quanto desejam; não lhes dar imediatamente o que eles pedem com instância; habituá-los, por meio de conselhos, exercícios e lições de coisas, a serem contrariados sem se irritarem, e esperar sem se impacientarem, a sofrer provações sem chorarem, a sentir a falta de qualquer coisa sem julgarem tudo perdido".
(Das palhetas de ouro, 1º- série, p. 113 e 133)

Como podem os pais ajudar as crianças a aproveitarem as ocasiões de se sacrificar?
- Avivando-lhe frequentemente o pensamento de fazerem um esforço;
- Indicando-lhes uma ou outra ocasião que se apresentar: obediência, privação, esmola, bom porte, amabilidade, etc.

Alguns exemplos:

- Ocupar um lugar menos cômodo, dizendo com um sorriso: "Como estou bem aqui!"

- Apresentar-se para um trabalho obrigatório com toda a naturalidade e com os modos alegres, próprio de quem nisso sente um grande prazer.

- Privar-se dum objeto de pequeno valor, dando-o sem afetação a quem, ao vê-lo, manifestou o desejo de possuir um igual.

- Colocar no seu lugar os objetos que estão fora dele, sem que se saiba que os arrumou.

- Remediar os esquecimentos.

- Proporcionar pequenas alegrias, sem que aquele que as desfruta tenha manifestado a ninguém a felicidade que lhes deviam dar.

Esta procura dos sacrifícios não ultrapassa a capacidade moral das crianças?
Não, certamente.

As crianças são em geral, muito generosas; por pouco que se incitem, lançam-se no caminho do sacrifício com uma facilidade prodigiosa; põem nisso a mesma impetuosidade que outros imprimem à aquisição dos seus prazeres.

É importante finalizar o que fazem as crianças?
Sim; é muito importante, apesar de geralmente esquecido.

A criança, com efeito, é um aprendiz; precisa dum mestre; a sua vontade é inconstante: carece dum apoio; a sua consciência não lhe basta: têm necessidade dum socorro exterior. E, no entanto, esta fiscalização não se exerce senão raramente.

Temos pedido muitas vezes às crianças da catequese que arranjem uns cadernos de lembranças em que registrem os seus sacrifícios; de quando em quando, nós examinamo-los. Mas o que mais nos admira é a indiferença dos pais. Eles deveriam ser os primeiros a querer e a empregar este meio de educação... e vemos que se desinteressam! Ah! os pais desinteressam-se frequentemente de muitas coisas!

Uma jovem, à qual nos esforçamos um dia por fazer compreender a importância dum regulamento cheio de senso, respondeu-nos:

- Mas que quer? Ninguém me fala nisso a são ser o senhor. Ninguém mais me incita a cumprir esses regulamento!

5º- É preciso fazer agir as crianças sobrenaturalmente

Que comporta esta recomendação?
Comporta uma dupla operação:

A primeira consiste em fazer oferecer a Deus os pequenos sacrifícios do dia.
A segunda consiste  em oferecer uma intenção sobrenatural ou elevada à generosa atividade das crianças.

É importante  fazer oferecer a Deus os pequenos sacrifícios de cada dia?
Sim.
E por muitas razões:

- É, primeiramente, o único meio de não perder o merecimento.

- E, além disso, este pensamento de Deus, por cuja intenção se procede, é um recurso sem igual, para sustentar a vontade da criança.

- Oferece a tua dor de cabeça a Deus, dizia uma mãe a um seu filhinho de poucos anos.
- E se eu a oferecer a Deus, Ele querê-la-á?

Esta ingenuidade, que parece desconcertante, fornece uma ocasião para uma explicação edificante e educativa; todas as mães, verdadeiramente mães, a aproveitarão com solicitude.

Que intenções se podem sugerir à criança para animar a sua generosidade ao sacrifício?
A conversão dum pecador conhecido; uma graça particular cujo valor a criança possa conhecer; a imitação do Menino Jesus e dos santos, etc.

Qual será a eficácia deste meio seriamente utilizado?
Será maravilhoso.

"A alma das criancinhas é cândida e pura, e Deus compraz-Se com esta inocente simplicidade. Ele o declara no Seu Evangelho. Quantas graças, pois, estes pequeninos seres poderiam obter do Céu por suas mortificações, para a conservação dos bons e a conversão dos maus! Quando o santo cura de Ars queria obter de Deus uma grande graça, a conversão dum pecador em particular, reunia as criancinhas, conduzia-as diante do tabernáculo e fazia-as orar com os braços em cruz. São Filipe de Nery usava do mesmo meio".
(Simon, A arte de educar as crianças. p. 119)

Todos os missionários o empregam.
Os pais e as mães deveriam inspirar-se neste pensamento sobrenatural e eficaz.

(Catecismo da Educação, pelo abade Rene de Bethléem)

PS: Grifos meus.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

A PROBIDADE

A FORMAÇÃO DA VONTADE
PARTE X


A PROBIDADE

"O temor de Deus é o princípio da sabedoria, e, por conseguinte, da probidade".

Em que consiste a probidade?
Consiste na observância rigorosa e delicada de todas as leis da justiça.

Quais são os perigos que corre a probidade das crianças?
- Uns são pessoais, e nascem das paixões.
- Outros são exteriores, e resultam das ocasiões e do escândalo.

Quais são as paixões que expõem a desfalecimentos a probidade das crianças?
- É a gulodice.

Um rouba bombons, chocolate, frutas, guloseimas; outro rouba dinheiro, para poder comprar o que lhe lisonjeia o gosto e o paladar.

- É a vaidade.

Certas crianças roubam para fazer alarde do que roubaram: dinheiro ou doces. Outras roubam para poder comprar bugigangas que mostram aos seus companheiros.

- É a cólera ou o capricho.

A criança parte uma vidraça, suja uma parede, risca um móvel, rasga um livro, corta um objeto com uma faca, faz um estrago mais ou menos importante; umas vezes, procede assim, porque não está satisfeita e precisa de descarregar os nervos; outras vezes, porque nada tem o que fazer e sente necessidade de fazer alguma coisa; e, ainda outras, pelo simples prazer de irritar, de contrariar, de ver o que acontecerá...

Como é que as ocasiões são um perigo para a probidade das crianças?
A ocasião faz o ladrão, diz um provérbio, que em tudo é verdadeiro, e mais verdadeiro ainda quando se trata de crianças.

Quantas, que se tornaram ladrões, não continuariam a trilhar o caminho da probidade, se, na idade em que ensaiaram os primeiros passos na estrada da virtude, não houvessem encontrado a ocasião, quer dizer, a facilidade de praticar o mal! Por isso, são culpados os pais que expõem os filhos a frequentes tentações.

