sábado, 14 de maio de 2016

4. PARTIR DO NASCIMENTO

Nota do blogue: Acompanhe esse especial AQUI.


4.     PARTIR DO NASCIMENTO

A íntima solidariedade que une a mãe ao filho, longe de desaparecer quando este vem ao mundo, perpetua-se ainda por muito tempo. Por isso é essencial que a própria mãe se encarregue da educação do filho e só se resigne a confiá-lo a outrem em casos de força maior.
• Nunca será demasiada a importância que se der às primeiras semanas. Desde o primeiro dia, uma luta silenciosa de domínio começa entre a mãe e o filho. Se cederdes à criança, tereis para sempre ao vosso lado um tiranozinho doméstico diante de quem tudo se deverá curvar, e que a seguir sofrerá cruelmente de um desejo de dominação insaciável, uma vez que não terá sempre junto de si a mãe dedicada e dócil.
• Sabei que a educação positiva da criança começa no dia do seu nascimento. Este é um axioma cuja evidência poucos pais admitem.
• Habitualmente, os pais “estragam” o garotinho, mimam-no e a ele se entregam sem pensar nas consequências, convictos de que o momento da educação chegará quando o filho começar a falar, o que o capacitará a compreender o que se lhe faz e diz. Mas, esse momento pode ser muito tardio para reparar os graves erros anteriormente cometidos. 
• É preciso condenar o costume ridículo de buscar a criança logo que começa a chorar, embalá-la, cantar-lhe cantigas, dançar com ela ao longo do quarto. Quanto mais “estragardes” a criança, tanto mais ela perturbará o vosso sono e vos privará do vosso repouso essencial.
Há sempre, em torno das jovens mães, tias e conselheiras que, diante do menor sinal de choro da criança, tocam alarma e opinam que ela tem fome, sente cólicas, não se sabe mais o quê. Não vos deixeis impressionar pelos gritos do bebê; se não está molhado, deixai-o gritar. [1]
• A criança é um fino “registrador", levado instintivamente a se tornar um tirano. Se percebe [2] que a casa inteira corre ao mais leve choro ou ao menor grito, aprende que possui um meio seguro de trazer os pais para junto de si. Bem cedo, Estes serão escravos de seus caprichos e de suas fantasias.
• Por outro lado, o bebê se firmará na idéia de que todo o mundo está a seu serviço e à sua disposição. Mais tarde, ser-lhe-á penoso desprender-se do seu egoísmo infantil.
• No começo, é bom que a mãe continue a educar o filho num clima de “nós”: “Vamos ser bonzinhos hoje... não vamos chorar... vamos buscar a chupetinha... Essa educação inicial agirá a exemplo da impregnação pela criança da vida interior da mãe, à espera de que a primeira tome posse, pouco a pouco, do seu eu consciente.
A educação — nunca é demais repetir — é a aprendizagem da liberdade, mas uma aprendizagem progressiva.
• Sede firmes desde o início. O choro das crianças abala penosamente o coração das mães e o sistema nervoso dos pais. Será talvez preciso “pisar” o vosso coração sensível, mas é para o verdadeiro bem do vosso filho. Sê-lo-á também para o vosso, porque, se cederdes, vos tornareis mais ou menos seu escravo, e no dia em que, tendo-o compreendido, quiserdes deixar de sê-lo, correreis o risco de serdes vencido ou de cortardes o mal com certa brutalidade, por nervosismo, determinando verdadeiro choque afetivo na criança.
• Não há serviço mais precioso a prestar à criança do que fazê-la experimentar uma realidade que se impõe. Há resistências que não cedem, que não suportam exceções, do mesmo modo que um muro intransponível não pode deslocar-se de um dia para outro.
• Tende um horário de mamadas. Segui-o estritamente, sem derrogação. Nisso, muitas mães são escravas dos filhos, alimentando-os a qualquer hora e sem se preocupar com as quantidades. Esses petizes não possuem ainda controle da razão ou da vontade. Neles, são os instintos, e nada mais do que os instintos, que falam mais alto. Mas, esses instintos criam hábitos de que poderão ser vítimas.
• Se o bebê chora, verificai se algum alfinete não o pica, mas, sobretudo, ficai nisso, não o acalenteis, não o tomeis nos braços.
Sede, nesse ponto, tão estrita à noite como durante o dia. Um bebê assim tratado tem todas as probabilidades de se tornar uma criança fácil de educar.
• Além dos cuidados necessários, ninguém toque no petiz, não o tome nos braços, não o acalente. Cuidado com as avós e tias! Não serão elas às vítimas das novas exigências que assim terão criado.
• A criança será posta no berço, quer chore ou não, e ao fim de algum tempo, consentirá nisso sem chorar, pois aprenderá que as suas cóleras não adiantam nada.
