terça-feira, 28 de setembro de 2010

A ilusão da misericórdia sem conversão

A ilusão da misericórdia sem conversão
(Santo Afonso Maria de Ligório)


"Pode ser que haja, no meio de vós, meus irmãos, alguém que se encontre com a alma carregada de pecados e que -- longe de pensar em se livrar deles pela confissão e penitência -- não cessa de cometer novos pecados, se sobrecarregando ainda mais. Este, certamente, abusa da misericórdia divina; pois, a que fim nosso Deus tão bom deixa que este pecador viva senão para que ele se converta e, por conseqüência, escape da desgraça de perder sua alma?

"Ele merece as severas censuras que o Apóstolo dirigiu ao povo judeu impenitente: 'Porventura desprezas as riquezas da bondade, da paciência e da longanimidade de Deus? Ignoras que Sua bondade te convida à penitência? Mas que na tua dureza e coração impenitente, acumulas para ti um tesouro de ira no Dia da Ira e da manifestação do justo juízo de Deus' (Rom II 4,5).

"Eu quero vos afastar, meus irmãos, desse funesto abuso, e vos preservar da desgraça de cair na morte eterna do inferno. A esse propósito, chamo vossa atenção para a seguinte verdade: Quando uma alma abusa da misericórdia divina, a misericórdia divina está bem próxima de a abandonar...

"Santo Agostinho observa que, para enganar os homens, o demônio emprega ora o desespero, ora a confiança.

Após o pecado, o demônio nos mostra o rigor da justiça de Deus para que desconfiemos de Sua misericórdia. Entretanto, antes do pecado, o demônio nos coloca diante dos olhos a grande misericórdia de Deus, a fim de que o receio dos castigos, devidos ao pecado, não nos impeça de satisfazer nossas paixões...

"Essa misericórdia sobre a qual vós contais para poder pecar, dizei-me, quem vo-la prometeu? Não Deus, certamente, mas o demônio, obstinado em vos perder. Cuidado!, diz São João Crisóstomo, de dar ouvidos a este monstro infernal que vos promete a misericórdia celeste...
"'Deus é cheio de misericórdia, eu pecarei e em seguida confessar-me-ei'. Eis aí a ilusão, ou antes, a armadilha que o demônio usa para arrastar tantas almas ao inferno!...

"Nosso Senhor, aparecendo um dia a Santa Brígida, queixou-Se: 'Eu sou justo e misericordioso, mas os pecadores não querem ver senão minha misericórdia' (Ego sum justos et misericors; peccatores tantum misericordem me existimant - Rev. 1. I. c. 5). Não duvideis, diz São Basílio, que Deus é misericordioso, mas saibamos que Ele é também justo, e estejamos bem atentos para não considerar apenas uma metade de Deus. Uma vez que Deus é justo, é impossível que os ingratos escapem do castigo.... Misericórdia! Misericórdia! Sim, mas para aquele que teme a Deus, e não para aquele que abusa da paciência divina!".

(Sermons de S. Alphonse de Liguori, Analyses, commentaires, exposé du système de sa prédication, par le R.P. Basile Braeckman, de la Congrégation du T. S. Rédempteur, Tome Second. Jules de Meester-Imprimeur-Éditeur, Roulers, pp. 55-60, apud Revista Catolicismo, número 572, agosto/1998, página 37).

PS: recebido por e-mail, mantenho os grifos.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Educação sobrenatural - Parte VII

EDUCAÇÃO SOBRENATURAL


PARTE VII- A GRAÇA E OS ÚLTIMOS FINS

A GRAÇA

É possível fazer compreender à criança alguma coisa do mistério tão profundo da graça?
"Perguntai-lhe, por exemplo, se antes quereria morrer do que renunciar a Jesus Cristo; ela responderá: Sim. Acrescentai:

- Ora! tu deixarias lá cortar a cabeça, para ir para o paraíso!
- Sim.

Até aí a criança acredita que terá bastante coragem para o fazer. Mas vós que quereis fazer-lhe sentir que não se pode nada sem a graça, não adiantareis nada, se lhe disserdes simplesmente que tem necessidade da graça para ser fiel; ela não entende essas palavras e, se a acostumardes a dizê-las sem as compreender, nada tereis alcançado. Que fareis, pois? Contai-lhe a história de São Pedro; recordai-lhe o que ele disse num tom presunçoso? 'Se for preciso morrer, eu Vos seguirei; quando todos os outros Vos deixarem, eu nunca Vos abandonarei'. Depois descrevei-lhe a sua queda: negou três vezes Jesus Cristo; uma criada meteu-lhe medo. Dizei por que permitiu Deus que ele fosse tão fraco; depois servi-vos de comparação duma criança ou dum doente, que não poderiam caminhar sós, e fazei-lhe compreender que temos necessidade de que Deus nos leve, tornareis sensível o mistério da graça."
(Fenelon)

OS ÚLTIMOS FINS

Que é que a criancinha pode saber dos últimos fins?
Pode saber que a alma não morre; que no momento a que se chama a morte, ela comparece diante de Deus, que julga, a recompensa ou a pune.

"As crianças vêem morrer alguém; sabem que se enterra; dizei-lhes:
- Este morto está no túmulo?
- Sim.
- Não está, então, no paraíso? [se buscou e alcançou a santidade na terra]
- Perdão: está.
- Como está no túmulo e no paraíso ao mesmo tempo?
- É a sua alma que está no paraíso; é o sei corpo que se enterra.
- Então a sua alma não é o corpo?
- Não.
- A alma não está morta?
- Não, viverá sempre no céu.

Acrescentai:

- E queres também salvar-te?
- Quero.
- Mas que é a salvação?
- É ir a alma para o paraíso quando morre.
- E a morte o que é?
- É a alma deixar o corpo e o corpo transformar-se em pó."
(Fenelon)

Que é preciso fazer para dar às crianças uma idéia da felicidade e da desgraça eterna?
É preciso empregar comparações.

"Comparai por exemplo, uma gota de orvalho com toda a água da garrafa que têm diante dos olhos; depois com toda a água dum rio, que elas conhecem bem; e enfim, com toda a água do mar... Compreenderão muito bem, asseguro-vos. Continuai em seguida o vosso raciocínio, servindo-vos sempre de comparações familiares, tiradas dos objetos que tendes à vista.

- Vedes bem, então, lhes direis, que a felicidade que se desfruta no mundo não é verdadeira felicidade, pois que depressa acaba. Divertiste-te muito em agosto [nas férias] ? Mas esse prazer agora passou, ao passo que no céu a felicidade dura sempre.

- Tu sofrestes muito outro dia, meu Paulino, quando o doutor incentou o abcesso que tinhas na face. Dói-te ainda? Não, não é verdade? As dores deste mundo não são, pois, grande coisa, porque não duram sempre: no inferno, pelo contrário, seremos sempre desgraçados. Devemos evitar, acima de tudo, a desgraça que não acaba.

Por conseqüência, é preciso ir para o céu a todo o custo, e são bem loucos aqueles que desobedecem gravemente neste mundo aos mandamentos do bom Deus, pois que pagarão um pequeno momento de prazer com um castigo eterno".
(Charruau, Às mães, p. 122-123)

(Catecismo da educação, pelo Abade René de Bethléem, continua com o post: O meio principal desta instrução: o catecismo)

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

VIII. PEDRO

VIII. PEDRO


Dois sentimentos precipuamente se devem formar em nós à medida que se nos desenvolve aos olhos a dolorosa Paixão de Jesus.

A humildade primeiramente: se assim se trata a lenha verde, que se há de fazer da lenha seca? Esta comparação não nos deveria abandonar. Em seguida a confiança: os meus pecados já estão lavados; a parte mais pesada da expiação está feita, eu só tenho que me aplicar o preço deste Sangue, sei onde e como. Finalmente, cumpre ajuntar esse pensamento de consolação, amarga sem dúvida, porém real: como ocupei a atenção de Jesus durante os Seus padecimentos! Como devo ter estado presente à Sua agonia do Coração, às Suas torturas do Corpo! E então, por uma conseqüência natural, acrescentaremos: como deve Ele estar agora presente a todas as minhas dores!

De fato, não há doravante sofrimento algum da nossa vida que não possamos vir embeber no oceano da Paixão. A onda das nossas dores encontrará aí uma onda semelhante: o sangue tocará o Sangue. Fasciculus myrrhae inter ubera mea commorabitur (Ct 1, 2). A lembrança da Paixão cá está no meu seio, como um ramalhete espinhoso e agreste; é só inclinar-me para lhe respirar o eterno odor. Inclinemo-nos amiúde, ocasião não nos há de faltar.

É de todos estes sentimentos, diversa e freqüentemente amalgamados, que nascerá o amor.