Qual é o grandes escândalo que mais pode abalar a probidade da criança?
É o espetáculo da injustiça triunfante; e, talvez ainda mais, o ilogismo de certas pessoas reputadas muito honestas, mas que não são probas.

"Certos homens, por exemplo, que vos não enganariam num centavo em uma conta, vender-vos-iam sem escrúpulo, como excelente, um cavalo em que reconhecessem um defeito irremediável, mas não redibitório; a probidade destas pessoas fica à porta da estrebaria. Outros, que se envergonhariam de vos roubar dinheiro, não vos dão aquele que vos pediram emprestado. Outros dão-vos o vosso dinheiro, e não vos restituem os vossos livros. Alguns colecionadores apaixonados de gravuras, de autógrafos, de objetos de arte, encontram na sua paixão uma circunstância de tal modo atenuante que nem sequer lhes passa pela idéia a aguilhoada do remorso da sua improbidade... Um homem considerar-se-ia desonrado, se o supusessem capaz de jogar com certas marcadas; mas, se o acaso ou mesmo a astúcia  o faz senhor dum segredo, cuja divulgação influirá certamente sobre os fundos públicos, correrá a jogar na Bolsa, seguro e firme, como quem arma um laço".
(E. Legouvé, A nossas filhas... p. 227-228)

Que meio se devem empregar para precaver a probidade das crianças contra o escândalo exterior?
Recordar-se-lhes-á o sétimo mandamento do Decálogo; dir-se-lhe-á que da vontade de Deus não há apelo; procurar-se-á convencê-las de que o procedimento dos homens em nada muda o rigor do preceito; e que, por fim, é Deus que nos há-de julgar, e que não é sensato, nem prudente, nem lógico, infringir as Suas leis.

Devemos contentar-nos com estes meios defensivos?
Não.

- Os pais empregarão sempre uma linguagem em harmonia com a equidade, a justiça e o bom direito;

- Procederão em harmonia com as suas palavras;

- Jamais permitirão a seus filhos dizerem ou fazerem seja o que for que prejudique os direitos ou a prosperidade de outrem; não os deixarão colher uma flor, nem apanhar um fruto sem licença;

- Fá-los-ão imaginarem-se no lugar daqueles aos quais estão tentados a causar qualquer prejuízo;

- E, sobretudo, acostumá-los-ão a considerarem-se sempre na presença de Deus, que declara que os roubadores jamais entrarão no reino dos céus.

Millet conta que, depois de uma tempestade tão forte que tinha arrebatado o colmo das casas e partido as asas dos pássaros, mesmo nas gaivotas, descera à praia. "Então, dizia ele, apanhei do chão uma pequena escultura em madeira, proveniente talvez dalgum navio perdido nas nossas costas. Quando minha mãe me viu com ela, ralhou-se com energia, benzeu-se e obrigou-me a ir pô-la onde havia encontrado e a pedir perdão ao bom Deus do meu latrocínio, o que eu fiz sem demora, envergonhado da minha ação".
(Rene Banzin, A doce França, p. 86)

E, se, no entanto, se sabe que a criança faltou à probidade que atitude se deve tomar?
Deve-se procurar impressioná-la, mostrando horror por semelhante ação, e manifestar tristeza, como quem está de luto.

É preciso, não obstante, conservar o fato em segredo e não humilhar o delinquente senão na medida julgada útil à sua emenda. Depois, quando se tiver ocasião oportunas, reprova-se a indignidade, mas sem alusão, faz-se ressaltar a desonra que recai sobre a família dos pequenos ladrões, mostra-se que ninguém tem confiança em quem não é duma rigorosa probidade, etc.

(Excertos do livro: Catecismo da educação, do abade Rene de Bethléem, o próximo post será sobre o espírito de sacrifício)

PS: Grifos meus.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

A ORDEM

A FORMAÇÃO DA VONTADE - PARTE IX


A ORDEM

Que se deve entender pela ordem, cujo hábito convém fazer contrair à crianças?
Damos a esta palavra uma ampla acepção; eis porque, além da ordem propriamente dita, nos referimos à regularidade sob todas as suas formas.

A ordem propriamente dita

Quais são as vantagens da ordem propriamente dita?
- A ordem economiza o tempo.

"Tendes necessidade duma coisa? Não perdereis nunca um momento a procurá-la... Encontrá-la-eis logo à mão."
(Fénelon, Da educação das filhas, cap. XI)

- A ordem encanta a vista.
"Esta bela ordem faz parte integrante do asseio; o que mais desperta a atenção é ver este arranjo tão cuidadoso."
(Fénelon, ob. cit., cap. XI)

"A ordem valoriza os objetos mais ordinários, o vestuário mais simples, os móveis mais vulgares."
(Abade Knell)

- A ordem conserva as coisas.

"O lugar que se dá a cada coisa, desde que seja aquela que mais vantajosamente lhe convém, não só para regalo da vista, mas também para conservação do próprio objeto, faz que este se deteriore menos; e, de ordinário, não se estrague por efeito de desastre."
(Fénelon, ob. cit)

- A ordem atrai a estima.

"É uma carta de recomendação que toda a gente pode ler".
(Abade Knell)

As donzelas, sobretudo, devem considerá-la como necessária à acomodação da sua vida no caminho da felicidade e da prosperidade.

- A ordem favorece a virtude.

Torna aos "criados o serviço rápido e fácil", remove "por si mesma a tentação de se impacientarem muitas vezes pelos atrasos que resultam da desorganização em que se acham as coisas que levam tempo a encontrar".
(Fénelon, ob. cit., cap. XI)

- A ordem assemelha-nos a Deus.

São Paulo na sua epístola aos Romanos, dá-nos a entender que a ordem é o sinal de Deus nas Suas obras. (São Paulo, Rom. XIII)

Como se podem obrigar as crianças a contraírem o hábito da ordem?
- Submeter-se-ão, desde o nascimento, a uma regularidade pontual, em todas as operações referentes à vida vegetativa: alimentação, sono, etc.

- À medida que forem crescendo, habitua-se-ão a arrumar os brinquedos e os objetos de que se servem.

- Nunca se lhes permitirá que deixem pelo chão os livros, as roupas, o calçado, etc.

- Ir-se-ão aperfeiçoando, confiando-se à sua responsabilidade material qualquer objeto.

- Não se lhes tolerará negligência no trajar: nem o chapéu à banda, nem a gravata mal posta, nem as botas desapertadas, nem os atacadores a arrastar, nem rasgões descosidos, nem a falta dum botão, etc.

