5.
CONHECER
E COMPREENDER A PSICOLOGIA DO VOSSO FILHO
Há um conhecimento da criança que é essencialmente
o fruto do amor, de um amor atento e desinteressado.
• Para conhecer uma criança é preciso viver
sua vida, comungar com ela por uma perpétua simpatia, sentir o
que ela sente, experimentar todas as suas disposições,
adivinhar todas as suas tendências, compreendê-la por dentro.
• A mamãe deve observar, deve procurar
compreender seu filho. Para isso muito a ajudará a intuição. Com
maior proveito ainda, ajudá-la-á um estudo elementar da psicologia,
ciência que realizou progressos consideráveis no curso do século atual, e
que não deve ser desdenhada.[1]
• Do nascimento aos 18 anos, as metamorfoses,
quer interiores, quer exteriores, se sucedem tão rapidamente que os pais
mal podem sintonizar a mesma onda com a realidade sempre nova e sempre
movediça que têm à sua frente.
O perigo de ilusão é considerável, porque todo erro
grave e repetido de psicologia se traduz na criança por uma concentração em si
mesma ou um desdobramento de sua personalidade. Seu “eu” superficial coloca uma
tela sobre o seu “eu” profundo. As falhas de desconfiança e de
incompreensão mútuas se alargam mesmo sob aparências conformistas que tranquilizam
e adormecem. Quantas pontes de neve ocultam fendas! Elas
apenas surgem escancaradas em certas horas de crise. Existem pais que
disso nunca se apercebem.
• Cada criança tem a sua
personalidade que a diferencia da de outra, seu gênio próprio,
sua missão insubstituível na terra, seu nome divino.
Ignorá-lo é arriscar-se a tratá-la como um número,
um ser anônimo, uma matéria banal a introduzir num mundo vago e em
contradição com o seu elemento vital, havendo o perigo de a esvaziar de
sua originalidade legítima ou produzir, com um choque de retorno, a explosão de
uma revolta, logo que as circunstâncias favoráveis restituírem a liberdade
às suas energias por longo tempo comprimidas.
• É sobretudo nos momentos em que a criança está
no seu melhor estado natural que se torna preciso observá-la: nos
seus brinquedos, à mesa, em meio a seus objetos familiares, quando deve
escolher alguma coisa, quando ouve uma história, quando se encontra em
companhia de camaradas...
Assim, descobrireis o guloso ou o egoísta sempre
primeiro a servir-se; o caprichoso que não pode brincar cinco minutos
consecutivos no mesmo jogo, o trapaceiro que busca fraudar a regra, o
chefe que tem iniciativa e sabe dirigir os outros, o mau caráter
que “manda tudo passear” por um nada, o rotineiro que faz
construções sempre semelhantes com os seus cubos, por falta de imaginação;
o espírito prático que não se deixa desconcertar por coisa alguma e acha
sempre o “fio” da meada; o sensível que chora ouvindo a história; o generoso
que consola ou que sabe ajudar.
• Para bem conhecer uma criança é preciso
manter contato e conversar com ela. Uma mãe nunca perde tempo
quando, à noite, permanece um pouco junto à cama do filho. É preciso saber
escutar as suas inúmeras perguntas sem enervar-se, dando-se ao trabalho de
responder a elas com carinho. Será esse o meio mais seguro de transmitir
muitas idéias, bem como o de manter o laço afetivo que condiciona a
confiança e o desabrochar do espírito.
•O importante é
lembrar-se que a criança não reage como uma pessoa adulta. Seu ritmo não é
o mesmo. Sua linguagem não tem matizes, seus centros de interesse são completamente
diversos. Nela as próprias palavras não despertam os mesmos conteúdos.
Donde mal-entendidos e diferenças de perspectiva. Sabê-lo é, em parte,
remediar o perigo.
• As crianças não julgam com o espírito de adulto.
Esta é uma lei elementar, mas a que todo educador deve estar sempre
atento. (A garotinha, diante de uma gravura de cristãos entregues aos
leões, exclamava, apontando uma das feras: “Veja esse leãozinho, coitado,
que não tem cristão para comer!”)
• A grande arte da educação consiste não somente
em pensar na criança, mas pensar com a criança, esforçando-se por
assimilar o que se passa na sua cabeça e no seu coração. Isto requer o
esquecimento de si mesmo, plasticidade, renúncia e, por conseguinte, muito amor
— mas é o segredo do êxito.
• Para que a criança se revele ao seu educador, é
preciso que ela possa ser o que é. Certas educações
demasiadamente estreitas só servem para martirizá-la, e podem mesmo
chegar ao aniquilamento de sua personalidade. Desconfiemos
das crianças excessivamente disciplinadas e comportadas, que vivem e agem
sob o império do terror!
• A imaginação da criança possui uma força de
amplificação que nada freia. As crianças podem passar horas organizando uma
segunda existência, entrelaçada à existência real, por elas povoada de
personagens com os quais se entretêm; vivem uma aventura que pode adquirir o
tom de uma autêntica epopéia. Há perigo quando esses sonhos constituem uma
fuga diante de uma educação demasiado severa ou demasiado estreita.
Com as crianças é preciso tomar cuidado para só
exigir esforços ao nível, atos à sua medida. Evitai forçar, ordenai os períodos
de repouso e de pausa, não estejais sempre “em cima” delas. Não desejeis que os
vossos filhos se tornem prodígios. Tende como ambição ajudá-los a se tornar
sólidos e equilibrados.
• Por intermédio de papai e mamãe, a criança está
ligada a toda uma cadeia de antepassados que lhe transmitem parcialmente — cada
um deles acrescentando uma modificação — o que receberam dos outros.
Mas, nunca vos deixeis tentar pela idéia de
procurar com quem a criança se parece. A criança é uma pessoa, com caráter
pessoal original. Os dados hereditários constituem conjunto de tendências
que nunca são absolutas ou necessárias. Liberdade e educação podem utilizá-las,
canalizá-las ou neutralizá-las.
[1]
Ler na coleção "Psychologie et Éducation" por Guy
Jacquin, Les grandes lignes de la
psychologie de l’Enfant (Ed. Fleurus).