Enquanto Jesus se vai abandonado e desolado, convém que esse amor O acompanhe, fiel e condolente. Porque Ele se vai; desta vez está tudo bem acabado, os dois grupos se distanciam mais e mais um do outro: os soldados com Jesus amarrado tornam a subir as encostas do Ophel, e os Apóstolos embrenharam-se pelo vale, do lado de Siloé e das atrás gargantas da Geena.

Que solidão cruel para o Salvador, no séquito compacto e grosseiro que O cerca, que silencio no Coração em meio ao tumulto dos guardas... Já não tem um amigo. É a solidão angustiosa do Coração. Experimentamo-la algumas vezes durante a vida, freqüentes vezes na velhice. Outra há, porém, que nos assustará mais, é a de nos encontrarmos sós diante de Deus, à nossa chegada ao desconhecido do além. Onde refugiar-me? Por quem chamar? Por que amigo? Que socorro? Tudo se desvaneceu, tudo se escoou, tudo passou; ó minha alma, faze de teu Juiz um amigo enquanto ainda é tempo; depois será tarde demais.

Entretanto, Pedro, que fugiu como os outros, enche-se de remorsos. Torna atrás, não esqueceu os seus protestos solenes e os seus múltiplos juramentos: “Ainda quando todos Vos abandonassem, eu, eu não Vos abandonarei”. Premido por este aguilhão retrocede. O cortejo já vai longe, segue-o ele a passos prudentes, dissimulando-se, ora avançando e ora recuando. Que ver como acabará tudo aquilo.

É um misto de curiosidade e de respeito humano que o faz voltar. Há amor sem dúvida, mas já não está em primeiro lugar. Ora, o amor que não domina, cedo é dominado. Em Pedro é uma chama que já se entibia; a voz de uma criada extingui-la-á de vez. Ai está amiúde de que se compõem as nossas fidelidades: a uma mecha que ainda fumega! Deus bem que se quer contentar com ela, contanto que lha consintamos reacender; mas nós Lhe disputamos ainda essa centelha mortiça.

Esta lamentável história de Pedro é bem simples. A queda está no termo do declive como fatal, inevitável. É a história de todas as ocasiões em que nos enleia a nossa presunção.

Pedro chegou com outro discípulo até à porta. Este outro faz sinal à porteira, que ele conhecia, para mandar entrar aquele; Pedro entra.

– É então um dos discípulos dEle? Pergunta curiosamente a mulher.

A pergunta era natural. Pedro responde pressurosamente, a fim de afastar desde logo qualquer suspeita:

– Não, não.

E passa.

Disse ele essa palavra sem lhe prestar grande atenção; aliás, a seus olhos não tem aquilo conseqüência: uma porteira!... Preocupado com o seu intento, mistura-se aos soldados; o outro discípulo, conhecido do Sumo Sacerdote, entrou mais a dentro na sala.

No átrio onde se agruparam os soldados, conversa-se em derredor da fogueira. Conta-se o que se passa e as peripécias da prisão de Jesus. Uns vão, outros vem. Pedro aquece-se indiferente, escutando, sem dizer palavra. Os soldados todos se conhecem entre si: reparam, pois, no estranho.

– Será um dos discípulos dEle? Dizem; e depois, diretamente a Pedro:

– És discípulo dEle?

– Ó homem, não sou.

A conversa se reata de contínuo a esta segunda mentira. Pedro viu nesta apenas um expediente para alcançar o seu fim: não percebe que desce. Uma hora decorre.

No entanto, acabam de esbofetear Jesus; Pedro ouve tudo, está ao corrente, as zombarias recrudescem após esse ultraje, ri-se aquela gente ruidosamente da bofetada dada e recebida. A porteira atarefada vem, sempre curiosa, rondar em torno ao fogo, atraída sem dúvida por aquela algazarra. Reconhece Pedro.

– Eh! Diz ela; aqui está um que era discípulo dEle. E poderia acrescentar: Pediram-me que o deixasse entrar.

– Tu estavas mesmo com Jesus de Nazaré? Pergunta diretamente a Pedro.

– Não, mulher, em verdade não sabes o que estás dizendo; eu, discípulo dEle?! Não vejo o que queiras dizer.

Era já demais, em verdade, Pedro, que mente com sempre maior descaro, sente que não poderá sustentar por muito tempo aquele papel. Retira-se, era prudente, e dirige-se para a porta, como para sair. O galo começava a cantar: poderiam ser duas horas da manhã. A mulher percebeu o movimento do apóstolo: ela adivinha, penetra-lhe a fraqueza.

– Pois não; diz aos soldados, ele bem que era discípulo.

Os soldados então interpelam Pedro:

– Oh! Sim! És dos dEle; não és galileu? Basta te ouvir falar para te reconhecer o sotaque. E além disto, acrescenta vitoriosamente um outro, eu te vi no horto, eu.

Ante esta dupla prova esmagadora, Pedro não pode prosseguir no seu sistema de negação. Tornar atrás, confessar que mentiu, não o pode tão pouco. Irrita-se então, começa a vomitar algumas imprecações que são mera explosão da sua cólera; depois, das imprecações passa às blasfêmias, e acaba por estas palavras:

Eu nem sequer conheço esse homem de quem me falais! – Oh! Pedro!

Pela segunda vez o galo cantou.

Nesse momento Jesus saía da sala para ir rematar dolorosamente a Sua noite no meio da criadagem e dos soldados. Passava a um canto do pátio; virou-se para Pedro e olhou-o.
A alma do apóstolo transtornou-se: ele sai, chora, não cessará mais de chorar.

Assim, uma palavra de Jesus não pôde penetrar o coração de Judas, – Amigo, que vindes fazer? – mas um olhar faz fundir-se o coração de Pedro. É o único consolo, aliás bem amargo, do Mestre, em meio àquela noite acerba, e quão caro é comprado!

Paremos um instante. Contemplemos Pedro a fugir na noite, sem saber aonde vai, com a alma liquefeita, coando-lhe pelos olhos; os soluços a estrangularem-lhe a garganta, e ele a repetir maquinalmente, – pois é o grito fatal de todo remorso que revolve incessantemente o dardo que feriu de morte – Eu nem sequer conheço esse homem de quem falais!... E contemplemos também Jesus na sala baixa, coberto com o molambo que Lhe lançaram no Rosto, de olhos cerrados, cheios de lágrimas, a repetir também, – pois é o grito supremo da dor curvada sobre as próprias feridas – Eu nem sequer conheço esse homem de quem me falais. Aí está com que os ocupar um e outro: Pedro todo o resto da vida, Jesus até à morte.

Porque foi que Pedro caiu? Foi simplesmente porque se expôs à ocasião? Não, ele se devia a si mesmo, devia a Jesus Cristo o ir expor-se. Há perigos que devemos afrontar sob pena de covardia.

Será que ele não amava a Jesus Cristo?

Ardentemente. Palavras nunca lhe faltaram para dizer do seu amor. E por que foi então que os atos não seguiram as palavras?

O amor de Pedro por Deus não ia até o desprezo de si mesmo, porque ele não se conhecia bastante. Se ele soubesse o de que era capaz, nunca teria entrado no átrio.

Nós nos cremos sempre melhores e mais fortes do que somos: então nos desculpamos hipocritamente e nos expomos temerariamente. Raramente o pecador peca por malícia absoluta: a prova é que se desculpa sempre aos próprios olhos e muitas vezes aos olhos dos outros.

Há razões, circunstancias atenuantes, Pedro tem seu fim a demandar: quer ver o desfecho; quem lho poderia censurar? Mas esquece que é fraco, que teve medo ainda há pouco, como os outros. Não há dúvida que voltou, e isto o encoraja aos próprios olhos, voltou sozinho, e isto já o faz talvez preferir-se secretamente aos outros: ele se ignora.

Bem sabe que está no meio dos inimigos de Jesus; será preciso astuciar, tergiversar, sim; daí a mentir é um passo, talvez; porém a trair e renegar, nunca – pensa ele. Fá-lo, entretanto, como por um secreto encantamento do mal que o fascina, que o empolga e o arrasta. Poderia ele supor que havia, dormitantes em seu coração, ao lado de tantas palavras de amor, tão horríveis blasfêmias e uma negação tão vergonhosa?
Pedro ignorava a sua própria essência. Pedro se tinha também por mais forte, e foi por isto que se expôs temerariamente.

Todo pecador que se põe em face de uma tentação age do mesmo modo. ‘Eu sou livre, sei o limite do meu dever, posso puxar as rédeas quando quiser e a tempo. Beberei só uma gota do cálice sedutor’... Desgraçado de quem não sabe ou se esqueceu que não se põem impunemente os lábios à taça, e que a gota que embriaga está muito perto da que dessedenta. Há no mal entrevisto, há nos sentidos acalentados, apelos imperiosos aos quais se torna tão difícil resistir quanto aos que em nós despertam a sede e a fome.