- Felicitar-se-ão por todos os esforços que empregarem e por todas as ações que realizarem, desde que a uns e a outras presida a boa vontade.

- Dar-se-lhe-á sempre o exemplo do hábito que se pretende que elas adquiram.

A regularidade

"A primeira condição de toda a boa educação é a regularidade, porque a inteligência das crianças, como o seu caráter, como o seu coração, têm, antes de tudo, necessidade de ordem, com a qual se granjeia tanto a saúde moral como a física".
(E. Legouvé, As nossas filhas, p. 206)

Que é regularidade?
- A regularidade é essa forma superior da ordem que determina o emprego do tempo e o uso das faculdades.

Ela é necessária a toda a educação séria.
Ela exige um regulamento.
É a regularidade pessoal.

- A regularidade é essa forma delicada da polidez que produz a exatidão nas diversas relações da vida de família e de sociedade. É a regularidade familiar e social.

Por que é necessária a regularidade pessoal, a toda a educação séria?
Porque a educação exige uma ação racional, refletida, contínua e enérgica; só a regularidade é capaz de proporcionar estas vantagens.

Há muitas famílias onde a regularidade seja respeitada?
Há!

Por diversas razões, que nem sempre devem ser atribuídas à vontade, a regularidade quase se não respeita em nenhumas famílias. Na maior parte delas, a não ser nas coisas de mais alto alcance, vive-se sem regra, à mercê dos caprichos e das circunstâncias.

Que sucede às crianças em semelhante meio?
As crianças, se lhes é ministrada a educação em casa ou nalgum externato, não têm outra vigilância que não seja a dos seus professores... E Deus sabe como esta vigilância é geralmente insuficiente.

O capricho e a fantasia invadem uma grande parte da sua vida, tornam ineficazes as leves tentativas da regulamentação feitas pelo professor ou impostas pelos estudos.

Não resta o recurso do internato para suprir o que falta no seio da família?
Para fazer calar a voz da consciência, que reprova a insuficiência duma tal educação, procura-se no expediente do colégio a eficácia mais maravilhosa, dizendo:

- Bem sabemos que a vida, como se passa entre nós, não é de molde a educar bem as crianças, mas eles aprenderão a regularidade no colégio.

Pois bem: não é verdade!

Se a família só vive a seu bel-prazer, as crianças nunca aprenderão a regularidade no colégio; sofrerão o seu jugo, mas não se entranhará na sua vida. Pelo menos, enquanto os pais forem os destruidores, talvez inconscientes, mas reais, do bem que a regularidade da vida do colégio possa ter introduzido nos hábitos dos seus filhos.

Mgr. Dupanloup estigmatiza com palavras vibrantes o processo empregado:

"Quando os pais não exortam os filhos a conformarem-se com esta dura regra e com este penoso trabalho, senão com palavras como estas: 'Não tens mais que um ano para estar aqui... Só faltam três meses para as férias... quinze dias para a próxima saída'. E isto com o acompanhamento obrigado das consolações mais compassivas... Quando os pais procedem desta maneira, o que não é raro, que mais é preciso, pergunto eu. para a traição de todos os mais sérios deveres, para o aniquilamento de toda a educação?"
(Da educação, t. II, p. 263)

Que se deve pensar da irregularidade na vida da família e da sociedade?
Não nos deixemos iludir, vendo nisto um capricho da juventude que desaparece com o ardor dos primeiros anos.

Na verdade, a irregularidade tem causado múltiplos estragos: tem perturbado mais que uma vida; tem inutilizado as melhores qualidades; e, quando ela se acha inveterada, resiste muitas vezes aos esforços reunidos da ternura e da vontade.

Como pode a irregularidade perturbar a vida?
- Tornando impossível as doces reuniões da família em volta da mesa comum.

"As minhas obrigações faziam-me sair a uma hora fixa e exigiam uma regularidade absoluta nas horas das refeições. O almoço devia ser servido às onze horas em ponto. Às onze horas entrava na sala de jantar... Ninguém! Algumas vezes nem mesmo estava nada sobre a mesa! A senhora tinha dado as ordens muito tarde ou se o almoço estava pronto, era a senhora que não estava. Esperava dez minutos, um quarto de hora e, aborrecido, começava sozinho uma refeição que me fazia mal, porque comia só, porque comia muito depressa, porque comia de mau humor. Tentava, por vezes, algumas observações, ligeiras ao princípio, depois mais vivas. Minha mulher recebia umas e outras com o mesmo ar amável, o mesmo desejo de se corrigir; mas, dezesseis anos de maus hábitos tinham tão profundamente enraizado nela o seu defeito nativo, que ele triunfou das melhoras resoluções. Depois de alguns dias de regularidade, as demoras recomeçaram, e eu tive de renunciar a esta agradável reunião da manhã à mesa comum; almoçava só no meu gabinete, e não via minha mulher senão à tarde."

(E. Legouvé, As nossas filhas e os nossos filhos, p. 205-208)

Submetendo a uma prova demasiado dura a paciência e a boa harmonia...

Como é que a irregularidade estraga as melhores qualidades?
- Tornando-se inúteis, por haver deixado perder as ocasiões que as fariam valer.

"O marechal Gouvion-Saint-Cyr, refere, nas suas Memórias, que um general cheio de fogo e de gênio militar, mas habitualmente falto de pontualidade por preguiça, perdeu a honra duma vitória certa por ter chegado ao campo da batalha meia hora mais tarde da marcada".

(E. Legouvé, As nossas filhas e os nossos filhos, p. 209-221)

- Empanando essas qualidades com certos defeitos muito odiosos, filhos da irregularidade: a mentira, por exemplo.

"Todo o homem falto de pontualidade é forçosamente um mentiroso. Quer queira, quer não, mentiu, mente ou há-de mentir".
(E. Legouvé, As nossas filhas e os nossos filhos, 209-221_

Como chegaremos a fazer praticar às crianças a regularidade familiar e social?
- Dando-lhes sempre o exemplo;
- Reprimindo toda a irregularidade sem motivo;
- Resguardando-as contra a influência do mau exemplo;
- Ensinando-lhes a aproveitar o tempo que a irregularidade lhes deixa à disposição.

Qual é a importância do bom exemplo dado pelos pais na prática da regularidade?
É capital.

Sem exemplo, os melhores conselhos tornam-se ineficazes.

É necessário reprimir toda a irregularidade sem motivos?
Sim, porque um defeito não combatido desenvolve-se e toma rapidamente proporções desastrosas.

Por que é preciso resguardas as crianças contra os maus exemplos?
Porque a irregularidade é muito frequente.

