domingo, 22 de maio de 2016

6. CRIAR UM CLIMA DE CONFIANÇA

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6.     CRIAR UM CLIMA DE CONFIANÇA

Ainda mais do que as observações diretas e pessoais, é o clima que os pais souberam criar em casa que mais profundamente modela a alma dos filhos.
• Uma atmosfera que se respira e que vos penetra insensivelmente: não será sobretudo isso que oxigena o vosso comportamento?
• Um clima de confiança facilita o desabrochar, o progresso, o esforço. A criança se sente desde cedo moralmente obrigada a fazer o melhor que puder.
• A desconfiança constrange, inibe; pior ainda, suscita por vezes o desejo de agir mal.
• Não é necessário que, por princípio, a família seja o lugar onde se repreende.
• A alegria de viver, fruto da certeza de ser compreendido e amado, desempenha um papel importante na vida da criança. Uma mãe nervosa, excitada, cheia de queixas, um pai casmurro, voltando à noite fatigado, sem achar nenhum prato a seu gosto, ralhando sem cessar, distribuindo sem proporção racional pancadas e castigos — nada como isso para fazer a criança voltar-se para dentro de si mesma, esperando a “evasão”.

É preciso que, à noite, o regresso do pai seja uma festa e não o acontecimento desagradável esperado ou aceito com filosofia.
• Seres podem viver lado a lado, amando-se muito, mas permanecendo estranhos, uns aos outros, a despeito disso.
• Um clima de confiança em que o filho possa exprimir-se livremente é tanto mais importante quanto são os primeiros conflitos afetivos que determinam os conflitos primordiais de caráter no adulto.
• Para fazer compreender a importância desses fenômenos da sensibilidade, que nos escapam porque são com frequência inconscientes, basta lembrar a imagem clássica da força originária das pressões. Nosso sistema nervoso é como se fora uma máquina que constantemente emite força nervosa, que em muitos casos não se pode exteriorizar livremente. Seja por interdições, recalque, impotência de exprimir-se, o indivíduo, desde a primeira infância, acumula em si uma certa pressão, porque a energia nervosa não exteriorizada não é suprimida em medida igual. Assim como o excesso de pressão provoca a ruptura de uma caldeira, a energia nervosa, que não pôde escapar pelas vias normais, procura outras saídas imprevistas e par vezes nocivas, mas que fazem baixar a pressão insuportável para o organismo. Tal é a origem de numerosas perturbações da sensibilidade e do caráter.
Ora, esses fenômenos são particularmente importantes na criança, muito mais do que o serão mais tarde no adulto. Ao contrário do que se acredita, a idade das grandes paixões, das grandes tensões afetivas não é a idade adulta. Sem dúvida, o adulto dispõe de uma potência nervosa superior, mas possui um “eu”, uma personalidade consciente bastante forte, uma inteligência formada que lhe permitem raciocinar e amortecer os choques. O adulto possui uma atividade e interesses variados que lhe permitem transferir ou deslocar a afetividade. A criança, ao contrário, é fraca e sem meios intelectuais para derivar suas emoções. Elas permanecem inconscientes na maior parte do tempo; são suportadas sem ser dominadas. Os interesses da criança são limitados: o pai, a mãe, às vezes os irmãos e as irmãs ou um professor. Do mesmo modo, seus primeiros sentimentos são absolutos, íntegros, ocupando todo o seu ser com uma força que não mais será reencontrada.
• Os adultos creem muitas vezes que os sentimentos da criança não têm grande importância; é muito pequeno para compreender — diz-se. Se com efeito ela não compreende sempre com clareza, contudo “sente” Todas as coisas com uma acuidade extraordinária, inclusive, por vezes, o que não lhe é abertamente expresso.
• As disputas dos pais diante de um bebê podem ter as maiores repercussões sobre o desenvolvimento afetivo de sua personalidade. Em análises psíquicas de adultos encontraram-se traços de cenas que tiveram lugar quando os interessados contavam apenas 18 meses, ou até menos. De tais fatos não haviam conservado qualquer lembrança consciente, tornando-se necessária a confirmação de pais ainda vivos para verificar a exatidão do que assim se registrara no cérebro da criança.
• É preciso que haja entre pais e filhos um contato afetivo em plena luz. Uma falta passageira de domínio é menos nefasta do que um constante recalque de afetividade natural cujo calor é indispensável ao desenvolvimento da sensibilidade da criança.