Ficar nos umbrais de uma tentação é já entrar. Entrá-la é sucumbir. Vigiai, orai, para não entrardes na tentação, diz o Mestre. É, conseqüentemente, a porta que cumpre vigiar. Meu Pai, não nos deixeis entrar na tentação, afastai-nos mesmo desse veneno estonteador e pérfido: é o último grito da oração do Senhor.

Assim o pecador se desculpa, assim se ignora. Ai! Tal é a nossa ignorância de nós mesmo, que não só o homem se desculpa para fazer o mal, como também se desculpa ainda depois de o haver feito.

A consciência acusa-o, ele reconhece a culpa, mas contende ainda. Diz que não podia resistir, – mas, e aquelas rédeas que devia puxar a tempo? – que bem começara a lutar, mas viu-se metido em declives fatais; que ademais o combate se porfiou, e que contra a sua vontade ferida chegavam sempre novas tropas... Finalmente, imagina, a luta já não era igual; se foi vencido, é que foi invadido; a força nada pode contra o número.

Pobre pecador, está na situação trágica do desgraçado atirado ao vácuo, mas que um instinto supremo suspende ainda por um instante a um beiral, sobre o abismo: vê ele o apoio a que se agarra vergar pouco a pouco e ceder lentamente. Tornar a subir não pode; e, no momento em que tudo lhe vai falhar, fecha os olhos e cai bradando: Fatalidade!

Este último grito acusa-o, porque, se ele sabia ser o abismo do vício tão fatal, por que se atirar dentro? Mas se faz de conta que não sabe, e arrisca-se, é arrastado. Eis aí o nosso maior mal. Pedro tinha esta ignorância e esta presunção.

As suas belas qualidades alimentavam-lhe no fundo um certo fogo secreto de estima pessoal, e este amor de si acabaria, num dado momento, sufocando o amor a Deus.

Pedro ignorava a sua essência. Quem de nós conhece a sua? É porque a sabe Deus e a penetra que nos manda certas provações ou permite quedas afim de nos melhor abrir os olhos sobre nós mesmos.

Quem tiver um profundo desprezo de si fará grandes coisas. Quando a gente não mais se ama, como é mister que o coração aja e se mexa, bate este forçosamente por Deus.

Jesus queria que Pedro fizesse grandes coisas, e que só amasse a Ele e a Sua Igreja. Permitiu então essa queda deplorável que devia rasgar o véu estendido sobre o coração do apóstolo, tirar-lhe toda estima de si próprio, mostrar-lhe a sua essência – pois é só pela essência que valemos –, desgostá-lo para sempre de todo amor próprio, afim de que ele pudesse dizer sinceramente um dia e por três vezes:

– Senhor, Vós que conheceis tudo, Vós bem sabeis agora que eu Vos amo.

(Capítulo VIII da 2ª parte do livro “A subida do Calvário”, do Pe. Louis Perroy, SJ)

PS: Recebido por e-mail, mantenho os grifos.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Educação sobrenatural - Parte VI

EDUCAÇÃO SOBRENATURAL


PARTE VI - A ALMA

É fácil dar às crianças uma idéia da alma?
Não o dissimulemos: é missão árdua.

"A verdade mais difícil de fazer compreender é a de que temos uma alma mais preciosa que o nosso corpo". (Fénelon)

Como se deve proceder?
É Fenelon que no-lo diz: Eis o que preconiza no seu tratado Da educação das filhas, uma obra prima, que, na nossa opinião, está muito esquecida.

Dizei o vosso filho que já sabe discorrer:

- É a tua alma que come?
Se responder mal, não lhe ralheis; mas dizei-lhe suavemente que a alma não come. É o corpo, dir-lhe-eis, que come; é o corpo que é semelhante aos animais. Os animais têm espírito? Têm entendimento?
- Não, responderá a criança.
- Mas eles comem, continuareis, embora não tenham espírito. Vê bem que não é o espírito que come. É o corpo que toma os alimentos para se nutrir; é ele que caminha, é ele que dorme.
- E a alma que faz?
- Raciocina; conhece todo o mundo; gosta de certas coisas; há outras para que ela olha com aversão. Acrescentai, em ar de brincadeira:
- Vês esta mesa?
- Sim.
-Então conhecê-la?
-Sim.
-Vês bem que não é feita como esta cadeira; sabes bem que ela é madeira e que não é como o lar, que é pedra?
- Sim, responderá a criança.
Não vedes mais longe sem ter reconhecido, no tom da sua voz e nos seus olhos, que estas verdades tão simples a impressionaram. Depois dizei-lhes:
- Mas esta mesa conhece-te?
Vereis que a criança se põe a rir, como que a zombar desta pergunta. Não importa; acrescentai:
- Quem gosta mais de ti, esta mesa ou esta cadeira?
Continuará a rir. Prossegui.
- E a janela porta-se bem?
Depois procurando ir mais longe:
- E esta boneca responde-te, quando lhe falas?
- Não.
- Porquê? Ela não tem espírito?
- Não, não tem.
-Então não é como tu: porque tu conhecê-la, e ela não te conhece. Mas depois de tua morte, quando estiveres debaixo da terra, não serás como esta boneca?
- Sim.
- Não sentirás mais nada?
- Não.
- Não conhecerás mais ninguém?
- Não.
- A tua alma estará no céu? [Se alcançar a santidade]
- Sim.
- Não verás aí Deus?
- É verdade.
- E a alma da boneca onde está?

Vereis que a criança, sorrindo vos responderá, ou pelo menos vos dará a entender que a boneca não tem alma.
(Fenelon, A educação das filhas, cap. VI)

Pode dar-se à criança uma idéia da espiritualidade da alma?
"Eu creio que o meio melhor e mais simples de fazer conceber esta espiritualidade de Deus e da alma é fazer-lhe notar a diferença que há entre um homem morto e um homem vivo. Num só existe o corpo; no outro, o corpo está junto do espírito. Em seguida, é preciso mostrar-lhe que o que raciocina é bem mais perfeito do que o que só tem figura e movimento".
(Fenelon, ob. cit. cap. VI)

Como se pode ensinar às crianças a imortalidade da alma?
É ainda Fénelon que no-lo vai dizer:

"Fazei em seguida notar, por diversos exemplos, que nenhum corpo perece: separa-se somente: por exemplo, as partes da madeira queimada caem em cinza ou evolam-se em fumo. Portanto acrescentareis, se aquilo que não é em si mesmo senão cinza, incapaz de conhecer ou de pensar, nunca perece, com muito mais forte razão a nossa alma, que conhece e que pensa, nunca deixará de existir. O corpo pode morrer, isto é, pode deixar a alma e ficar em cinza; mas a alma viverá, porque pensará sempre."

(Catecismo da educação, pelo Abade René de Bethléem, continua com o post: A graça)

PS: Grifos meus.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Educação sobrenatural - V parte

EDUCAÇÃO SOBRENATURAL
PARTE V - JESUS CRISTO


Que lugar se deve dar a Jesus Cristo na instrução religiosa?
O primeiro.

O grande Apóstolo gloriava-se de não saber, de não pregar senão Jesus, e Jesus Crucificado.

"Jesus Cristo é o alicerce do edifício, é a pedra angular; não há nenhum outro nome debaixo do sol pelo qual possamos ser salvos. Jesus Cristo é o Deus homem, Deus visível; Deus posto ao nosso lado e aproximado de nós. Não se conhece Deus, se não se conhece Jesus Cristo, Seu Filho: ninguém chega ao Pai senão por mim, disse Ele... Jesus Cristo é a manifestação viva, autêntica de todas as perfeições de Deus. Todos aqueles, diz Pascoal, que procuram um Deus sem Jesus Cristo, não encontram nenhuma luz que os satisfaça ou que lhes seja verdadeiramente útil; porque, ou não chegam a conhecer Deus, ou se chegam, é inútil; porque nunca podem comunicar com Ele sem medianeiro... Jesus Cristo era ontem, será amanhã e em todos os séculos. Prometido, figurado, profetizado, esperado, eis toda a história do antigo mundo. Pregado, crido, amado, servido, recebido, continuado, eis toda a história do mundo moderno. Visto, contemplado, possuído na Sua natureza divina e na Sua natureza humana, eis toda a felicidade da vida eterna... Jesus Cristo é o grande objeto da piedade cristã. A Igreja é o Seu corpo e Ele é a Sua alma, só vive por Ele".
(Pichenot)

É, pois, a este ensinamento que os pais devem sempre conduzir os seus filhos, se os querem interessar e instruir duma maneira segura e verdadeiramente cristã.

Como se podem instruir as crianças no que elas devem saber sobre Jesus Cristo?
Colocando-as diante do presépio e diante da cruz.

