4.
PARTIR
DO NASCIMENTO
A íntima solidariedade que une a mãe ao filho,
longe de desaparecer quando este vem ao mundo, perpetua-se ainda por muito
tempo. Por isso é essencial que a própria mãe se encarregue da educação do
filho e só se resigne a confiá-lo a outrem em casos de força maior.
• Nunca será demasiada a importância que se der às
primeiras semanas. Desde o primeiro dia, uma luta silenciosa de domínio
começa entre a mãe e o filho. Se cederdes à criança, tereis para sempre ao
vosso lado um tiranozinho doméstico diante de quem tudo se deverá curvar,
e que a seguir sofrerá cruelmente de um desejo de dominação insaciável,
uma vez que não terá sempre junto de si a mãe dedicada e dócil.
• Sabei que a educação positiva da criança começa
no dia do seu nascimento. Este é um axioma cuja evidência poucos pais
admitem.
• Habitualmente, os pais “estragam” o
garotinho, mimam-no e a ele se entregam sem pensar nas consequências, convictos
de que o momento da educação chegará quando o filho começar a falar, o que
o capacitará a compreender o que se lhe faz e diz. Mas, esse momento pode
ser muito tardio para reparar os graves erros anteriormente
cometidos.
• É preciso condenar o costume ridículo de
buscar a criança logo que começa a chorar, embalá-la, cantar-lhe cantigas,
dançar com ela ao longo do quarto. Quanto mais “estragardes” a criança,
tanto mais ela perturbará o vosso sono e vos privará do vosso repouso
essencial.
Há sempre, em torno das jovens mães, tias e
conselheiras que, diante do menor sinal de choro da criança, tocam alarma e
opinam que ela tem fome, sente cólicas, não se sabe mais o quê. Não vos deixeis impressionar
pelos gritos do bebê; se não está molhado, deixai-o gritar. [1]
• A criança é um fino “registrador",
levado instintivamente a se tornar um tirano. Se percebe [2] que a casa inteira corre
ao mais leve choro ou ao menor grito, aprende que possui um meio seguro de
trazer os pais para junto de si. Bem cedo, Estes serão escravos de seus
caprichos e de suas fantasias.
• Por outro lado, o bebê se firmará na idéia
de que todo o mundo está a seu serviço e à sua disposição. Mais
tarde, ser-lhe-á penoso desprender-se do seu egoísmo infantil.
• No começo, é bom que a mãe continue a educar o
filho num clima de “nós”: “Vamos ser bonzinhos hoje... não vamos
chorar... vamos buscar a chupetinha... Essa educação inicial agirá a exemplo da
impregnação pela criança da vida interior da mãe, à espera de que a
primeira tome posse, pouco a pouco, do seu eu consciente.
A educação — nunca é demais repetir — é a
aprendizagem da liberdade, mas uma aprendizagem progressiva.
• Sede firmes desde o início. O choro das
crianças abala penosamente o coração das mães e o sistema nervoso dos
pais. Será talvez preciso “pisar” o vosso coração sensível, mas é
para o verdadeiro bem do vosso filho. Sê-lo-á também para o vosso, porque,
se cederdes, vos tornareis mais ou menos seu escravo, e no dia em que,
tendo-o compreendido, quiserdes deixar de sê-lo, correreis o risco de
serdes vencido ou de cortardes o mal com certa brutalidade, por
nervosismo, determinando verdadeiro choque afetivo na criança.
• Não há serviço mais precioso a prestar à criança
do que fazê-la experimentar uma realidade que se impõe. Há resistências
que não cedem, que não suportam exceções, do mesmo modo que um muro
intransponível não pode deslocar-se de um dia para outro.
• Tende um horário de mamadas. Segui-o
estritamente, sem derrogação. Nisso, muitas mães são escravas dos
filhos, alimentando-os a qualquer hora e sem se preocupar com as quantidades.
Esses petizes não possuem ainda controle da razão ou da vontade. Neles,
são os instintos, e nada mais do que os instintos, que falam mais alto.
Mas, esses instintos criam hábitos de que poderão ser vítimas.
• Se o bebê chora, verificai se algum alfinete não
o pica, mas, sobretudo, ficai nisso, não o acalenteis, não o
tomeis nos braços.
Sede, nesse ponto, tão estrita à noite como
durante o dia. Um bebê assim tratado tem todas as probabilidades de
se tornar uma criança fácil de educar.
• Além dos cuidados necessários, ninguém toque no
petiz, não o tome nos braços, não o acalente. Cuidado com as avós e
tias! Não serão elas às vítimas das novas exigências que assim terão
criado.
• A criança será posta no berço, quer chore ou
não, e ao fim de algum tempo, consentirá nisso sem chorar,
pois aprenderá que as suas cóleras não adiantam nada.
• Sobretudo, não acrediteis que é preciso embalar
uma criança. Só adianta embalar as que a isso já se acostumaram; quanto às
outras, a própria natureza agirá. O mesmo relativamente ao sono no escuro.