E, como ela se combina bem com a preguiça que se oculta no fundo de cada um de nós,  tem probabilidades de provocar, naqueles que se não defendem. esta forma particular da sensualidade que se chama a sem-cerimônia e o deixa-correr.

Qual será então o melhor meio de se defender?
Será os indivíduos metódicos e, portanto pontuais, aproveitarem o tempo que passam à espera dos que o não são...

(Excertos do livro: Catecismo da educação, pelo Abade René de Bethléem, continua com o post: A probidade)

PS: Grifos meus.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

O BOM CARÁTER

A FORMAÇÃO DA VONTADE
PARTE VIII


O BOM CARÁTER

O que é o bom caráter?
"É esta disposição natural e adquirida, feita de afabilidade, de doçura e de complacência, que impõe a lei de nunca ofender pessoa alguma voluntariamente, que, depois de haver enfraquecido as tendências más da natureza, dá a preponderância às inclinações nobres; e que põe nas nossas mãos todas as nossas energias morais, como soldados à disposição do capitão, que os disciplinou para a luta."
(Segundo J.Guibert, O caráter, p.24-25).

Quais são as vantagens do bom caráter?
Aqueles que possuem um bom caráter são felizes e fazem outras pessoas felizes.

Quais são os incovenientes do mau caráter?
Aqueles que tem um mau caráter são infelizes e tornam infelizes outras pessoas. Fénelon escrevia para o duque de Borgonha:

"Acautelai-vos sobretudo do vosso mau humor: É um inimigo que levais para toda a parte convosco até à morte: encontrará nos vossos conselhos e vos trairá, se o escutardes. O mau humor faz perder as ocasiões mais importantes; dá caprichos e aversões de crianças, com prejuízo dos mais valiosos interesses; faz resolver os casos mais graves pelas razões mais leves ou mesquinhas; obscurece todos os talentos, deprime a coragem, torna o homem desequilibrado, fraco, arrebatado e insuportável. Desconfiai deste inimigo."
(Citado por Mons. Dupanloup, ob. cit., t. I, p. XXI)

Quais são os meios a seguir para formar um bom caráter?
São de duas espécies:

- Meios negativos, que consistem em suprimir tudo o que predispõe para o mau caráter: os excitantes, os choros fingidos e os amuos.

- Há um meio positivo: o desafogo na educação.

Quais são os excitantes que é preciso suprimir?
- A alimentação excitante;
- As palavras maldosas ou perturbadoras;
- Os exemplos de descontentamento, de aspereza, de rancor, de vingança ou de cólera.

Como se pode impedir uma criança de se tornar choramingas?
Não atendendo nunca a lágrimas sem motivo.

"Se sofrer, é preciso curá-la; se está triste, consolá-se, pelo menos algumas vezes, porque muitas vezes a criança não tem desgostos senão na medida da importância que os pais ligam a esses pesares. Se chora para que lhe façam a vontade (pois essa é para ela a forma de mandar) não se deixar comover pelas suas lágrimas; se persistir, compreenderá que nada tem a ganhar, e calar-se-á".
(Abade Simão, A arte de educar as crianças, p. 104 e 207)

O amuo é nocivo ao caráter da criança?
Enormemente.

F. Nicolay chega a dizer que "uma hora de amuo faz mais mal do que o bem que lhe fariam os bons exemplos de toda uma semana".

O amuo não será antes um efeito do que a causa do mau caráter?
É uma e outra coisa.

O efeito. - Quando se manifesta, revela o orgulho ofendido de um mau caráter.
A causa. - Se não é combatido, radica e desenvolve os sentimentos que lhe deram origem.

Como proceder quando a criança tem amuos?
É preciso parecer que não se notou essa má disposição da criança. Depois procurar-se-á despertar o brio da criança, lembrar-se-lhe-ão os seus deveres religiosos; mostrar-se-lhe-á o ridículo da sua atitude. Por vezes, uma leve troça pode dar resultado.

Qual é o melhor meio a empregar para fazer tomar ás crianças o hábito do bom caráter?
É fazer a educação numa atmosfera desafogada e afetuosa.

- Os pais esforçar-se-ão por ser alegres.

"Notai que é essencial para as crianças ter pais alegres, que compreendem a alegria, e não se incomodem com a expansão natural da infância, mas, pelo contrário, tomem parte no contentamento dos filhos, e até o animem. Os homens de bom caráter são aqueles que tiveram pais alegres; os neurastênicos são aqueles que tiveram pais tristes - cui non ridere parentes. - Quase não há pais alegres: é que têm de quarenta a cinquenta anos. É um desastre para uma geração ter pais que são como folhas secas."
(Faguet, Da família, p. 91)

- Ao menos os pais darão o exemplo de bom humor, duma disposição de espírito sempre equilibrada e senhora das suas impressões.

- Os pais observarão o que é de natureza a despertar o riso nas crianças, e utilizar-se-ão desse meio, discreta e inteligentemente.

- Os pais concederão a seus filhos uma expansão conveniente.

"Um santo triste, é um triste santo", declarava São Francisco de Sales, que se insurgia contra esses homens "rigorosos, agrestes e selvagens, que não querem para si, nem permitem aos outros nenhuma recriação".

"O bom rei São Luís entendia as coisas como o bispo de Génova, pois costumava dizer, quando os religiosos lhe queriam falar de coisas transcendentes, depois do jantar: 'Agora não é ocasião de conversarmos acerca disso, mas sim de nos entretermos com histórias alegres; e cada um conte o que lhe agradar, mas sem ofensa da honestidade'".
(Bauchesne, Educação, p. 178)

5º- Evitarão os arrebatamentos e excessos que aterrorizam, tornam as fisionomias carregadas e fecham os corações.

- Tornarão tão curtos quanto possível os momentos de severidade e, uma vez feita a correção, devem esquecê-la por completo, nunca mais falando dela.

(Catecismo da educação, pelo abade René de Bethléem, o próximo capítulo trata sobre a educação da sinceridade que já transcrevemos, portanto o próximo post será: A ordem)

PS: Grifos meus.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

A DURAÇÃO NO ESFORÇO

FORMAÇÃO DA VONTADE - PARTE VII


A DURAÇÃO NO ESFORÇO

Qual é a importância desta segunda forma de perseverança: a persistência no esforço?
- Sem ela, a vontade deixa de ser vontade; nenhum progresso é possível; não se chega senão a fracassos: e, muitas vezes mesmo, corre-se para a morte...

- Com ela, todos os obstáculos se aplanam, são transpostos ou removidos; a inteligência abre-se e desenvolve-se; firma-se a virtude e a beleza moral resplandece com um brilho cada vez mais vivo.

