7. CRIAR
UM CLIMA DE AFETO VIRIL
A criança tem necessidade de muito afeto — não um
afeto molemente dado, mas um afeto tão viril quanto terno.
• Na América, na Áustria, em certas creches,
a pretexto de uma puericultura científica, chegara-se a proibir
todo contato com os bebês. As enfermeiras, enluvadas e com máscaras
afiveladas ao rosto, tratavam as crianças de acordo com os últimos
princípios da luta contra os micróbios. Naturalmente, era proibido beijar. Os
resultados quanto ao desenvolvimento psíquico das crianças foram
desastrosos. Inquéritos comparativos feitos no seio de famílias pobres
e mesmo miseráveis, que viviam sem higiene, com mães por vezes
negligentes, revelaram um desenvolvimento afetivo mais satisfatório. Mesmo
com amas medíocres, mas que guardavam contato humano com as crianças de
peito, o desenvolvimento ulterior se efetuava em condições bem melhores.
• Sabe-se que uma das grandes fraquezas da
Assistência Pública ou Social é a sua insuficiência no plano da
sensibilidade. Grande número de associais e de crianças
culpadas explica-se muito menos pela ausência de cuidados
maternais ou pela insuficiência de educação intelectual, do que
pelo ambiente efetivamente muito pobre, O estudo da
infância delinquente aponta o fator primordial dos “sem-família”
ou “pais separados”, implicando abandono afetivo da criança. O
divórcio dos pais ou os novos casamentos, mergulhando a criança em conflitos
sentimentais, têm geralmente as consequências mais graves para a alma infantil.
• O que as crianças mais temem é o isolamento e o
abandono. Há pais que nunca dispõem de tempo para os filhos. Há crianças
mimadas que não se sentem amadas.
• Há crianças acarinhadas, mimadas, aduladas,
embonecadas, que, no fundo, não são amadas, quero dizer, amadas em si
mesmas, pelo seu bem. Trata-se, então, de preferência de uma forma de
egoísmo paterno ou materno, que se busca inconscientemente, que tende à
sua própria satisfação.
O amor verdadeiro e salutar à criança inclui
numerosos cuidados. Comporta na mãe, sobretudo, infinita ternura, muitas
manifestações sensíveis, desde as palavrinhas de carinho até os beijos.
Mas esses testemunhos externos são apenas o símbolo de uma realidade
mais profunda e mais eficaz.
Para que o amor dos seus pais mereça plenamente o
seu nome, é preciso que vá à pessoa moral da criança, que tenda ao seu
bem. A marca sensível é aqui apenas um meio de chegar ao recesso do
ser. E é sempre possível o perigo de que se confine nas aparências
tão doces aos pais e às crianças.[1]
• É necessário que o pai tenha uma autoridade
máscula, a um tempo calmo e imperiosa, que emane de sua
força indiscutível e forneça à criança o ideal viril indispensável ao
seu desenvolvimento.
A mãe, por outro lado, deve oferecer ao coração do
filho uma ternura harmoniosa e serena, igualmente afastada da tirania e da
idolatria, que não são mais do que desvios do amor maternal.
• A criança possui uma grande receptividade
intuitiva. Mesmo que não saiba analisar-se, sua sensibilidade é
aguda. Para seu equilíbrio, cumpre que possa libertar-se do que
sente, exteriorizando-se de acordo com a sua natureza, exprimindo-se a seu
modo, confiando-se com abandono.
• Repelir moralmente uma
criança que vem confiar-se a vós ou vos fazer uma pergunta, é arriscar-se
a feri-la, “bloqueá-la”, deformá-la.
• Quando uma criança está com a veia das
confidências, não a interrompais: é a passagem da hora da graça...
• Não façais ironia com uma criança que não
tenha idade para compreender a brincadeira. Pode levar a coisa a
sério e por pouco não chegará a levá-la ao trágico.
• Quem quer que se julgue insuficientemente amado
adota uma atitude de revolta e de ódio para com a sociedade.[2]
• As crianças têm necessidade de amor; seria cruel
que a pretexto de educação viril, fossemos severos e duros para com elas.
Isto sucede, às vezes, quando uma geração reage
contra os excessos da geração precedente: crianças mimadas de uma forma
exagerada descobrem, quando chegam à idade adulta, as inconveniências dessa
educação, e podem então ir demasiado longe num sentido inverso.
Mas as crianças educadas sem calor tornam-se
frequentemente egoístas, porque, desiludidas em sua necessidade de afeto,
adquirem o hábito de se concentrarem em si mesmas.
Opostamente, a ternura só tem valor se não cai no
abuso. Para os meninos, sobretudo, as demonstrações excessivas constituem
algo a evitar; elas preparam homens desarmados em face da vida, imaginando
que todo mundo, a exemplo dos seus próximos, não lhes procura fazer mal.