Não há necessidade de lamparina ou de porta aberta.
• As crianças devem aprender a ficar
sozinhas, a brincar sem companhia. Se a mãe ou a pessoa encarregada da
vigilância se esforçam por encher-lhes todos os minutos, elas se habituam
a distrair-se. Mais tarde, podem tornar-se desagradáveis tiranos.
Conheço crianças que se apoderam das mães desde a
mais tenra idade, e as interpelam constantemente: “Mamãe, que devo fazer?”
ou: “Mamãe, conte-me uma história, estou sem fazer nada!” Essas
pobres crianças sofrerão duramente, em seguida, uma agitação contínua e
o vazio do tempo torna-se para elas um problema de solução impossível.[3]
• É tão inútil acariciar a criança para
acalmá-la como para lhe dar prazer. Não resta dúvida de que a
excitabilidade da pele se veja assim aumentada pelas carícias. Uma
exigência de carícias e de mimos pode subsistir durante a vida inteira.
• É pelo seu maternal e insubstituível
sorriso, muito mais do que cedendo aos caprichos do filho, que a mãe lhe
dá sua noção de amor.
• Exigir raciocínios do petiz é uma coisa que deve
reduzir-se ao mínimo, pois a criança não se acha ainda na posse do seu
pensamento lógico. Querer que ela raciocine muito cedo é como se quisessem
que ela caminhasse aos seis meses de idade: corre-se o risco de torná-la
enferma por toda a vida.
• Regular os automatismos da criança é um dos
maiores serviços que podeis prestar-lhes, pois significa livrá-la
para o futuro de entraves, preocupações, incertezas e
inibições; facilitar-lhe o desenvolvimento moral e físico; ajudá-la
a conquistar a verdadeira liberdade. A ordem e a regularidade são,
nessa idade, quase tão indispensáveis quanto o amor.
• Todo o bebê é, antes de tudo, um psicólogo que
julga o pai, a mãe, a “babá”, de acordo com os seus valores. Apalpa-os, e
não descansa enquanto não tiver determinado os limites de seus poderes ou
da liberdade que ele mesmo possui. Para esse fim, usa de todas as pequenas
armas, notadamente as lágrimas ou as cóleras. Se os outros têm pena, temem
convulsões, se depois de ralharem, ameaçarem, ou mesmo castigarem; se
acabarem por ceder, a fim de terem sossego, o garotinho registrará todas
essas deficiências e daí em diante baseará sobre elas a sua conduta, com
admirável conhecimento do coração humano.
Isto é claro. É preciso que a criança, quando
quiser ultrapassar os limites do razoável, bata com a cabecinha teimosa numa
parede impiedosa. Ao terceiro “galo”, ela mesma
escolherá ficar na gaiola. Quando crescer, ser-lhe-á explicado porque certas
coisas podem ser feitas e outras não. Tendo adotado desde cedo — porque os
pais foram bem avisados e fortes — o hábito de apenas fazer o que
é permitido, a criança não terá, então, dificuldade alguma em
ser livremente sábia...[4]
• Depende de vós, mães, que aos seis meses o vosso
queridinho saiba ler: o livro em que ele aprenderá a discernir o que é
preciso e o que não deve ser feito, é o vosso rosto com as diversas
expressões que registrar. Sabeis o que dele quereis, e cada vez que a sua
maneira de ser corresponde à vossa vontade — vosso olhar e vosso sorriso
lhe dizem: “Está bem!” Quando esse bom sorriso e esse olhar de
amor desaparecem, substituídos por uma expressão séria, a
criança perceberá que há “algo mal feito”. Na vossa própria
linguagem, se bem que não compreenda ainda as palavras, há um sentido
que ela aprende. Um tom de zanga e um tom de carícia não são a mesma coisa
para ela; as inflexões de vossa voz reforçam singularmente o alcance do
vosso sorriso ou da vossa sisudez.[5]
• Não trateis nunca a criança como um brinquedo ou
uma boneca. Ao fim de alguns meses, ela participa de tal modo dos
brinquedos com os quais a distraímos, que somos tentados a fazê-la brincar para
que nós mesmos nos divirtamos. Nesse momento, o
adulto se arrisca a ultrapassar a medida. Não esqueçamos que o
sistema nervoso da criança é frágil e pode bem depressa fatigar-se. Por
outro lado, usam-se os recursos dos jogos de fisionomia que são a primeira
linguagem pela qual a criança compreende o adulto.
• É um contra-senso constranger uma criança a repetir 20
vezes bom-dia à mesma pessoa, sob o pretexto de instruí-la ou para
divertir as galerias. As crianças gostam de se conduzir como as pessoas
grandes, mas detestam o papel de cães amestrados. Se não detestassem,
seria mais perigoso ainda porque significaria que elas possuem alma de
cabotino.