Que é preciso fazer para chegar a praticar a persistência no esforço?
É preciso:

- Evitar a diversidade excessiva;
- Cingir-se às pequenas coisas;
- Concluir.

Por que é preciso evitar a excessiva diversidade?
1º - Porque é um dissolvente da vontade.

"Ao passo que a mudança de ocupações é necessária tanto para enriquecer e repousar o espírito como para amaciar a vontade, uma diversidade excessiva desagrega."
(P. Gaultier)

São Francisco de Sales descobre nisso um ardil do diabo, "porque muitas vezes o inimigo procura fazer-nos empreender e começar muitas coisas a fim de que, oprimidos com tanto trabalho, nada acabemos e deixemos tudo imperfeito."
(Tratado do amor de Deus, VIII, XI)

- Porque daí nasce um estado de excitação, e se confunde a agitação com a ação.

É muito necessário cingir-se às pequenas coisas?
- "O esforço banal e sem interesse aparente é a pedra do toque da vontade, o obstáculo que distingue os fortes, que triunfam, dos fracos que se deixam vencer."
(P.Gaultier)

- "As pequenas coisas", aliás, constituem a trama ordinária da nossa vida, e. por conseguinte, oferecem à vontade frequentes ocasiões de fazer sacrifícios necessários para a sua conservação e formação.

3º - "As pequenas coisas", enfim, são como que o alicerce do edifício da nossa vida moral.

Nunca teremos grandeza, solidez, beleza, se não estabelecermos como base da nossa ação a fidelidade constante e generosa aos pequenos deveres.

Quais são os "pequenos deveres" aos quais devemos esforçar-nos por ser fiéis?
Desde o primeiro instante do despertar até o momento de se entregar nas mãos de Deus, antes de ir repousar, as ocasiões dos atos da vontade aparecem às centenas.

- Para se levantar, por exemplo:

Muitos só marcam de manhã a hora exata do começo dos seus trabalhos. É o meio mais certo de ceder à preguiça. A hora deve ser marcada duma vez para sempre, ou fixada na véspera á noite.

Pela manhã, chegado o momento, a preguiça reclamará aos seus direitos, parecerá mesmo, às vezes, que se está indisposto, etc. São os assaltos do animal, descontente porque foi incomodado. É a hora do ato da vontade. É preciso então levantar-se sem hesitação: primeira vitória.

- Os exercícios de piedade.

Sentimo-nos mal dispostos, o coração sem amor, o espírito sem luz, a alma sem gosto. Que fazer nestas condições? Não é melhor deixar tudo e aguardar disposições mais favoráveis?

É o assalto do velho homem. É o momento de fazer agir, sem discutir, uma vontade imediata e enérgica.

- O trabalho.
Apresenta-se para se fazer. Teoricamente, impõe-se antes do divertimento e do repouso.

E é se tentado a deixar para mais tarde aquilo que mais custa e ter primeiramente alguma distração ou repouso. É o momento da vontade.

- A todos os momentos do dia, a graça atual, que é uma luz sobrenatural dada por Deus, para nos ajudar a evitar o mal e fazer o bem, oferece uma virtude a praticar, um sacrifício a fazer, uma instrução a ouvir, um sacramento a receber; é se tentado a dizer: amanhã.

E a vontade deveria obrigar a dizer: hoje, imediatamente.

- Em resumo: de cada vez que se faz um ato, em conformidade com a luz divina da fé, fortifica-se, e, portanto, forma-se a vontade.

Mas de cada vez que se hesita ou recua, enfraquece-se a vontade e, portanto, deforma-se...

Que se deve entender por esta expressão "concluir"?
Quer se dizer com isso que é preciso:

- Ir até ao fim da obra começada;
- Dar-lhe toda a perfeição de que é susceptível.

É difícil concluir?
Sim.

E convencer-nos-emos sem dificuldade, se atendermos ao pequeno número daqueles que conhecem a arte e realizam as condições dela: bem poucas são as crianças que levam até ao fim o caderno dos seus exercícios quotidianos; bem poucas são as pessoas grandes que lêem até ao fim um livro a sério; bem poucos são os cristãos e cristãs que recitam piedosamente até ao fim as suas preces quotidianas.

Sabia psicologia aqueles diretor espiritual que perguntava aos seus dirigidos: "Tendes dito bem: Assim seja?"
 (...)

Esta dificuldade (concluir) é insuperável?
Longe de nós tal pensamento!

- "Vai se longe ainda depois de cansado", diz um velho provérbio cheio de espírito e de sabedoria.

- "O trabalho concluído com probidade deixa no espírito um sentimento de alegria e, dalgum modo, de apetite satisfeito".
(Citado por Payot, na Educação da vontade, p. 150)

É importante o concluir?
"A arte de concluir é o sinal mais indiscutível da força e o mais poderoso agente de influência sobre os homens."
(J.Guiberv)

Por isso, nunca será demasiado cedo habituar as crianças a prosseguirem e a levarem com cuidado até o final os pequenos trabalhos a que se dedicam, nunca será demais incutir-lhes ânimo.

Uma grande escola católica, "A escola das artes e ofícios", em Lille, tomou  por divisa: "Finir!" - "Concluir!". O conselho lê-se sobre os escudos armoriados colocados em todas as arestas da cantaria.

Um professor de literatura, querendo acostumar os seus discípulos a faça bem, repetia-lhes: "Nunca deixeis nas vossas conversações uma frase incompleta".

Concluir!
Acabar!
Ir até ao fim!

É sempre importante.
É uma questão de vontade!
A vontade deve realizar esse propósito.

(Excertos do livro: Catecismo da educação, pelo Abade René de Bethléem, continua com o post: De alguns hábitos a fazer contrair. 1º- O bom caráter)

PS: Grifos meus.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

A FORMAÇÃO DA VONTADE - PARTE VI

A FORMAÇÃO DA VONTADE
PARTE VI


A duração na decisão

Que é preciso para praticar esta primeira forma da perseverança: a duração na decisão?
É preciso resguardarmo-nos e proteger as crianças das más influências que possam exercer-se sobre a vontade.

Quais são as influências más de que é preciso resguardarmo-nos e das quais é necessário proteger as crianças?
Todas as que são capazes de desanimar a vontade, de enfraquecer a energia, ou arruinar a perseverança:

- A inconstância natural;
- O mau exemplo;
- O temor das dificuldades.

A inconstância é, portanto, natural no homem?
Cremos que sim; e, na generalidade dos casos, o homem carece dum certo esforço para chegar a manter uma decisão um pouco onerosa.

