segunda-feira, 23 de maio de 2016

7. CRIAR UM CLIMA DE AFETO VIRIL

Nota do blogue: Acompanhe esse especial AQUI.


7. CRIAR UM CLIMA DE AFETO VIRIL

A criança tem necessidade de muito afeto — não um afeto molemente dado, mas um afeto tão viril quanto terno.
• Na América, na Áustria, em certas creches, a pretexto de uma puericultura científica, chegara-se a proibir todo contato com os bebês. As enfermeiras, enluvadas e com máscaras afiveladas ao rosto, tratavam as crianças de acordo com os últimos princípios da luta contra os micróbios. Naturalmente, era proibido beijar. Os resultados quanto ao desenvolvimento psíquico das crianças foram desastrosos. Inquéritos comparativos feitos no seio de famílias pobres e mesmo miseráveis, que viviam sem higiene, com mães por vezes negligentes, revelaram um desenvolvimento afetivo mais satisfatório. Mesmo com amas medíocres, mas que guardavam contato humano com as crianças de peito, o desenvolvimento ulterior se efetuava em condições bem melhores.
• Sabe-se que uma das grandes fraquezas da Assistência Pública ou Social é a sua insuficiência no plano da sensibilidade. Grande número de associais e de crianças culpadas explica-se muito menos pela ausência de cuidados maternais ou pela insuficiência de educação intelectual, do que pelo ambiente efetivamente muito pobre, O estudo da infância delinquente aponta o fator primordial dos “sem-família” ou “pais separados”, implicando abandono afetivo da criança. O divórcio dos pais ou os novos casamentos, mergulhando a criança em conflitos sentimentais, têm geralmente as consequências mais graves para a alma infantil.
• O que as crianças mais temem é o isolamento e o abandono. Há pais que nunca dispõem de tempo para os filhos. Há crianças mimadas que não se sentem amadas.
• Há crianças acarinhadas, mimadas, aduladas, embonecadas, que, no fundo, não são amadas, quero dizer, amadas em si mesmas, pelo seu bem. Trata-se, então, de preferência de uma forma de egoísmo paterno ou materno, que se busca inconscientemente, que tende à sua própria satisfação.
O amor verdadeiro e salutar à criança inclui numerosos cuidados. Comporta na mãe, sobretudo, infinita ternura, muitas manifestações sensíveis, desde as palavrinhas de carinho até os beijos. Mas esses testemunhos externos são apenas o símbolo de uma realidade mais profunda e mais eficaz.
Para que o amor dos seus pais mereça plenamente o seu nome, é preciso que vá à pessoa moral da criança, que tenda ao seu bem. A marca sensível é aqui apenas um meio de chegar ao recesso do ser. E é sempre possível o perigo de que se confine nas aparências tão doces aos pais e às crianças.[1]
• É necessário que o pai tenha uma autoridade máscula, a um tempo calmo e imperiosa, que emane de sua força indiscutível e forneça à criança o ideal viril indispensável ao seu desenvolvimento.
A mãe, por outro lado, deve oferecer ao coração do filho uma ternura harmoniosa e serena, igualmente afastada da tirania e da idolatria, que não são mais do que desvios do amor maternal.
• A criança possui uma grande receptividade intuitiva. Mesmo que não saiba analisar-se, sua sensibilidade é aguda. Para seu equilíbrio, cumpre que possa libertar-se do que sente, exteriorizando-se de acordo com a sua natureza, exprimindo-se a seu modo, confiando-se com abandono. 
Repelir moralmente uma criança que vem confiar-se a vós ou vos fazer uma pergunta, é arriscar-se a feri-la, “bloqueá-la”, deformá-la.
• Quando uma criança está com a veia das confidências, não a interrompais: é a passagem da hora da graça...
• Não façais ironia com uma criança que não tenha idade para compreender a brincadeira. Pode levar a coisa a sério e por pouco não chegará a levá-la ao trágico.
• Quem quer que se julgue insuficientemente amado adota uma atitude de revolta e de ódio para com a sociedade.[2]
• As crianças têm necessidade de amor; seria cruel que a pretexto de educação viril, fossemos severos e duros para com elas.
Isto sucede, às vezes, quando uma geração reage contra os excessos da geração precedente: crianças mimadas de uma forma exagerada descobrem, quando chegam à idade adulta, as inconveniências dessa educação, e podem então ir demasiado longe num sentido inverso.
Mas as crianças educadas sem calor tornam-se frequentemente egoístas, porque, desiludidas em sua necessidade de afeto, adquirem o hábito de se concentrarem em si mesmas.