- Em frente do presépio, elas adivinham, amam e adoram o mistério do Menino Jesus, que lhes parece um irmão: é o mistério da Encarnação. Em face do presépio, pela narração das circunstâncias do nascimento, a mãe pode instruir os seus filhos no amor de Deus, tocar-lhes o coração, despertar-lhes a vontade, levá-las a corrigirem-se e tornarem-se melhores para dar prazer ao Menino Jesus, que tanto os amou. Sugerir-lhes-á algumas práticas da devoção ao seu alcance: beijar com respeito o Menino Jesus do presépio; pedir-Lhe a Sua bênção; repartir com Ele.

"Ouvi contar que uma criancinha que estava habituada a fazer assim, não tendo mais que uma fatia de pão com doce, diz alegremente: Menino Jesus, eu ofereço-Vos metade. (Fazia-o, sem dúvida, tanto mais voluntariamente quanto é certo que podia comê-la inteira). Mas parecia-lhe que o Menino Jesus, comovido, quis centuplicar aquilo que Lhe era oferecido: fez ouvir a Sua voz - pelo menos a criança julgou  que Ele Lhe dizia:

- E eu convido-te para ceares amanhã comigo, na morada de Meu Pai.

A boa criança contou alegremente o convite que tinha recebido; os pais ficaram vivamente inquietos. E, no dia seguinte, o anjinho voava para o céu; tomava lugar na ceia da glória, como diz Bossuet".

(Pichenot)

Em frente do presépio, a mãe dirá a seus filhos que o Menino Jesus fazia bem a Sua oração, que era obediente; que não mentia; que não se encolerizava; que não conhecia a gulodice, nem a preguiça, etc.

- Em frente da Cruz, as crianças adivinham, amam e adoram o mistério do mesmo Jesus que sofre com as "maldades" delas; obtém o seu perdão e faz por elas a devida penitência: é o mistério da Redenção.

Em frente da Cruz, a mãe dirá aos seus filhos que Jesus os amou até a morte mais ignominiosa, a morte na Cruz; que os amou sem lhes dever nada e sem ter nada a ganhar; que os amou pessoalmente a cada um deles como se fosse só.

Ah! que livro! que espetáculo o da Cruz! Fala a todos os olhos, fala a todos os corações; impressiona sempre as crianças, inflama nelas o fogo sagrado da caridade.

(Catecismo da Educação, pelo Abade René de Bethléem, continua com o post: A alma)

PS: Grifos meus. 

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Educação sobrenatural - IV Parte

EDUCAÇÃO SOBRENATURAL
PARTE IV - O OBJETO DESTA INSTRUÇÃO


"A manifestação das vossas palavras ilumina; dá a inteligência aos pequenos".
(I Tessal., II, 7)

Como se devem instruir as crianças?
Devem instruir-se as crianças, com uma progressão refletida, nas verdades fundamentais da religião:

- Deus;
- Jesus Cristo;
3º- A alma;
- A graça;
- Os últimos fins.

1 - Deus

Qual é a primeira verdade que se deve ensinar a criança?
É a existência de Deus.

- Quem é Deus: perguntamos um dia a uma criança de catecismo.
- Ah! senhor - respondeu ela - ainda não chegamos a essa lição.
(Charruau, As mães, 17)

É evidente que a criança deveria aprender esta lição desde o primeiro despertar da alma, logo que manifeste alguns vislumbres de inteligência.

Como se pode dar as crianças uma idéia da existência de Deus?
Elevando-as até Ele pela consideração das coisas deste mundo.

"A criança não tem dificuldade em conhecer o mundo invisível por detrás das coisas visíveis... Dir-se-ia que ainda ontem estava na presença de Deus".
(Newmann, citado por Cl. Bouvier, A educação religiosa, p. 32)

"Pode-se mostrar as crianças uma casa, e acostumá-las a compreender que essa casa não se edificou por si mesma. As pedras, dir-lhes-eis, não se elevaram sem que alguém as transportasse. É bom mesmo mostrar-lhes os pedreiros que edificam; depois fazer-lhes contemplar o céu, a terra e as principais coisas que Deus fez para uso do homem; dizer-lhes: Vede como o mundo é mais belo e mais bem feito do que uma casa. Fez-se por si mesmo? Não, sem dúvida; foi Deus que o edificou por Suas próprias mãos".
(Fenelon, Da educação das filhas, cap. VI)

Devem contentar-se os educadores com ensinar as crianças a existência de Deus?
É preciso deduzir desta noção confusa a idéia dum Deus Providência, dum Deus presente em toda a parte, dum Deus, justo e bom.

Como se pode incutir a criança a fé na Providência?
1º- Ensinando-lhe, com o catecismo, que nada, absolutamente nada, vem ao mundo sem ordem ou permissão de Deus.

- Fazendo-lhe conhecer o que a Bíblia nos ensina sobre esta verdade. José, indignamente vendido por seus irmãos, disse-lhes mais tarde, quando os tornou a ver: "Não fostes vós, foi Deus que fez tudo; enviou-me diante de vós".

O Salvador, no Evangelho, ensina-nos que "nem um só cabelo da nossa cabeça cairá sem a permissão de Deus".

- Familiarizando-a com o pensamento dos santos e dos bons cristãos...

- Habituando-a a aplicar estas profundas verdades aos menores incidentes da vida quotidiana.

Como pode incutir à criança a fé na presença de Deus?
1º- Ensinando-lhe, neste ponto, a bela e fecunda verdade teológica: Deus está em toda a parte; nada Lhe escapa: é nEle que nós temos o ser, o movimento e a vida; banhando-nos nEle como o peixe na água.

- Exercitando-a a viver neste pensamento.

"Nunca se insiste bastante, dizia Diderot, sob a presença de Deus. Os homens baniram a divindade de entre eles; parece que os muros dum templo limitam a sua vida e que ela se não prolonga mais além. Se tivesse uma criança para educar, acrescenta ele, far-lhe-ia da divindade uma companhia tão real, que lhe custaria a separar-se dela. Em lugar de lhe citar o exemplo dum outro homem, que ela conheça, talvez mais pecador do que ela, dir-lhe-ia bruscamente: Deus ouve-te e tu mentes!..." As crianças querem ser formadas pelos sentidos; multiplicaria, portanto, em volta dela, os sinais indicativos da presença divina. Se ela fizesse, por exemplo, um círculo na minha presença, marcaria aí um lugar a Deus, e acostumaria o meu educando a dizer: 'Nós somos quatro; Deus, o meu amigo, o meu diretor e eu'".

A que fim deve tender este ensinamento relativo a Deus?
Deve tender, desde a mais tenra idade, a inspirar às crianças o amor e o temor de Deus.

"Representaria Deus assentado sobre um trono, com os olhos mais brilhantes que os raios do sol e mais penetrantes que os relâmpagos; fazei-o falar; dai-lhe ouvidos que ouvem tudo, mãos que sustentam o universo, braços sempre levantados para punir os maus, um coração terno e paternal para tornar felizes aqueles que O amam".
(Fenelon, ob., cit. cap. VI)

Procedendo assim, depositam-se na alma das crianças este princípios da fé que são o fundamento da sua felicidade eterna. E quando as paixões rugirem, fazendo calar todas as vozes humanas, as crianças escutarão ainda a voz da sua consciência ou sua mãe, que lhes fala em nome de Deus:

- Isto não é permitido: é Deus que o proíbe; se cedes, temes o castigo; se resiste, terás a recompensa do céu, etc.

(Catecismo da educação, pelo Abade René de Bethléem, continua com o post: Jesus Cristo)

PS: Grifos meus.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

As dores de Maria (Conclusão)

Nota: Prometi e cumpri. Amanhã é o dia de Nossa Senhora das dores (Sete dores de Nossa Senhora), transcrevi o piedoso capítulo escrito pelo Pe. Júlio Maria sobre este tema. Confira os demais posts aqui: As dores de Maria

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AS DORES DE MARIA
VIII - CONCLUSÃO


Após a consideração minunciosa das dores da angusta Virgem e das disposições que animaram a doce co-redentora, que nos resta ainda a dizer? Nada mais do que recolhermos estes raios esparsos e reunir todas estas dores num foco imenso, escrevendo nele a palavra "amor".

O amor é, de fato, o princípio, a base e coroação de todo este drama doloroso, como ele é a fonte e o princípio da bondade e da misericórdia da divina Mãe.

Por que Maria é tão poderosa e tão cheia de ternura para conosco?

- Porque Ela nos ama.

Por que Maria é tão transbordante de misericórdia para com os pobres pecadores?

- Porque Ela os ama.

Por que a divina Mãe consetiu entregar o Seu Filho aos algozes e à colera dos malfeitores, e condenou-Se a sofrer com Ele e por Ele?