Entregue às suas naturais inclinações, o homem seria, em breve, uma imagem do tipo do inconstante traçado por Boileau:

"Vai dum extremo ao outro, sem a menor pena,
o que louva de dia, à noite já o condena,
pra todos maçador, a si próprio incomoda.
Muda constantemente a opinião e a moda.
O menor vento o vira; os golpes menos crus
o fazem despenhar, andando muito à roda.
Hoje, num capacete; amanhã, num capuz".
(Boileau, Sátiras, VIII)

É preciso advertir as crianças dos maus exemplos que estão expostas a encontrar no mundo?
Sim, a seu tempo, a criança deve saber que no mundo há loucos, mentirosos, enganadores, malévolos, covardes, homens que se vendem, homens que são vítimas dos respeitos humanos, etc.; que existem desgraçados, pessoas mal educadas, que se devem lastimar, mas nunca imitar.

Não se deve contar com dificuldades?
Sim, é preciso encará-las, mas não temê-las, nem subordinar-lhes as resoluções tomadas...

(Excertos do livro: Catecismo da Educação, pelo Abade René de Bethléem, continua com o post: A duração no esforço)

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

A FORMAÇÃO DA VONTADE - PARTE V

A FORMAÇÃO DA VONTADE
PARTE V

A energia da ação


É sempre fácil começar a ação e meter-se ao caminho?
Eis um ponto que, segundo parece, só um ato positivo e enérgico da vontade poderá realizar.

Será preciso que a vontade se converta numa mola, impulsionada pela indicação do dever e que salte num ímpeto até ao seu pleno desenvolvimento, isto é, até ao cumprimento do que é preciso fazer. Que a vontade seja como que um chefe de serviço bem adestrado, que recebe as ordens e as faz executar sem discussão, sem hesitação, sem demora.

Qual é a virtude que esta energia supõe necessariamente?
É o dominio de si mesmo, isto é, a autoridade própria da inteligência e da vontade sobre as faculdades inferiores, a imaginação, a sensibilidade, a memória e, por elas, sobre os próprios sentidos.

Qual é o primeiro meio de desenvolver esta energia nas crianças?
É o de evitar tudo o que conduz ao sensualismo e à preguiça.

"Esta preguiça, a que se liga pouca importância é, contudo cheia de perigos; torna incapaz de todas as virtudes, abre a porta a todos os vícios, rouba todas as energias ao caráter, impede a formação da vontade, deixando a alma sofrer o jogo do corpo, e este mesmo fica sem força e sem vigor."
(Renovamento da vida cristã)

Tem-se notado que aqueles que foram submetidos a uma disciplina severa mostram uma energia moral mais intensa do que outros que foram tratados com doçura execessiva.

Praticamente, que convém fazer para escapar a este perigo?
É preciso proibir à criança os alimentos e as bebidas que não tenham outro fim senão lisonjear o paladar; que a cama seja um tanto dura; que os vestuários sejam modestos; que o corpo seja tonificado pelo uso da água fria; que os divertimentos não sejam demasiados nem fatigantes.

Não se deve esquecer que os concertos, os jogos carnavalescos, os teatros, os bailes infantis, produzem impressão prejudicial na alma e amolecem a vontade.

E sobretudo não se tolerará a preguiça.

A preguiça é o mais pernicioso dissolvente da vontade, porque é a negação do trabalho, forma ordinária do esforço.

Pedimos um dia a uma pessoa que nos desse por escrito o relato dos atos de sensualidade e moleza, que reconhecia cometer, ordinariamente, em cada dia; hiavia páginas inteiras, a maior parte, hábitos de má educação.

Qual é o segundo meio de desenvolver a energia nas crianças?
É a obediência.

A experiência ensina-nos que as crianças habituadas, desde a mais tenra idade, a obedecer, adquirem uma força de caráter pouco vulgar.

Por que é a obediência um fator de energia?
- A obediência é um fator de energia, porque ela dispõe para a disciplina e, por assim dizer, porque prepara o terreno à vontade, que não avança. nem pode avançar, sem uma regra.

"Com efeito, para obedecer verdadeiramente, é preciso que a vontade reprima as revoltas do espírito e da independência, tão natural às nossas almas; e ela não pode dominar esta inevitável oposição, sem que se desenvolvam grandes esforços. Ora, são precisamente estes esforços que aumentam a soma das energia."
(Vítor Rocher, A mulher sensata cristã)

- A obediência é um fator de energia, porque se ela está submetida a uma autoridade séria, que tanto dirija como modere, dará à vontade um impulso que decuplica as forças.

- A obediência é uma fator de energia, porque habitua a vontade a dirigir-se a fins claramente determinados, Porque "para querer, é preciso querer qualquer coisa"
(Paul Gaultier, A verdadeira educação, p. 208)

- A obediência é um fator de energia, porque ela fortifica a vontade.

Para obedecer, é preciso fazer calar as preferências, contradizer os gostos, impor esforços a si mesmo.

Qual é o terceiro meio de desenvolver a energia nas crianças?
É ajudar as crianças a fazer o que elas devem fazer.

- Quando se haja esclarecido o seu espírito com a verdadeira luz da vontade de Deus, esforçar-nos-emos por levá-las a praticar aquilo que é bom.

Deve fazer-se-lhes compreender que Deus é que é o Mestre; que Ele tanto manda os pais e as mães como manda as crianças; que é preciso obedecer sempre a Deus; que se elas obedecem prontamente, agradarão a Deus e a seus pais, que estão no lugar de Deus; que é o Céu que está prometido em recompensa àqueles que se sabem sacrificar.

Iluminem-se estes conselhos com exemplos tirados da Bíblia, da vida dos santos, etc.

- Sustentem-se os seus esforços por uma vigilância discreta e afetuosa. Os homens são fracos.

E as crianças muito mais.
É preciso, pois, ajudá-las.

Por exemplo, pode-se-lhes sugerir pela manhã um certo número de atos de vontade a praticar durante o dia, e á noite faça-se com eles um exame dos seus atos. Podem-se também animar as crianças a submeter à apreciação dos seus confessores o resultado obtido no decurso da semana.

- Se elas opuserem alguma resistência, procurar-se-á intimidá-las branda e afetuosamente. Se a criança não obedecer, o pai e a mãe serão obrigados a castigá-la e fazê-la obedecer, apesar da sua relutância. Então obedecerá custe o que custar, e terá causado desgosto a todos.

(Excertos do livro: Catecismo da educação, pelo Abade René de Bethléem, continua com o post: A duração na decisão)

PS: Grifos meus.

sexta-feira, 30 de julho de 2010

A formação da vontade - Parte IV

A FORMAÇÃO DA VONTADE
Parte IV


A docilidade em relação à razão e aos conselhos dados

Quando a inteligência é sinceramente esclarecida, quando se elevou à altura dos princípios, quando se lhe dissiparam as obscuridades numa consulta ponderada, que resta fazer?
Nada mais resta que tomar a decisão e pô-la em prática sem demora.