A educação do coração cabe, acima de tudo, à mãe.
Que ela não faça, contudo, vibrar com muita frequência a corda sensível, e
evite dizer a todo propósito: “Se fizeres isto, vais magoar-me muito... não gostarei
mais de ti, etc... ”
Essas ameaças têm efeitos diferentes, segundo as
naturezas: certas crianças chegam rapidamente a não lhes prestar atenção, a não
lhes dar importância alguma; os hipersensíveis, pelo contrário, correm o
risco de levar tudo isso ao trágico e, assim, se desequilibrarem.[3]
• É normal que a criança tenha caprichos. O papel
dos pais é levar o filho a dominá-los, afetuosamente, decerto, mas
com firmeza. A verdadeira felicidade da criança está em jogo, porque se
não aprendeu desde cedo a reprimir suas fantasias, depois será muito
tarde, e ela se tornará vítima de sua abdicação.
• Para desabrochar harmoniosamente, a criança
precisa sentir o afeto dos pais. É mesmo bom que esse afeto se manifeste
mais ternamente, de tempos em tempos. Cumpre, todavia, evitar todo exagero, a
exemplo de carinhos que não acabam mais ou beijos incessantes e
apaixonados — o que representa o perigo de fazer nascer na criança uma
necessidade mórbida de ternura.
• É preciso evitar as manifestações de uma compaixão exagerada
em casos de simples “dodói” ou de queda sem gravidade.
Cai, sem se machucar, uma criança. Sorrindo, a
educadora lhe diz: “Vejam só, Pedrinho fez: boom!” Pedrinho se levanta e
responde num riso: “Boom!” Mas, se uma pessoa chegar e disser com ar de
pena: “Oh, coitado do Pedrinho, está dodói imediatamente a criança começa
a chorar.
• Há muitas maneiras de estragar uma criança:
estraga-se o seu espírito pelo exagero impensado dos elogios. Estraga-se o
seu caráter fazendo-lhe todas as vontades. Estraga-se o seu coração,
ocupando-se excessivamente dela, adorando-a, idolatrando-a. Todas essas
maneiras de estragar as crianças podem reduzir-se ao desenvolvimento de
dois princípios funestos, fontes de Toda a perversidade humana: a languidez da
vontade e o orgulho.[4]
• É preciso levar as crianças a reagir
alegremente em face das dificuldades, a transpor as contrariedades sem
disso dar a perceber, a se alegrar sem pensamento oculto em Todas as
pequenas ocasiões de prazer, a tudo tomar, isto é, pessoas e coisas, pelo
lado bom.
• O que constitui o calor de um lar
é o clima criado pelos pais, em que todos os membros da família,
pequenos e grandes, se esforçam para ser mutuamente semeadores de paz, de
bom entendimento e de amor verdadeiro.
• Ocorre, por vezes, que ao adoecer a criança, a
angústia legítima da família se transforma em múltiplas
indulgências e mesmo numa tendência de ceder a todos os seus caprichos.
Deveis, por certo, proporcionar à criança os
vossos cuidados mais afetuosos, mas evitai excessos de ternura que não deixam
de constituir certo perigo. A doença pode tornar-se uma verdadeira ocasião de
prazer. Já se verificou que crianças assim mimadas chegaram a desejar a
doença. Por vezes, mesmo, as mais maliciosas simulam uma enfermidade para
assustar os pais e provocar-lhes manifestações de afeto. Essa tendência
pode prolongar-se ao adulto e explicar esse fenômeno estranho, quase
incompreensível à primeira vista, que se chama: a vontade da doença.
• Um estilo de vida um pouco rude convém mais do
que nunca às jovens gerações de hoje. Já se viu demasiado ao que leva
a educação macia. Os jovens aos quais nada faltou, aos quais se quis
evitar todo sofrimento, por mais leve que fosse, são incapazes de
sustentar um esforço quando chega a idade adulta.
É desde a mais tenra idade que se torna preciso
ajudar afetuosamente a criança a temperar a vontade, e isto se realiza com
naturalidade quando se trata do “estilo” da casa.
• Oração de uma mãe de família: Meu Deus, ajudai-me a dar uma educação
viril a meus filhos. A vida é uma coisa grave: a frivolidade, as
infantilidades não são a verdadeira felicidade.[5]
[1] Dr. Biot, “Amor compreensivo”, in La Croix (21 de junho de 1943).
[2] Oscar Wilde, De Profundis.
[3] M. Smith, “A educação do coração”, na revista Education (junho-julho de 1943).
[4] Mons. Düpanloup, De Éducation, tomo 1, pág. 56 (Ed. Gatineau).
[5] Elisabeth Charles, Journal d'une mère de famille, pág. 131 (Ed. Téquí).