- Por que Ela ama os homens e quer salvá-los.

Depois de cada dor de Maria, como depois de cada sofrimento de Jesus, pode-se exclamar: "Sic dilexit mundum. - É porque amaram o mundo".

A salvação do mundo! - Eis, com efeito, o termo de tudo.

Deus quis salvar o mundo, e quis salvá-lo pelo sofrimento. E, não contente de sofrer só, Ele associou Sua própria Mãe, à Sua obra redentora.

Podia Ele dar-nos uma prova maior do Seu amor?...

- Sofrer por outrem é sublime!

Mas fazer sofrer, para salvar um inimigo, àqueles que amamos mais terna, mais apaixonadamente, é divino!

E eis o que nosso Salvador não hesitou em fazer. Fixando-o o Seu olhar sobre esta criatura pura e ideal, que Ele amava mais do que todas as outras criaturas reunidas, Ele ousou dizer:

Ó minha Mãe, minha Bem-Amada, Minha privilegiada, eis a humanidade perdida, eu poderia salvá-la por uma simples palavra; mas quero que ela saiba que eu a amo, e, para mostrar-lho, morrerei por ela. E não o bastante!

Para mostrar-lhe toda a intensidade e toda a extensão de Meu amor, vou sacrificar aquela que mais amo depois de Minha divindade - Minha Mãe!

Vai, pois, ó Virgem benigna; que a dor te triture como uma vítima! Que as angústias te estreitem como um círculo de ferro! Vai, sofre, imola-Te comigo... vive e morre para a humanidade, e que, por este sinal, ela compreenda o amor que lhe tenho, pois permito que a Minha própria Mãe seja vítima para a sua salvação.

E foi visto tão grande espetáculo! - Uma Mãe imolando o Seu Filho e imolando-Se a Si mesma para a salvação dos Seus algozes.

"Deste modo, diz São Bernardo, Maria vive e não vive, morre e não pode morrer. Ela vive, porém morrendo; morre, mas conservando a vida; Ela morre e não pode morrer; tem uma vida mais penosa do que a morte".

Eis o que nos representa o Calvário. Eis como Maria se torna a nossa Mãe, e por que preço Ela adquire este título que devia proporcionar-Lhe tão pouca consolação. Ela deu à luz os pecadores entre angústias e dores. É preciso que o Seu título de Mãe dos homens Lhe custe o Filho. Ela não pode ser Mãe dos cristãos senão com a condição de dar à morte o seu Filho único.

Que dolorosa fecundidade!

Recordo-me aqui de São Paulino de Nola, que, falando de sua parenta, Santa Melânia, a quem de numerosa família nada mais restava que uma criancinha, traça a Sua dor por estas palavras:

"Ela estava com esta criança, sobrevivente infeliz de uma grande ruína, que, bem longe de a consolar, aguçava as suas dores, e parecia que lhe fora deixada para fazê-la lembrar-se do seu luto, antes que para reparar a sua perda".

Não vos parece que estas palavras foram ditas para representar as dores da divina Mãe?

"Mulher, diz Jesus, eis aí o vosso filho".

"Esta palavra, diz Bossuet, num arroubo de gênio, esta palavra mata-A e fecunda-A. Ela tira das Suas entranhas, com a espada e gládio, estes novos filhos, e entreabe-se o Seu coração com uma violência incrível, para aí entrar este amor de Mãe, que Ela deve ter a todos os fiéis.

Ó filhos de Maria, filhos de sangue e de dor, continua o eloquente prelado, podeis ouvir sem lágrimas nos olhos os males que causais à Vossa Mãe? Podeis esquecer os gemidos, entre os quais Ela vos deu à luz?

Gemitus matris tuae ne obliviscaris. - Não esqueças os gemidos de tua mãe.

Lembra-te dos lamentos de Maria, lembra-te das dores cruéis com que dilaceraste o Seu coração no Calvário; deixa-te comover pelos gemidos de uma Mãe. Ó pecador, qual é o teu pensamento?

Queres elevar uma outra cruz, para nela pregar Jesus Cristo?

Queres fazer com que Maria veja o Seu Filho crucificado ainda uma vez?

Queres coroar a Sua cabeça com espinhos, calcar aos pés, ante os Seus olhos, o Seu sangue do novo Testamento e, por um tão horrível espetáculo, reabrir ainda todas as feridas do Seu amor materno?

Praza a Deus que não sejamos tão desnaturados!
Deixemo-nos comover pelos gemidos de uma Mãe.

Meus filhos, diz ela, até agora nada tenho sofrido, tenho como nada todas as dores que Me afligiram na cruz. O golpe que me dais  por causa dos vossos pecados, eis o que me fere. Vejo morrer o Meu Filho querido, mas, como Ele sofre pelo vossa salvação, consenti em imolá-lO, eu mesma; deixai que eu traga este amargor com alegria.

Meus filhos, crede no Meu amor. Parece-me não ter sentido este martírio, quando o comparo às dores que me causa a vossa impenitência. Mas, quando vos vejo sacrificar as vossas almas ao furor de Satanás, quando vos vejo a perder o sangue de Meu Filho, tornando inútil a Sua graça, é então que me sinto mais vivamente tocada.

Eis, meus filhos, o que trespassa o coração; é isto que me arranca as entranhas".

(Bossuet: Sermão sobre a compaixão da santa Virgem)

O ódio ao pecado e o desejo de reparar as nossas faltas, por uma vida pura e cheia de amor, eis, de fato, qual deve ser a conclusão do estudo das dores de Maria.

Amar é tornar-se semelhante, tanto quanto possível, ao objeto de nossas afeições.

Maria é a pureza, é o amor!... Como Ela, sejamos puros, amemos e consolemos as Suas dores pela nossa fidelidade em corresponder à graça, para que as Suas lágrimas não se tornem inúteis, mas façam germinar em nossas almas uma seara de virtudes, um desabrochar de santidade!

(Por que amo Maria, pelo Pe. Júlio Maria)

PS: Grifos meus.

Exaltação da Santa Cruz

Nota: Hoje a Igreja comemora a festa da Exaltação da Santa Cruz, escolhi alguns textos já publicados no blogue para meditação.



"Ó bendito lenho e benditos cravos
que tão suave peso sustentastes,
só vós fostes dignos de sustentar
o Rei e Senhor dos Céus.
 Aleluia."

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segunda-feira, 13 de setembro de 2010

VII- MARIA, RAINHA DOS MÁRTIRES

AS DORES DE MARIA
VII- MARIA, RAINHA DOS MÁRTIRES


De tudo o que acabamos de dizer resulta que Maria é, verdadeiramente, em toda a extensão da palavra, a "Rainha dos mártires".

Que mártir sofreu jamais dores semelhantes às Suas? Qual entre os nossos heróis é àquele em cujas torturas poderíamos verificar caracteres, imensidade e profundeza semelhante àqueles que são o fundo e que forma o complemento das dores de Maria?

É um sentimento admitido por todos os teólogos que uma dor suportada por amor de Deus é capaz de causar a morte e suficiente para constituir o martírio, mesmo que não ocasionasse a morte. É assim que São João Evangelista é reputado mártir, embora não tenha expirado na caldeira de óleo fervente, saindo dali mais forte do que antes.
(Brev. Rom. Dia 06 de maio)

Para merecer a auréola do martírio basta, pois, segundo Santo Tomás, que levemos a obediência até ao seu grau supremo, que é oferecer-se a si próprio à morte.
(Summ. 2.2 q. 124 a 3)

Ora, Maria, o fez em grau que ultrapassa a toda concepção humana.

"Se o Seu coração não caiu sob os golpes de um algoz, diz Santo Afonso, o Seu coração bendito foi trespassado pela dor que Ela sentiu da Paixão de Seu Filho, dor que bastava para Lhe dar mil vezes a morte. Daí devemos concluir que Maria não foi somente mártir em toda a força do termo, mas que o Seu martírio sobrepujava ainda a todos os outros" (S. Lig., Sermão sobre as Dores de Maria), visto ter sido ele mais longo, mais intenso e mais profundo.

Ó Virgem Maria, Vós bem podeis dizer com o salmista:

"A minha alma se desvaneceu na dor, e os meus anos decorreram nos gemidos", pois a dor Vos foi sempre presente, foi o Vosso pão cotidiano, Vos revestiu de todas as partes, penetrou-se e Vos consumiu inteiramente, Vosso martírio atinge o infinito, sois verdadeiramente a Rainha dos mártires.

Não repercutiu em Vosso coração a Paixão do vosso Jesus, que foi mais do que o Rei dos mártires? E Vós mesma não esperastes os dias da Paixão para entregar o Vosso coração às agonias mortais?...