• Sobretudo, não acrediteis que é preciso embalar uma criança. Só adianta embalar as que a isso já se acostumaram; quanto às outras, a própria natureza agirá. O mesmo relativamente ao sono no escuro. Não há necessidade de lamparina ou de porta aberta. 
 • As crianças devem aprender a ficar sozinhas, a brincar sem companhia. Se a mãe ou a pessoa encarregada da vigilância se esforçam por encher-lhes todos os minutos, elas se habituam a distrair-se. Mais tarde, podem tornar-se desagradáveis tiranos.
Conheço crianças que se apoderam das mães desde a mais tenra idade, e as interpelam constantemente: “Mamãe, que devo fazer?” ou: “Mamãe, conte-me uma história, estou sem fazer nada!” Essas pobres crianças sofrerão duramente, em seguida, uma agitação contínua e o vazio do tempo torna-se para elas um problema de solução impossível.[3]
• É tão inútil acariciar a criança para acalmá-la como para lhe dar prazer. Não resta dúvida de que a excitabilidade da pele se veja assim aumentada pelas carícias. Uma exigência de carícias e de mimos pode subsistir durante a vida inteira.
• É pelo seu maternal e insubstituível sorriso, muito mais do que cedendo aos caprichos do filho, que a mãe lhe dá sua noção de amor.
• Exigir raciocínios do petiz é uma coisa que deve reduzir-se ao mínimo, pois a criança não se acha ainda na posse do seu pensamento lógico. Querer que ela raciocine muito cedo é como se quisessem que ela caminhasse aos seis meses de idade: corre-se o risco de torná-la enferma por toda a vida.
• Regular os automatismos da criança é um dos maiores serviços que podeis prestar-lhes, pois significa livrá-la para o futuro de entraves, preocupações, incertezas e inibições; facilitar-lhe o desenvolvimento moral e físico; ajudá-la a conquistar a verdadeira liberdade. A ordem e a regularidade são, nessa idade, quase tão indispensáveis quanto o amor.
• Todo o bebê é, antes de tudo, um psicólogo que julga o pai, a mãe, a “babá”, de acordo com os seus valores. Apalpa-os, e não descansa enquanto não tiver determinado os limites de seus poderes ou da liberdade que ele mesmo possui. Para esse fim, usa de todas as pequenas armas, notadamente as lágrimas ou as cóleras. Se os outros têm pena, temem convulsões, se depois de ralharem, ameaçarem, ou mesmo castigarem; se acabarem por ceder, a fim de terem sossego, o garotinho registrará todas essas deficiências e daí em diante baseará sobre elas a sua conduta, com admirável conhecimento do coração humano.
Isto é claro. É preciso que a criança, quando quiser ultrapassar os limites do razoável, bata com a cabecinha teimosa numa parede impiedosa. Ao terceiro “galo”, ela mesma escolherá ficar na gaiola. Quando crescer, ser-lhe-á explicado porque certas coisas podem ser feitas e outras não. Tendo adotado desde cedo — porque os pais foram bem avisados e fortes — o hábito de apenas fazer o que é permitido, a criança não terá, então, dificuldade alguma em ser livremente sábia...[4]
• Depende de vós, mães, que aos seis meses o vosso queridinho saiba ler: o livro em que ele aprenderá a discernir o que é preciso e o que não deve ser feito, é o vosso rosto com as diversas expressões que registrar. Sabeis o que dele quereis, e cada vez que a sua maneira de ser corresponde à vossa vontade — vosso olhar e vosso sorriso lhe dizem: “Está bem!” Quando esse bom sorriso e esse olhar de amor desaparecem, substituídos por uma expressão séria, a criança perceberá que há “algo mal feito”. Na vossa própria linguagem, se bem que não compreenda ainda as palavras, há um sentido que ela aprende. Um tom de zanga e um tom de carícia não são a mesma coisa para ela; as inflexões de vossa voz reforçam singularmente o alcance do vosso sorriso ou da vossa sisudez.[5]
• Não trateis nunca a criança como um brinquedo ou uma boneca. Ao fim de alguns meses, ela participa de tal modo dos brinquedos com os quais a distraímos, que somos tentados a fazê-la brincar para que nós mesmos nos divirtamos. Nesse momento, o adulto se arrisca a ultrapassar a medida. Não esqueçamos que o sistema nervoso da criança é frágil e pode bem depressa fatigar-se. Por outro lado, usam-se os recursos dos jogos de fisionomia que são a primeira linguagem pela qual a criança compreende o adulto.
• É um contra-senso constranger uma criança a repetir 20 vezes bom-dia à mesma pessoa, sob o pretexto de instruí-la ou para divertir as galerias. As crianças gostam de se conduzir como as pessoas grandes, mas detestam o papel de cães amestrados. Se não detestassem, seria mais perigoso ainda porque significaria que elas possuem alma de cabotino.