- Que vossos filhos, pais que nos ledes, se habituem a dizer: "Tenho a obrigação de o fazer, faço-o!"

- Que acrescentem: "Faço-o imediatamente!"

Que não adotem nunca esta expressão dos covardes: "Eu bem sei, mas..."

Se o fizessem, quando se trata de coisas conscientemente graves, pecariam contra a razão: e isto é terrivelmente perigoso. Se o fizessem quando se trata de coisas naturais, a vontade perderia toda a delicadeza, toda a sensibilidade, toda a prontidão; deformar-se-ia.

É por isso que às pessoas que têm um programa de vida e não o seguem, diremos francamente: "Se não quiserem seguir o seu programa, queimem-no"!

A utilização do poder moral do sentimento

Que é preciso para bem agir?
É preciso acrescentar à luz fria da idéia pura a paixão arrebatadora do sentimento.

"Só o sentimento que move o coração dá impulsos que triunfam da apatia, ou desperta essas emoções favoráveis que contrabalançam e substituem as emoções hostis".
(Payot, Educação da vontade, t. II, cap. III, em J. Guibert, ob)

Quais são os sentimentos que exercem sobre a vontade uma ação mais eficaz e mais duradoura?
São o temor e o amor.

De resto, o temor não é mais que uma forma do amor. Ele é, diz-nos Bossuet, "um amor que, vendo-se ameaçado de perder o que procura, se inquieta com esse perigo".
(Conhecimento de Deus e de si mesmo, cap. I, p.6)

Foi esse sentido que Joubert escreveu:

"O amor e o temor. Tudo o que um pai de família diz aos seus deve respirar um e outro". (Pensamentos)

Qual é a influência do temor sobre a vontade?
"O temor da polícia assusta o malfeitor; o temor dos castigos eternos impede o cristão de pecar até no recôndito do seu coração; o temor dos juízos humanos impõe a honestidade aqueles homens que a consciência, isoladamente, não poderia governar; o temor de desagradar aos olhos de Deus ou de macular a pureza das consciência leva as almas delicadas ao cumprimento dos próprios conselhos de perfeição."
(J.Guibert)

"O temor tempera as almas como o frio tempera o ferro. A criança que não tiver experimentado grandes temores, não deve ter grandes virtudes".
(Joubert, pensamentos)

Qual é a influência do amor sobre a vontade?
"Para bem agir, é preciso ser sacudido e arrastado por um grande amor".
(J.Guibert)

Santo Agostinho, dizia:

"O meu amor... é este o peso que me arrasta; para onde quer que eu vá, é sempre o amor que me leva" - Amor meus pondus meum, quocumque feror amore feror. (...)

Quais os amores que mais impulsionam a vontade?
- O amor de si próprio. "Este amor inspira o instinto de conservação, o desejo de progredir, a coragem de se vencer pelo esforço e pelo progresso. Quem desconhece a força da ambição?" (J.Guibert)

- O amor dos homens. Quando enche um coração, este amor "leva ao desinteresse e à própria imolação: sacrifícios de tempo, de dinheiro, de paixões, da própria vida, nada parece custar por aqueles a quem se ama". (J.Guibert)

- O amor de Deus. "É o mais poderoso, é o que tem feito mais heróis e mártires. A história da humanidade ensina-nos, com efeito, que o sentimento religioso é o mais profundo, o mais inextirpável, aquele que mais aproxima ou mais divide os homens, aquele que dobra com mais energia as vontades para o cumprimento do dever revelado pela consciência". (J.Guibert)

Se o sentimento desempenha uma tarefa tão importante e tão necessária na formação da vontade, quais são os meios de o exercitar?
Há três principais, especificados por J.Guibert, que nos serve de guia neste pequeno estudo.

- A vida interior.
- A influência do meio.
- A ação começada.

Como é que a vida interior excita o sentimento?
Desta maneira: aquele que a pratica concentra-se, não para se contemplar, mas para ser senhor de si e recuperar todos os seus poderes; para se esclarecer à luz da razão e da fé; para se excitar ao dever e à virtude, ao amor de Deus e ao temor do Seu julgamento; e também para buscar, na oração e nos sacramentos, os socorros de que tem necessidade.

Qual é a influência da vida interior?
Diz-nos a experiência que é entre os que se habituaram à vida interior que se recrutam os gênios e os santos.

"Perguntando-se um dia a Santo Inácio se estaria disposto a aceitar um sacrifício tão heróico como o do consentimento na supressão da sua Companhia, respondeu:
- Precisaria dum bom quarto de hora de recolhimento para me conformar com isso."
(J.Guibert)

(...)

Quais são as coisas que podem exercer uma influência funesta sobre nós e sobre os nossos filhos?
São as artes, os espetáculos, a música, etc. Mas é preciso evitar as representações imorais ou simplesmente livres, a música lasciva, os espetáculos perturbadores.

Pelo contrário, é preciso dar à alma o alimento de que tem fome, contemplando belos quadros, executando boa música, assistindo a espetáculos tonificantes. [N.B: leituras que edificam]

Quais são os homens cujas relações devem ser procuradas?
São os homens de valor.

"O grande homem, quando se encontra ao vosso caminho, traz em si uma influência magnética á qual não escapareis, pelo menos se sois acessíveis aos sentimentos nobres. Não há método mais seguro para se tornar grande do que conviver com grandes homens cotados de bondade".
(Blackie, A educação de si mesmo, p. 95)

Como influem os homens de valor?
- Influem pelos seus exemplos.
E é a melhor eloquência.

"As palavras de Ambrósio interessavam Agostinho, mas não o arrastavam; para mover esta grande alma, era preciso o exemplo dos santos: Por que não hei de poder praticar o que este ou aquele puderam fazer"?
(J.Guibert)

- Influem pela sua eloquência.

"... felizes as almas que encontram no seu caminho homens capazes de as converterem pela palavra". (J.Guibert)

- Influem pela sua conversação.
A conversação é uma comunhão de almas; quando as almas são grandes e belas, que fonte de consolações, de idéias nobres, de generosos desejos, de sublimes entusiasmos, que enriquecimento mútuo...

- Influem pelos seus escritos.
O livro, é verdade, não tem o calor comunicativo da linguagem... mas, em compensação, é mais complacente, mais completo, mais universal. É preciso pois amar os livros, saber escolhê-los, não se agradar senão dos excelentes.