Ainda jovem, aprendestes com os profetas a história antecipada dos sofrimentos do Vosso Jesus. E a partir desta primeira revelação, quantas lágrimas ardentes correram sobre as Vossas faces virginais!

E tornando-Vos Mãe de Deus, quem poderia exprimir os gládios que então Se cravaram em Vosso coração para trespassá-lo?

E, no entanto, nada mais eram que os pressentimentos da Paixão.

No dia em que ela se realizou, que martírio de sangue não produziu no Vosso coração, ó boa Mãe! Pois todas as circunstâncias da Paixão de Jesus, expirando em sofrimentos inauditos, reproduziram se dolorosamente em Vós, Sua Mãe.

Sim, Jesus foi o Rei dos mártires, e Vós, ó Maria, fostes a Rainha dos mártires.

Duas coisas elevaram o martírio de Maria acima dos tormentos de todos os mártires reunidos - o tempo e a intensidade.

O tempo, que mitiga as dores comuns, não aliviou as dores de Maria, mas, ao contrário, aumentou-as. De uma parte, Jesus aparecia a Sua santa Mãe cada vez mais belo e mais amável, à medida que crescia. E, de outra parte, o dia de Sua morte se aproximava sempre.

"Assim como a rosa cresce entre os espinhos, dizia o anjo a santa Brígida, assim também a Mãe de Deus progredia em anos, no meio das tribulações. E como os espinhos crescem ao mesmo tempo que a rosa, assim adiantou-Se em idade, Maria, esta rosa escolhida do Senhor, sentiu que os espinhos das Suas dores penetravam mais profundamente em Sua alma".

Segundo uma outra revelação a Santa Brígida, a Santíssima Virgem lhe diz que, mesmo depois da morte  e da ascensão de Seu Filho, Ela tinha a Paixão continuamente presente no Seu pensamento; e, quer tomando os Seus alimentos, quer trabalhando, o Seu coração amante estava ocupado nesta lembrança.

Quanto à intensidade, é como um abismo insondável.

"Se Deus não tivesse conservado a vida de Maria por um grande milagre, diz Santo Anselmo, a Sua dor teria sido suficiente para Lhe dar a morte a cada instante que Ela passava na terra".
(De excel. Virg. c.5)

Como é que os sofrimentos da humilde Virgem foram muito mais intensos que os de todos os mártires?... Eles o foram, sobretudo, de três modos;

Primeiramente, a alma sobrepuja o corpo, tanto quanto os sofrimentos da alma ultrapassam os do corpo.

Em certa ocasião, Nosso Senhor disse a Santa Catarina que entre as dores da alma e as do corpo não há comparação possível- Inter dolorem animae et corporis, nulla est comparatio.

Ora, foi no corpo que os mártires sofreram os golpes do ferro e do fogo. Maria, ao contrário, sofreu em Sua alma, segundo a profecia do santo velho Simeão.

O segundo modo, como o faz notar Santo Antonino (P. 4.t. 5. c. 24, par. I), consiste no fato de que o suplício dos mártires atinge à perda da própria vida; o da Santíssima Virgem consiste no sacrifício de uma vida que Lhe era muito mais cara do que a Sua própria vida - a vida de Seu Filho.

Deste modo Ela sofreu não somente em Sua alma tudo o que Jesus Cristo sofria em Seu corpo, mas a vista dos sofrimentos de Seu Filho afligiu mais o Seu coração que se Ela  mesma tivesse padecido todos eles.

"Jesus sofria nos Seus membros, e Maria no Seu coração", diz o bem-aventurado Amadeu - Ille carne, illa corde passa est (de laud. B. Virg. Hom 5), "de modo que, ajunta São Lourenço Justiniano, o coração de Mãe se tornou como o espelho das dores do Filho; os escarros, os golpes, as chagas, tudo o que Jesus sofria, vinha refletir-se nEla". - Passionis Christi speculum effectum erat cor Virginis; in illo agnoscebantur sputa, convicia, verbera, vulnera (De Trin. Chr. Ag. C. 21).

Dizem que os pais sentem mais vivamente os sofrimentos dos Seus filhos do que os seus sofrimentos pessoais. São Bernardo nos dá a razão disto:

"A alma está mais naqueles que ela ama do que naquele que ela anima" - Anima magis est ubi amat quam ubi animat.

Se isto é verdade, podemos dizer, portanto, que "Maria sofreu mais vendo as dores do Seu querido Jesus, do que se Ela mesma tivesse sofrido toda a Paixão". - Maria torquebatur magis quam si torqueretur in se; quoniam supra se incomparabiliter diligebat id unde dolebat.
(Se laud. B. Virg. Hom 5).

É a conclusão do bem-aventurado Amadeu. Enfim, um terceiro modo é que o martírio de Maria foi privado de toda consolação. Sem dúvida, os mártires sentiram vivamente os tormentos que lhes infligiam os tiranos, mas seu amor a Jesus lhes tornava doces e amáveis os seus sofrimentos.

Mais eles amavam a Jesus Cristo, menos sentiam os tormentos da morte; e a vista de um Deus crucificado bastava para os consolar. Mas que consolação hauria a Mãe de Jesus ante o espetáculo dos Seus sofrimentos, já que os próprios sofrimentos deste Filho querido eram o objeto da Sua aflição e o amor que Lhe tinha era o Seu único e mais cruel algoz?

Portanto, o martírio de Maria consistia precisamente na compaixão que Ela sentia à vista do seu Filho inocente e querido entregue a tão horrorosos suplícios. E, por conseguinte, mais Ela amava, mais amarga era a Sua dor, e mais se afastava toda consolação.

É o que se quer representar, quando apresentamos os santos mártires, cada qual com o seu instrumento de suplício: São Paulo, com a espada; Santo André com a cruz; São Lourenço, com a grelha...

Quanto à bem-aventurada Virgem, representamo-lA tendo em Seus braços o Seu divino Filho morto, porque só Jesus foi o instrumento do Seu martírio, em razão do amor que Ela Lhe consagrava.

Depois disso, figuramo-nos a Mãe de Deus de pé, junto à Cruz, na qual Jesus expira, dirigindo-nos estas palavras do profeta:

"Ó vós todos que passais por este caminho, considerai-me e vede se há dor semelhante à minha dor". - O vos omnes qui transitis per viam! attendite et videte se est dolor sicut dolor meus (Thren.I).

Vós que passais a vossa vida na terra, sem sequer lançardes um olhar de compaixão sobre a Vossa Mãe aflita, detende-Vos um instante para considerar-me e ver se entre todos aqueles que são presa da aflição e dos tormentos, há um só cuja dor seja  semelhante à minha.

"Não, ó Mãe desolada, responde-Lhe são Boaventura, não há dor mais cruel do que a Vossa, porque não há filho mais querido do que o Vosso". - Nullus dolor amarior, quia nulla proles carior
(Off. comp. B. Virg.).

Eis como o martírio da amável Virgem ultrapassou as dores de todos os mártires, pois Ela sofreu em Sua alma, enquanto os mártires sofreram no corpo. A Sua dor cresceu durante toda a Sua vida, enquanto que a dos mártires sofreram no corpo. A Sua dor cresceu durante toda a Sua vida, enquanto que a dos mártires tinha um termo muitas vezes limitado.

Enfim, Ela não teve consolação alguma.

Ó sim, ó Maria, Vós sois verdadeiramente Rainha dos mártires. Ninguém merece melhor a soberania sobre a dor do que Vós, que sofrestes como nunca sofreu criatura alguma.

E quais são os nossos deveres para com a nossa Mãe desolada?... Escutemos a própria Santíssima Virgem dizer a Santa Brígida:

"Minha filha, eu passo em revista todos os habitantes da terra, para ver se há entre eles quem pense em meu martírio e se comova ao vê-lo; mas eu encontro muito poucos. E tu, minha filha, não faças como o grande número, não te esqueças de mim, considera as minhas dores, e chora comigo tanto quanto o podes".

O próprio Nosso Senhor revelou à bem-aventurada Verônica de Binasco que, de certo modo, Ele se comprazia mais em ver-nos compadecidos das dores de Sua Mãe, do que dos Seus próprios sofrimentos.

Eis as Suas palavras:

"Minha filha, as lágrimas derramadas sobre a Minha Paixão são por mim amadas; mas, como amo com um amor imenso a minha Mãe Maria, é-me mais agradável a meditação das dores que Lhe causou a Minha morte".
(Boll, 13 jan.)

Acrescentemos que preciosos favores foram concedidos àqueles que meditam muitas vezes sobre as dores desta Mãe querida.

Em seu "Journal de Marie", Marchèse relata uma tradição antiga, que nos mostra São João Evangelista chorando a morte daquela que ele tomara por todo o seu bem. Para consolá-lo, e por ter ele velado sobre os últimos anos de Maria, Nosso Senhor dignou-Se aparecer-Lhe, em uma visão, acompanhado de Sua Mãe.