• Evitai falar ao vosso filho em linguagem de
“bebê” ou em linguagem de “neguinho”, por mais enternecedor que isso
pareça. É um mau serviço que lhe prestamos imitar o seu modo de
exprimir-se. O benefício que lhe damos para o futuro é ensinar-lhe o
pronunciar de maneira correta a língua materna e corrigir-lhe as frases
defeituosas.
• Colecionai as palavras graciosas de vossos
filhos, mas não as citeis jamais diante deles. É o que existe de
pior para retirar da criança a frescura, de sua espontaneidade e
levá-la a considerar-se fenômeno interessante.
• O papel do pai, nos primeiros anos de existência
dos filhos, é, e certamente deve ser, mais apagado. Sem dúvida, ele pode
manifestar aos filhos a sua nascente ternura: o homem é, em geral,
pouco afoito a manifestar longamente tais sentimentos.
Que por vezes se ocupe dele para que se habituem
ao seu contato e para que se habitue ao dele, é bom. Mas, que não procure usurpar prematuramente
o papel da mãe, criando para si uma popularidade fácil. Não é, com efeito,
o pai o elemento novo que as crianças vêem menos do que a mãe, e que pode,
por isso mesmo, possuir atração particular? Que saiba, pois, apagar-se a
cada instante, em face dos filhos, deixando que a mãe assuma a parte
principal.
É, certamente, desejável que a forte autoridade
que lhe é, eventualmente, conferida pela força física, o vigor de sua voz,
possam às vezes apoiar a autoridade da mãe quando esta por fadiga se vê
momentaneamente incapaz de ir sozinha até o fim de sua tarefa
educativa. Mas que isto aconteça o menos possível, sobretudo diante dos
que se encontram na primeira infância. A desproporção de forças cria
o medo nas crianças. O medo é o inconsciente que se revela e é
também a inibição das melhores faculdades. Não se educa (no sentido
pleno) com o medo. Parece-nos infinitamente preferível que a
autoridade paterna se exerça indiretamente sob a forma de uma plena
aprovação das decisões maternas, pois as crianças são mestras consumadas
na arte de encontrar uma brecha na autoridade, de criar
discordâncias, senão contradições. Isto não deve ocorrer. Se o homem não
concordar com sua mulher em tal ou qual caso, em face dos filhos, que o
diga a ela a sós, explicando-lhe as razões. Isto pode ser muito útil: o
homem que vê mais as coisas externas, que em geral também vê mais
longe e mais amplamente, pode dar conselho útil à esposa sob o ponto de
vista da educação; um conselho, dizemos, e não a amarga crítica que
desencoraja, ou a estéril zombaria.
Que o pai evite as manifestações tonitruantes em
que muitos encontram aparente satisfação ao seu papel educativo; ele não
deve ser máquina e fabricar grandes observações, punições exemplares,
toda essa aparelhagem dramática e nefasta à educação. Sua firme
tranquilidade e a clareza de uma reprimenda valerão por vezes muito
mais do que uma atitude barulhenta de pai zangado. Que nunca faça medo aos
filhos. A violência dos gestos, a altitude extrema da voz, os
olhares faiscantes são quase sempre manifestações de um enervamento
passageiro e sem importância; sem importância para ele, adulto, mas
que produz nos petizes repercussões inesperadas e desastrosas. [6]
• Compete a vós, mães, interessar vossos maridos
na vida do pequenino. Longe de guardar com zelo para vós mesmas vossas
descobertas e vossas intuições, revelai-as aos vossos esposos, fazei com
que eles se debrucem sobre o despertar das faculdades dos filhos e todos
os sinais de seu desenvolvimento. Vossa confiança mútua se beneficiará com o
vosso esforço.
Nada fará melhor aumentar a confiança de um marido
em relação à sua mulher do que sentir-se por ela ajudado a penetrar na
intimidade secreta do serzinho todo feito de enigmas, ao qual, juntos,
deram a vida.
______________________________
[1] Dr. Willhem Stekel, Lettres a une Mère, pág. 25 (N. R. F).
[2] A criança não observa, no sentido usual. Mas associa confusamente, ou antes, não dissocia ainda suas ações das reações dos que a cercara: desde os primeiros dias, podem criar-se "blocos” a exemplo de “choros — chegada de mamãe — passeio”, ou “choros — chegada da vovó — chupeta”. Outra coisa não são do que reflexos condicionados desastradamente pelo adulto, tão mais difíceis de abolir quanto precoces. Donde a tirania de que os pais são autores de serem vítimas.
[3] Dr. Stekei, op. cit, pág. 30.
[4] Antoine Redier, Mes Garçons et vos Filles, pág. 36 (Grasset).
[5] Mme. Gan, Comme f’élève mon Enfant, pág. 334 (Ed. Bloud et Gay).
[6] Dr. Arthus, Comprendre pour mieux agir, pág. 237 (Ed. Susse).