• Evitai falar ao vosso filho em linguagem de “bebê” ou em linguagem de “neguinho”, por mais enternecedor que isso pareça. É um mau serviço que lhe prestamos imitar o seu modo de exprimir-se. O benefício que lhe damos para o futuro é ensinar-lhe o pronunciar de maneira correta a língua materna e corrigir-lhe as frases defeituosas.
• Colecionai as palavras graciosas de vossos filhos, mas não as citeis jamais diante deles. É o que existe de pior para retirar da criança a frescura, de sua espontaneidade e levá-la a considerar-se fenômeno interessante.
• O papel do pai, nos primeiros anos de existência dos filhos, é, e certamente deve ser, mais apagado. Sem dúvida, ele pode manifestar aos filhos a sua nascente ternura: o homem é, em geral, pouco afoito a manifestar longamente tais sentimentos.
Que por vezes se ocupe dele para que se habituem ao seu contato e para que se habitue ao dele, é bom. Mas, que não procure usurpar prematuramente o papel da mãe, criando para si uma popularidade fácil. Não é, com efeito, o pai o elemento novo que as crianças vêem menos do que a mãe, e que pode, por isso mesmo, possuir atração particular? Que saiba, pois, apagar-se a cada instante, em face dos filhos, deixando que a mãe assuma a parte principal.
É, certamente, desejável que a forte autoridade que lhe é, eventualmente, conferida pela força física, o vigor de sua voz, possam às vezes apoiar a autoridade da mãe quando esta por fadiga se vê momentaneamente incapaz de ir sozinha até o fim de sua tarefa educativa. Mas que isto aconteça o menos possível, sobretudo diante dos que se encontram na primeira infância. A desproporção de forças cria o medo nas crianças. O medo é o inconsciente que se revela e é também a inibição das melhores faculdades. Não se educa (no sentido pleno) com o medo. Parece-nos infinitamente preferível que a autoridade paterna se exerça indiretamente sob a forma de uma plena aprovação das decisões maternas, pois as crianças são mestras consumadas na arte de encontrar uma brecha na autoridade, de criar discordâncias, senão contradições. Isto não deve ocorrer. Se o homem não concordar com sua mulher em tal ou qual caso, em face dos filhos, que o diga a ela a sós, explicando-lhe as razões. Isto pode ser muito útil: o homem que vê mais as coisas externas, que em geral também vê mais longe e mais amplamente, pode dar conselho útil à esposa sob o ponto de vista da educação; um conselho, dizemos, e não a amarga crítica que desencoraja, ou a estéril zombaria.
Que o pai evite as manifestações tonitruantes em que muitos encontram aparente satisfação ao seu papel educativo; ele não deve ser máquina e fabricar grandes observações, punições exemplares, toda essa aparelhagem dramática e nefasta à educação. Sua firme tranquilidade e a clareza de uma reprimenda valerão por vezes muito mais do que uma atitude barulhenta de pai zangado. Que nunca faça medo aos filhos. A violência dos gestos, a altitude extrema da voz, os olhares faiscantes são quase sempre manifestações de um enervamento passageiro e sem importância; sem importância para ele, adulto, mas que produz nos petizes repercussões inesperadas e desastrosas. [6]
• Compete a vós, mães, interessar vossos maridos na vida do pequenino. Longe de guardar com zelo para vós mesmas vossas descobertas e vossas intuições, revelai-as aos vossos esposos, fazei com que eles se debrucem sobre o despertar das faculdades dos filhos e todos os sinais de seu desenvolvimento. Vossa confiança mútua se beneficiará com o vosso esforço.
Nada fará melhor aumentar a confiança de um marido em relação à sua mulher do que sentir-se por ela ajudado a penetrar na intimidade secreta do serzinho todo feito de enigmas, ao qual, juntos, deram a vida.
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[1] Dr. Willhem Stekel, Lettres a une Mère, pág. 25 (N. R. F). 
[2] A criança não observa, no sentido usual. Mas associa confusamente, ou antes, não dissocia ainda suas ações das reações dos que a cercara: desde os primeiros dias, podem criar-se "blocos” a exemplo de “choros — chegada de mamãe — passeio”, ou “choros — chegada da vovó — chupeta”. Outra coisa não são do que reflexos condicionados desastradamente pelo adulto, tão mais difíceis de abolir quanto precoces. Donde a tirania de que os pais são autores de serem vítimas. 
[3] Dr. Stekei, op. cit, pág. 30. 
[4] Antoine Redier, Mes Garçons et vos Filles, pág. 36 (Grasset). 
[5] Mme. Gan, Comme f’élève mon Enfant, pág. 334 (Ed. Bloud et Gay). 
[6] Dr. Arthus, Comprendre pour mieux agir, pág. 237 (Ed. Susse).