O santo ouviu Maria pedir ao Seu Filho que concedesse alguma graça particular àqueles que honram as Suas dores.

Jesus prometeu quatro principais, que são:

1- Aqueles que invocam a Mãe das dores merecerão fazer, antes da morte, uma penitência sincera dos Seus pecados.

2- O próprio Jesus os protege em suas tribulações, sobretudo na hora da morte.

3- Ele imprimirá neles a memória de Sua Paixão, e lhes dará a recompensa do Ceú.

4- Colocá-los-á nas mãos de Sua Mãe, a fim de que deles disponha segundo o seu parecer, e lhes alcance todas as graças que quiser.

Portanto, amenos, honremos e consolemos a amável e doce Rainha dos mártires.
Choremos com Ela na terra, a fim de termos a felicidade de um dia nos alegrarmos com Ela no Céu.

(Por que amo Maria, pelo Pe. Júlio Maria, continua com o último post: Conclusão)

PS: Grifos meus.

domingo, 12 de setembro de 2010

VI- AS RAZÕES DAS DORES DE MARIA

AS DORES DE MARIA
VI- AS RAZÕES DAS DORES DE MARIA


A vista das imensas dores desta Virgem tão compadecida, perguntamos imediatamente a nos mesmos como Deus permitiu que Ela fosse triturada a este ponto.

A questão merece seguramente uma resposta, pois Ela supõe o conhecimento dos sublimes desígnios de Deus sobre Maria, e nos ensina como é que devemos carregar as cruzes que a Providência coloca sobre nossos ombros, e mesmo desejar o sofrimento por amor de Deus.

Os sofrimentos de Maria não eram necessários, por necessidade absoluta, para operar a redenção do mundo, mas Deus quis que fossem necessários por necessidade de conveniência.

"O ódio da serpente infernal, diz São Crisóstomo, começara por Eva a perpetrar o desastre original; convinha, por conseguinte, que Maria, nova Eva, interviesse no ato da reparação, efetuado pelo novo Adão".
(S.J.Crys.: De interdict)

É o mar de Deus a Maria.

Pode o amor dar algo de melhor do que a si mesmo?...

Ora, em Jesus tudo era sofrimento. Maria deverá, portanto, assemelhar-Se ao Seu divino Filho, deverá participar das Suas dores, porque participa do Seu amor.

A lei que atinge a Jesus deverá envolver Maria. E esta lei, nós o sabemos, era uma lei de sacrifício e de expiação, em que a ignomínia e a abjeção deviam chegar quase ao aniquilamento. Maria teria sido um simples instrumento e não uma mãe, se Ela tivesse  sido separada de todas estas coisas.

O crescimento dos méritos da Santíssima Virgem foi mais uma razão dos Seus sofrimentos. E sobretudo nos sofrimentos que se acumulam os méritos. A qualidade de Mãe de Deus não teria sido uma razão suficiente para que Maria fosse elevada ao céu, sem a graça santificante que precedeu e seguiu esta dignidade da maternidade divina.

A elevação legítima de Maria devia depender  dos Seus méritos e os Seus méritos deviam ser adquiridos evidentemente por uma longa série de sofrimentos. (Cfr. Bourdaloue: Sermão sobre a Assunção)

Como avaliar então os arrebatamentos que atualmente enchem no céu a alma de nossa Mãe querida e nos quais Ela reconhece as recompensas especiais devidas a cada uma de Suas dores?...

E por prodigiosa que seja a grandeza da recompensa, Ela vê pormenorizadamente como correspondeu a cada um dos Seus sofrimentos em particular, e como esta recompensa nasceu dos Seus sofrimentos.

Setenta e dois anos de alegria estática jamais teriam, na ordem atual dos desígnios de Deus, elevado o Seu trono tão próximo do trono de Deus. (Jamar: Maria Mãe da dor)

Uma terceira razão das dores da Imaculada era a glória que Deus devia receber dEla.

A maior misericórdia de Deus para com as criaturas é o permitir-lhes contribuírem à Sua glória e fazê-lo de um modo inteligente e livre.

Mas quem melhor do que Maria se achava em condições de procurar esta glória? Ela que era tão próxima de Deus e tão vibrante de amor e de vida sobrenatural. Dela Deus pode receber mais glória não só do que de qualquer outra criatura, mas ainda do que de todas as criaturas reunidas, excetuando-se, evidentemente, a natureza de Jesus Cristo.

A Mãe de Jesus estava cumulada, sem dúvida, das graças poderosas que exigia uma correspondência tão maravilhosa à vontade divina, mas Ela nunca recebeu do Seu divino Filho dom algum, ao qual ligasse tanto apreço, como à Sua compaixão. Não! para ganhar o mundo, Ela não teria consentido em se privar da menor circunstância que pudesse agravar a Sua dor.

Portanto, foi Maria quem pagou, por assim dizer, a dívida que os santos tinham contraído com Jesus pela Sua paixão e que eles nunca podiam saldar.

Maria, ao pé da Cruz, era o mundo em adoração, pois nenhuma criatura adorava então a Jesus em Suas humilhações. Tudo se concentrava, pois, na pessoa desta Virgem das dores; Ela era como que o centro, o coração e a voz do mundo inteiro.

A quarta razão das dores de Maria é que Ela era mãe, e qual é a mãe que não sofre para com o seu filho?...

A mãe não é mãe por um título nobiliárquico, e, sobretudo, ela não pode ser "Consoladora dos aflitos", como Maria o deveria ser, por um simples decreto emanado da vontade. Poderia dar-se isto, mas Deus não o quis.

A sentença promulgada contra Eva: "Darás à luz na dor", é, ao mesmo tempo, uma lei e um mistério, uma condenação e uma profecia.

A partir deste momento a dor se torna uma condição inevitável para a mulher se tornar mãe, tanto na ordem natural, como na ordem da graça. A qualidade de mãe é inseparável da qualidade de mártir.

"Maria, ao pé da Cruz, diz São Bernardino de Sena, adquiriu o titulo de Mãe dos cristãos com o preço das mais incompreensíveis dores e, gerando-nos à graça, Ela sentiu, ao mesmo tempo, todas as dores suportadas pelas mães que comunicam a vida na natureza aos seus filhos. Maria sentiu-as todas ao mesmo tempo, gerando-nos à graça ou dando-nos à luz da graça, e deste modo, os seus sofrimentos igualaram os sofrimentos de todas as mães".

A razão por ele apresentada prova-nos que Maria tendo-nos gerado a todos para a salvação, teve que sofrer para casa um de nós em particular.

Uma quinta e última razão que entrevemos das dores da Virgem, é o desígnio de Deus em dar-nos Maria por modelo.

A dor caracteriza mais ou menos toda a vida humana e, encerrando em si os meios particulares de união com Deus, desarranja e perturba, mais do que qualquer outra coisa, as nossas relações com Ele.

cristãmente a dor é talvez a obra mais elevada e mais árdua que temos nós a realizar, e está em grande parte nos desígnios de Deus que a soma das dores que devemos suportar cresça com o grau de santidade que nos torna capazes de as suportar.

E, sob este ponto de vista, que horizonte luminoso se abre aos nossos olhos!...

A mais pura, a mais doce, a mais santa das criaturas nos aparece esmagada e triturada pela dor e nos ensina como devemos sofrer e como devemos galgar o Calvário da nossa vida.

Como é doce, nas horas de lassidão e de provação, apoiar a cabeça e o coração sobre o coração sanguinolento de Maria!

Como aí irradia levemente o amor, através das lágrimas e das angústias!

Como ele atrai e repousa o coração! Como ele nos pede sobretudo um pouco de reciprocidade de amor, a pequena chama de nosso coração para uni-la ao incêndio do coração da "Virgem das dores"!

(Por que amo Maria, pelo Pe. Júlio Maria, segue com o post: Maria, Rainha dos mártires)

PS: Grifos meus.

sábado, 11 de setembro de 2010

V- A IMENSIDADE DAS DORES DE MARIA

AS DORES DE MARIA
V- A IMENSIDADE DAS DORES DE MARIA


De boa vontade empregamos em nossa linguagem esta grande palavra "imensidade". Raramente ela é justificada pela soma ou pelo peso dos nossos sofrimentos. De fato qual é a dor humana, que em nada se possa atenuar, seja da parte da terra, onde temos e onde sabemos encontrar tantos refúgios, apoios e distrações, seja da parte do céu, tão poderoso para consolar-nos e sempre tão propenso a fazê-lo?

Mas, quando dizemos de Maria que a Sua dor é imensa, é absolutamente e terrivelmente verdade.

"Todos os rios correm ao mar, escreve o Sábio, e o mar nunca transborda".