Opostamente, a ternura só tem valor se não cai no abuso. Para os meninos, sobretudo, as demonstrações excessivas constituem algo a evitar; elas preparam homens desarmados em face da vida, imaginando que todo mundo, a exemplo dos seus próximos, não lhes procura fazer mal.
A educação do coração cabe, acima de tudo, à mãe. Que ela não faça, contudo, vibrar com muita frequência a corda sensível, e evite dizer a todo propósito: “Se fizeres isto, vais magoar-me muito... não gostarei mais de ti, etc... ”
Essas ameaças têm efeitos diferentes, segundo as naturezas: certas crianças chegam rapidamente a não lhes prestar atenção, a não lhes dar importância alguma; os hipersensíveis, pelo contrário, correm o risco de levar tudo isso ao trágico e, assim, se desequilibrarem.[3]
• É normal que a criança tenha caprichos. O papel dos pais é levar o filho a dominá-los, afetuosamente, decerto, mas com firmeza. A verdadeira felicidade da criança está em jogo, porque se não aprendeu desde cedo a reprimir suas fantasias, depois será muito tarde, e ela se tornará vítima de sua abdicação.
• Para desabrochar harmoniosamente, a criança precisa sentir o afeto dos pais. É mesmo bom que esse afeto se manifeste mais ternamente, de tempos em tempos. Cumpre, todavia, evitar todo exagero, a exemplo de carinhos que não acabam mais ou beijos incessantes e apaixonados — o que representa o perigo de fazer nascer na criança uma necessidade mórbida de ternura.
• É preciso evitar as manifestações de uma compaixão exagerada em casos de simples “dodói” ou de queda sem gravidade.
Cai, sem se machucar, uma criança. Sorrindo, a educadora lhe diz: “Vejam só, Pedrinho fez: boom!” Pedrinho se levanta e responde num riso: “Boom!” Mas, se uma pessoa chegar e disser com ar de pena: “Oh, coitado do Pedrinho, está dodói imediatamente a criança começa a chorar.
• Há muitas maneiras de estragar uma criança: estraga-se o seu espírito pelo exagero impensado dos elogios. Estraga-se o seu caráter fazendo-lhe todas as vontades. Estraga-se o seu coração, ocupando-se excessivamente dela, adorando-a, idolatrando-a. Todas essas maneiras de estragar as crianças podem reduzir-se ao desenvolvimento de dois princípios funestos, fontes de Toda a perversidade humana: a languidez da vontade e o orgulho.[4]
• É preciso levar as crianças a reagir alegremente em face das dificuldades, a transpor as contrariedades sem disso dar a perceber, a se alegrar sem pensamento oculto em Todas as pequenas ocasiões de prazer, a tudo tomar, isto é, pessoas e coisas, pelo lado bom.
• O que constitui o calor de um lar é o clima criado pelos pais, em que todos os membros da família, pequenos e grandes, se esforçam para ser mutuamente semeadores de paz, de bom entendimento e de amor verdadeiro.
• Ocorre, por vezes, que ao adoecer a criança, a angústia legítima da família se transforma em múltiplas indulgências e mesmo numa tendência de ceder a todos os seus caprichos.
Deveis, por certo, proporcionar à criança os vossos cuidados mais afetuosos, mas evitai excessos de ternura que não deixam de constituir certo perigo. A doença pode tornar-se uma verdadeira ocasião de prazer. Já se verificou que crianças assim mimadas chegaram a desejar a doença. Por vezes, mesmo, as mais maliciosas simulam uma enfermidade para assustar os pais e provocar-lhes manifestações de afeto. Essa tendência pode prolongar-se ao adulto e explicar esse fenômeno estranho, quase incompreensível à primeira vista, que se chama: a vontade da doença.
• Um estilo de vida um pouco rude convém mais do que nunca às jovens gerações de hoje. Já se viu demasiado ao que leva a educação macia. Os jovens aos quais nada faltou, aos quais se quis evitar todo sofrimento, por mais leve que fosse, são incapazes de sustentar um esforço quando chega a idade adulta.
É desde a mais tenra idade que se torna preciso ajudar afetuosamente a criança a temperar a vontade, e isto se realiza com naturalidade quando se trata do “estilo” da casa.
• Oração de uma mãe de família: Meu Deus, ajudai-me a dar uma educação viril a meus filhos. A vida é uma coisa grave: a frivolidade, as infantilidades não são a verdadeira felicidade.[5]




[1] Dr. Biot, “Amor compreensivo”, in La Croix (21 de junho de 1943). 
[2] Oscar Wilde, De Profundis. 
[3] M. Smith, “A educação do coração”, na revista Education (junho-julho de 1943). 
[4] Mons. Düpanloup, De Éducation, tomo 1, pág. 56 (Ed. Gatineau). 
[5] Elisabeth Charles, Journal d'une mère de famille, pág. 131 (Ed. Téquí).