Se há no mundo deserção de conseqüências funestíssimas é, de certo, a deserção do lar.
E, justamente, isto acontece porque o lar verdadeiro representa, na ordem natural, um dos recolhimentos mais veneráveis, mais santos e mais importantes e que, portanto, não está de acordo com o espírito dissipado e superficial da época moderna.
Quem se admira, então, de quererem as ideologias ímpias, destruir, pela base, a família e, assim, o lar? Quem se admira do grito desenfreado que se ouve em todos os tons: "Divórcio! Divórcio!" - que é a dissipação desbragada?!
Como é triste ver a clausura doméstica abandonada! São ninhos vazios, colméias desprezadas! E isto, infelizmente, não só nas famílias ricas, onde cada um sai para o seu lado - não tolerando o ambiente doméstico - onde até as criancinhas, com suas aias, são educadas (!) nas ruas e nas praças - mas, desgraçadamente, também, nas famílias pobres, onde se procura, com avidez, os divertimentos chamados baratos, mas, hoje, sempre caros, em vista da situação e das necessidades crescentes da vida. Como é triste!
As casas pobres se fecham, e as ricas ficam entregues aos empregados.
As conseqüências deste abandono, quase geral, dos lares são as mais desastrosas: perdem-se energias e dinheiro, enfraquecem-se uniões, estragam-se harmonias, perde-se, completamente, o espírito de família.
Entretanto, quando se compreende a força do recolhimento doméstico, que expansão maravilhosa, ao depois! Eis a revoada dos pássaros novos que se levantam dos ninhos quentes para a amplidão do espaço, onde se goza verdadeira liberdade. Eis o mel das virtudes domésticas (fabricado na colméia do recolhimento) que dulcifica tudo até o fel das provações e sofrimentos.
Do lar pode-se dizer o que o piedoso autor da Imitação de Cristo diz da cela do religioso que, "pouco frequentada, gera tédio e aborrecimento, frequentada, porém, com vontade, gera gozo e doçura"
Então, cada sala ou aposento, por modesto que seja, tem sua história, sua fascinação. Cada canto e cada móvel nos dizem alguma coisa. Cada quadro tem a sua linguagem, despertando reminiscências preciosas. E a gente olha para o jardim ou para o quintal humilde e cada árvore ou arbusto ou plantinha nos enche de saudades e nos segredam esperanças. Principalmente a mesa, quase sempre grande, guardam em si histórias lindas, que os profanos não saberiam compreender.
Por graças de Deus, ainda há famílias assim, para as quais o lar é um santuário, não somente onde se reza, mas onde se ama, se trabalha, se goza, mas, também, onde, quando se sofre, se respira a paz da resignação e a elevação da compreensão da vida a anunciar horas melhores e a mostrar que as horas de dor têm a sua finalidade e riqueza.
É nesses ambientes fechados, que crescem as grandes e pequenas virtudes de que o mundo tanto precisa... Conhecemos, entre muitos outros, por graça de Deus, um lar privilegiado, na vizinhança de grande cidade, construído, sobre montanhas, cercado de muros lindos, a guardar uma família verdadeira, um ambiente alegre e elegante, mas cheio de severidade e nobreza, lar que tem por nome a palavra expressiva da Escritura: "Hortus conclusus", isto é, horto cerrado.
Que programa esplêndido para um lar que sabe ser a célula-mater da sociedade!
Oh! se não houvesse tantos lares escancarados, abertos! Se não houvesse tanta clausura violada, como seria diferente o mundo! Que ondas de força, de ordem, de princípios, que ondas de amor verdadeiro e de dedicação e generosidade deles se espalhariam pela sociedade, que precisa de tudo isso, para não se degradar de todo!
Que se fechem os lares. Que se guardem os lares. Que a clausura severa e alegre da família seja respeitada. E nela se veja o futuro da verdadeira sociedade.
Então sairão dali, quando for o tempo, moças, jovens, preparados para a construção de novo lar que será modelado pelo lar fechado, de espírito cristão, em que viveram felizes e alegres, apesar da disciplina ou, melhor, por causa da disciplina.
São esses lares fechados, recolhidos (quanta vez o vemos com satisfação!) que melhor se abrem para receber os amigos escolhidos, em dia de festa, que todos sabem gozar e viver.
São esses lares enclausurados, pela fé e pelos bons costumes, que se abrem com facilidade, para receberem os pobres, os mendigos, os famintos, vendo neles mensageiros ou, quem sabe, até, disfarces de Jesus Cristo.
São esses lares fechados, oficinas verdadeiras de caráter, de virtude e toda prova, que melhor preparam os grandes homens de amanhã.
São esses lares fechados que soltam, de vez em quando, os seus moradores satisfeitos pelo mundo, em viagem, ou, pela cidade e pelos campos, em passeio, para que depois, com mais saudades e compreensão, voltem para o seu aconchego e saibam-no melhor aproveitar, carregados, que vêm, como as abelhas, só daquilo que é bom.
Lares recolhidos, recatados, silenciosos, (ricos ou pobres) que melhor espalham, para si mesmos, atmosfera de paz e de bem estar, e, para os outros, de distinção e fidalguia.
"A minha casa é minha fortaleza", diz um ditado inglês. Abrem-se as janelas para o jardim e para o quintal, enfloram-se as varandas repousantes; mas fechem-se as janelas para a rua e cerrem-se as cortinas para a casa dos vizinhos.
A casa de família é feita para a comodidade de quem nela mora e não apenas para o embelezamento da cidade e gáudio de quem a contempla da rua. Por isso, não se tenha medo de ocultá-la atrás de grandes árvores ou dentro de muros fechados. Mas lembremo-nos de que só isso não faz o recolhimento, que exige a vontade, a vida.
Oh! se o mundo compreendesse a força e a felicidade do recolhimento do lar, e quando este recolhimento - que pode ser meramente natural - é transfigurado com a doutrina e presença de Cristo que o ilumina, então pode ser o lar mais pobre e modesto, ele toma aparências de átrio de céu.
Uma pobre mãe, antes rica, pediu-me que fosse benzer a casa e dizer uma palavra de paz, pois as filhas moças não se conformavam com a nova situação e muito a faziam sofrer. Fui à tarde. estava a mãe sozinha. As filhas todas no cinema. A pobre salinha de visitas tinha só um quadro: o retrato de um artista de tela!
Entrei em uma casa rica, mas sofredora, e encontrei a senhora, de seus quarenta anos, a recortar caras de artistas para um álbum de sua distração. Incrível, mas verdadeiro!
Lares escancarados, infelizes! o que sabem eles de recolhimento, que os poderia transformar?!
(Recolhimento, por D. Fr. Henrique Gollard Trindade O.F.M - Bispo de Bonfim, edição de 1945)
PS: Grifos meus