"Quem ama os bons livros vive sempre no meio de almas nobres e de influências fortificantes". (J.Guibert)

É verdade que a ação começada excita o sentimento e produz a força?

"Não conheço outro segredo de amar senão amar". (São Francisco de Sales)
"É preciso começar pelos atos". (São Francisco de Sales)

(...)

(Excertos do livro: Catecismo da Educação, pelo Abade René de Bethléem, continua com o post: A energia da ação)

PS: Grifos meus.

Veja também:

sexta-feira, 16 de julho de 2010

A FORMAÇÃO DA VONTADE - Parte III

A FORMAÇÃO DA VONTADE
Parte III

A iluminação sincera da inteligência


Por que é que a inteligência deve ser sinceramente esclarecida?
A inteligência deve ser sinceramente esclarecida porque é a ela que compete tomar as decisões.

Quais são os meios a empregar para garantir a iluminação sincera da inteligência?

- É, principalmente, nada fazer que a possa contrariar.
- É, em seguida, precavê-la contra as ilusões e causas clássicas de erros de juízo.
- É de se reportar aos princípios.
- É, se for preciso, pedir conselho.

Quais são as causas que poderiam contrair a iluminação sincera da inteligência?
- São as mentiras, os embustes, as infantilidades, etc... nunca se deve enganar as crianças.

- São as lisonjas que dariam às crianças uma idéia presumida das suas capacidades e do seu poder de ação, e que as arrastaria a quererem o impossível.

Quais são as ilusões e as causas clássicas de erros de apreciação contra as quais é preciso precaver as crianças que se hão de formar?
São muito especialmente as ilusões que em nós produzem o interesse e o prazer...

Como é que o interesse pessoal falseia a visão?
Criando em nós uma deplorável confusão entre as nossas impressões e as nossas apreciações.

Uma ligeira conversa ouvida num escritório:

- Tu sabes Untel, ele desapareceu, levando 30.000 francos.
- Mas também levou o teu guarda-chuva.
Oh! canalha!

Eis aí o prisma do interesse.

A inteligência considera as coisas sãmente; chama crime o roubo de 30.000 francos, e pequeno furto o roubo dum guarda-chuva. Pelo prisma do interesse pessoal, chamamos finório àquele que rouba 30.000 francos a outrem, e canalha àquele que nos rouba um guarda-chuva.

Como podemos preservar as crianças deste erro de apreciação?
Habituando-as a julgar as coisas como elas são em si mesmas; as suas faltas, como fariam com as dos outros; e os interesses do próximo como os seus próprios interesses.

Quando o profeta Nathan procurou David para exprobar o seu duplo crime, serviu-se de um apólogo. David não se reconheceu nessa alegoria e deixou-se arrebatar pela indignação:

- Quem é esse homem? - exclamou ele.
- Esse homem és tu! - respondeu o profeta.

E David voltou contra si a cólera de que estava possuído.

Como pode o prazer falsear a visão?
Substituindo as prescrições do catecismo e da consciência por fórmulas vãs, máximas ilusórias, preconceitos mundanos.

A luz da fé projeta raios muito claros e muito penetrantes sobre os pensamentos, os sentimentos, os desejos, as imaginações, os olhares, as palavras e os atos nas suas relações com a virtude.

E o mancebo e a donzela, cuja sensibilidade e delicadeza têm sido embotadas pelas leituras, pelas conversações, pelas visitas, pelas diversões, pelos prazeres, satisfazem-se com as palavras que tomam como se fossem razões:

"É preciso gozar a mocidade!"
"A gente não nasceu para freira!"
"Não é proibido ser amável."
"Não falo nada com má intenção!"

E a conclusão é que não há motivos para constrangimentos. Por outras palavras, não se procura a luz divina: queremos recebê-la do mundo. Não são as estrelas que servem de guia: é o brilho do ouro ou deslumbramento do luxo.

Que se deve fazer para preservar as crianças desta ilusão?
É preciso acordar a sua consciência e habituá-las a raciocinar segundo os princípios.

Qual será a vantagem deste amor aos princípios nas decisões tomadas pela inteligência?
Será de cortar cerce toda a fraqueza, ou melhor, de cortar o mal pela raiz.

Quem se apega aos princípios, aos bons princípios, naturalmente, é guiado pela razão reta, pela consciência e por Deus. Não se pode transviar.

Quais os meios de inspirar nas crianças este amor pelos princípios?
- É dar-lhes o exemplo; e, à medida que a sua inteligência se vá desenvolvendo, mostrar-lhes em toda a sua evidência as razões superiores da linha de procedimento a seguir.

- Devemos repetir-lhes de maneira a compenetrá-los bem da verdade, algumas sentenças bem escolhidas, algumas máximas expressivas, algumas divisas dignificadoras que iluminem o espírito e despertem um nobre entusiasmo nos corações.

"As sentenças são como pregos agudos que fixam a verdade na nossa lembrança".
(Diderot: O Espírito Santo disse no Eclesiastes: "Verba sapientium sicut stimuli, et quasi clavi in altum defixi: As palavras dos sábios são como aguilhões e como pregos cravados profundamente" - XII, 11)

"As boas máximas são o gérmen de todo o bem e, fortemente gravadas na memória, alimentam a vontade". (Joubert)

Eis alguns exemplos:

"Quem trabalha, Deus ajuda!"
"O custar está no principiar!"
"Não há gosto sem desgosto!"
"Faz bem, e deixa falar quem fala!"

A iluminação da inteligência e conhecimento dos princípios são sempre suficientes para dar origem, por si sós, a uma decisão racionalmente fundada?
Não: É preciso em certos casos recorrer à experiência doutrem; é preciso tomar conselho.

O conselho deve ser considerado como necessário?
É muitas vezes necessário aos adultos, pode dizer-se que o é sempre às crianças.

Com que disposições se deve pedir o conselho?
É preciso ser sincero; sincero na exposição do caso; sincero na docilidade prévia, que é a base de toda a consulta séria.

Um dia uma pessoa anunciou-nos que viria visitar-nos, para pedir o nosso conselho sobre uma questão, cujo assunto indicava vagamente. Dizendo-lhe que estimaríamos muito poder ser-lhe útil e teríamos muita honra em receber a sua visita, demos-lhe a entender, ou antes, fizemo-lhe sentir que não estávamos bem de acordo com o seu modo se ver.

Não recebemos a visita anunciada.
Não se tornou a falar na consulta.

E essa pessoa procedeu duma maneira completamente diferente daquela que lhe teríamos aconselhado. (Autêntico)

(Excertos do livro: Catecismo da Educação, pelo Abade René de Bethléem, continua com o post: A docilidade em relação à razão e ao conselho dado).

PS: Grifos meus.