Compreendei que estes rios são torrentes de angústias, e que este mar, em que tudo se precipita, e que Deus fez tão vasto para receber e conter tudo, é o coração da Virgem imaculada, e tereis aí uma imagem da imensidade da Sua desolação.

É ante o pensamento desta imensidade das dores de Maria que a Igreja exclama, com o profeta Jeremias:

"Ó vos todos que passais pelo caminho, considerai vede se há uma dor semelhante à minha dor! A quem vos hei de comparar, ó filha de Jerusalém? A quem direi que vos assemelhais?... Onde encontrarei alguma coisa igual aos vossos males? O excesso dos vossos males é semelhante a um mar. Quem porá nele um limite?"

É do mesmo modo que os doutores e os santos falaram da grandeza dos sofrimentos de Maria.

Santo Anselmo disse:

"Qualquer que tenha sido a crueldade maquinada contra os mártires, era superficial, ou antes, não era nada, comparada à crueldade da paixão de Maria".
(De excell, Virg. C.V)

Um anjo revelou a Santa Brígida que "se Nosso Senhor não tivesse sustentado miraculosamente Sua Mãe, Ela não teria podido conservar a vida durante o Seu martírio".

Eis o eco de todos os santos e de todos os doutores. Procuremos compreender, por um rápido exame, que de fato foi sim... Donde provém a imensidade das dores da Virgem imaculada?... Provém sobretudo, de quatro causas. Meditemo-las aqui atentamente.

O que nos mostra antes de tudo a imensidade destas dores é que elas ultrapassaram todos os tormentos dos mártires.

Não somente, diz o Pe. Faber (no livro: Aos pés da cruz), nunca houve um único mártir, por prolongadas ou complicadas que tenham sido as suas torturas, que igualasse a Maria em sofrimentos, mas mesmo as angústias de todos os mártires reunidas, com a Sua variedade e intensidade, não se aproximaram da agonia de Sua paixão.

Os mártires sentiram uma consolação inefável em contemplar a Jesus, cuja beleza e glória os fortificavam. O seu espírito estava repleto desta luz divina. A sua agonia era mitigada e contrabalançada, quase metamorfoseada pela consolação interior que experimentavam na sua alma inundada de graça e de amor. Mas onde a visão interior de Maria procurará uma consolação? É preciso que os Seus olhos espirituais lancem os seus olhares lá onde os Seus olhos corporais já estão fixos, isto é, sobre Jesus, e é esta visão que causa a Sua tortura.

Ela vê a Sua natureza humana, e Ela é a Sua Mãe, e Mãe acima de todas as outras mães, amando como nunca outra mãe amara; e muito mais ainda como nunca poderiam amar todas as mães reunidas, se pudéssemos reunir a totalidade dos seus atos de amor, no mais enérgico e mais inexprimível dos atos.

Ele é o Seu Filho!...  que Filho!... e de que modo maravilhoso!...

Ele é o Seu tesouro e o Seu tudo! Que fonte de torturas agudas, vivas, mortais, incomparáveis, havia nesta contemplação! E entretanto, não estava tudo aí, pois havia mais ainda: aí havia a natureza divina do Salvador.

Jesus tinha direito às adorações de todos os homens, e ninguém O via como Maria. Jesus era Deus, e Ele não recebia nenhuma das homenagens devidas à Sua divindade. Ele era Deus, e Maria O via, através da obscuridade do eclipse, coberto de sangue, de escarros, de lama, de chagas repelentes, de contusões lívidas.

Que significava tudo isso sobre uma pessoa divina?...

É inútil indagar um nome para uma dor, como a que submergia a alma de Maria Santíssima. Jesus,  a alegria dos mártires, aqui é como o algoz de Sua Mãe! Nenhum martírio foi igual àquele e não lhe podemos atribuir outro nome que o de "imensidade de dores", a "dor incompreensível".

Em segundo lugar, os sofrimentos da Santíssima Virgem podem ser chamados imensos, em relação às Suas proporções com as Suas outras qualidades, isto é, que se depois de Jesus e para Jesus Ela tivesse que ter a preeminência de dor, os Seus sofrimentos deviam ser proporcionados à Sua dignidade, à Sua santidade e às Suas luzes.

Dores proporcionadas à Sua dignidade, e Ela era Mãe de Deus. Dignidade tal, diz São Tomás, que a própria Onipotência não teria podido imaginar uma grandeza mais elevada. É dizer que era impossível imaginar uma dor maior do que a da Mãe de Deus!

Dores proporcionadas também à Sua santidade. As provações dos santos são sempre medidas sobre a sua força e a sua capacidade de sofrer, e análogas aos seus méritos, que elas igualam, e aos quais se ligam de um modo particular.

Ora, quem dirá a santidade e os méritos de Maria?...

Questão insolúvel, falta de algarismos, dissemos precedentemente.

Mas, se esta santidade não é absolutamente ilimitada (e é a menor coisa que dEla se possa dizer), não sabemos ao menos que enorme fardo de sofrimento exigia uma tal santidade para alcançar o Seu nível e fecundá-la, amadurecê-la, acrescê-la e coroá-la, por uma outra imensidade - a imensidade da dor.

Dores proporcionadas, enfim, às Suas luzes.

O conhecimento aguça sempre mais a dor, e a sensibilidade aumenta a sua violência. Ora, todo o ser da Santíssima Virgem estava repleto de luz. Não só uma razão e uma inteligência de perfeição extrema resplandeciam em todas as Suas faculdades, mas a Sua vida interior se passava no seio de uma atmosfera sobrenatural, toda de luz.

Nas Suas dores inenarráveis, este conhecimento que A esclarecia era uma tortura terrível.

Podemos bem dizer que ninguém, exceto o Salvador, compreendeu perfeitamente a paixão, nem pode avaliar e agrupar todos os horrores no que ele tem de mais hediondo; ao menos a compreensão que delas teve Maria é a única que se aproximou da que tinha o Seu Filho.

Assim, pois, ainda que, a extensão das dores da Santíssima Virgem nos escapa, porque não podemos medir a extensão das luzes sobrenaturais a que elas eram proporcionadas e com as quais cresciam talvez simultâneamente.

As dores de Maria são ainda por causa da sua multidão.

Cada olhar, cada palavra ou ação de Jesus causava à doce Virgem, uma superabundância de sofrimentos nos quais o passado e o futuro se confundiam em uma visão única, mas terrível, sempre presente à Sua alma.

E se, por causa da sua multiplicidade, não podemos contar todas as aflições da Santíssima Virgem, ao menos qual não foi a sua violência, quando todas se concentraram como que sobre um ponto único e culminante, donde se espalharam a cada momento e de todos os lados sobre a Sua alma, com uma tal diversidade de sofrimentos que não poderíamos imaginar?...

Maria pôde dizer com justiça:

"A minha amargura é a mais amarga de todas as amarguras".

Há também um outro ponto de vista, sob o qual as dores de Maria foram verdadeiramente imensa: - é a superioridade a tudo o que a força humana pode suportar. De fato, elas ultrapassaram em energia ao mais robusto homem.

É opinião unânime dos autores, apoiada sobre as revelações dos santos, que Maria conservou a vida por milagre sob o peso dos Seus intoleráveis sofrimentos. A previsão que Ela teve das Suas dores foi tão viva, que, sem um socorro particular de Deus, Ela não teria podido viver sob um aguilhão tão cruel.

Não vemos, algumas vezes, pais ou mães que morreram de desgosto?... Na expressão de nossas dores de ordinário há algum exagero e a imaginação as aumenta. Mas nos sofrimentos de Maria tudo era verdadeiro e real. Elas eram avivadas pela perfeição superior da Sua natureza, pela Sua graça superabundante, pela beleza perfeita, e, sobretudo, pela divindade de Jesus.

Deste modo, cada uma das Suas dores era perfeitamente aceita, quer na sua intensidade, quer na sua extensão, quer na sua duração. Sua natureza física, isenta dos estragos do pecado, estava repleta da mais enérgica vitalidade, dotada da mais terna e viva sensibilidade; por conseguinte, era de uma capacidade única para sofrer.

Logo, nada houve em Maria, quer na Sua razão, quer nos Seus sentimentos, que pudesse amortecer um só dos golpes que Ela recebia.

Esta realidade das dores de Maria, é na verdade muito extraordinária, e foi preciso o coração de um Deus, para permitir que a Sua Mãe sofresse tanto pela nossa salvação. E nós correspondemos às vezes tão mal e tão covardemente às ternuras que tantas dores nos revelam.

Até quando seremos ingratos?... E quando, enfim, misturaremos algumas lágrimas de compunção à torrente de dores de nossa Mãe?...

(Por que amo Maria, pelo Pe. Júlio Maria, continua com o post: As razões das dores de Maria)

PS: Grifos meus.