Não é mau que as cóleras sadias do pai se traduzam, por vezes, com alguma violência quando a criança já está bastante crescida. E sem chegar à justificação do emprego de pancada, digamos que quando um homem bate no rosto de seu filho há, pelo menos, entre ambos um comércio vivo e apaixonado. Sob tal aspecto, esse excesso é menos constrangedor, mais vivificante do que as punições requintadas infligidas pela pseudo-doçura. A desaprovação resignada ou dolorosa de alguns pais, as sanções frias do tipo intelectual, as chantagens à ternura são incomparavelmente mais nocivas do que a natural cólera paterna. O essencial é ser franco. De que valem os pequenos ardis e a lógica intelectual para as crianças? Elas são mais perspicazes do que muitos educadores. 
   •Se quereis conservar a confiança do vosso filho, guardai para vós as suas confidências e mesmo as perguntas que ele vos fizer. Se faltardes a essa lei de discrição, a criança acabará por percebê-lo mais cedo ou mais tarde. Talvez não o revele (seria muito melhor que o fizesse), mas sentir-se-á como traída, e, de qualquer modo, a sua confiança será abalada.
• É sempre preciso cumprir as promessas feitas às crianças, porque elas levam a sério tanto as vossas promessas como aa vossas ameaças, e quando percebem que e trata de palavras vazias de sentido, terão o sentimento de que não dais importância ao que dizeis. Sua dignidade será atingida com isso, bem como a sua confiança para convosco.
• As crianças nunca devem ser enganadas. A importância deste princípio merece ser acentuada, porque há mil maneiras de não ser verídico com uma criança. Dissimulamos-lhe sob artifícios várias coisas desagradáveis que cumpre, no entanto, introduzir em sua vida: a visita ao dentista é anunciada como um prazer; um remédio amargo é anunciado como saboroso. Tais subterfúgios têm as mais graves consequências. Em primeiro lugar, a criança não cairá nele duas vezes. O que se quis foi obter a calma, tornar fácil a prova dolorosa; ora, essa pedagogia de vistas curtas alerta a criança contra Toda a intervenção posterior. De futuro ela resistirá a qualquer injunção tranquilizadora, com medo de possíveis engodos. E o que é mais grave ainda: daí em diante, ela perderá a confiança da palavra daqueles nos quais estava pronta a acreditar cegamente, e nas horas difíceis nada mais a poderá tranquilizar. Não fizemos outra coisa senão instalar na criança essa disposição ansiosa, que é uma das mais perigosas, como se sabe, para o seu desenvolvimento interior. Os pais que assim prodigalizam mentiras piedosas com o propósito de atenuar as verdades desagradáveis, chegam a dar à criança a impressão de que uma espada de Dâmocles está continuamente suspensa sobre a sua cabeça e poderá se abater sobre eia de um momento para outro. 
   • Enfim — o que não é menos importante — a criança fica humilhada ao sentir-se tratada como um bebê, considerada como incapaz de receber e guardar a verdade. Conservará sempre em relação aos que a enganam algum ressentimento secreto.
• Contrariamente, ao homenzinho a quem se diz: “Isto não é muito bom, mas você vai engolir depressa, de uma só vez, como um menino ajuizado”. Ou ainda: “Não prometo que vai doer, mas se você não se mexer, acabará depressa”. Quem ouve essas palavras francas e fortes sente-se desde logo orgulhoso da confiança que lhe é testemunhada.
Qualquer apelo à altivez, ao heroísmo, é quase sempre entendido por uma criança, se feito com calma e simplicidade, sob o signo da verdade e da virilidade.
• Evitai enganar vossos filhos ou mesmo induzi-los a ilusões com motivos ou explicações infundadas e falaciosas, dados a torto e a direito, para vos tirar de um embaraço ou escapar de pedidos importunos. Se achais que não lhes deveis dar as verdadeiras razões de uma ordem ou de um fato, ser-vos-á mais fácil recorrer simplesmente à sua confiança em vós, ao seu amor por vós. Não falsifiqueis a verdade; pelo menos nada digais. Talvez não imagineis que perturbações e que crises podem nascer nessas almazinhas no dia em que lhes parecer que abusaram de sua natural credulidade.[1]
• Método seguro para conquistar a confiança de uma criança é levá-la sempre a sério. A criança não compreende a ironia, sente-se profundamente ferida — mesmo sem revelá-lo — pelo desprezo ou pelo desdém.
• A criança vê, e é normal, Todas as coisas sob o seu próprio ângulo naturalmente limitado. Emite reflexões infantis, por vezes engraçadas, por vezes ridículas. Nada de se extasiar com as primeiras ou divertir-se com as segundas. Cumpre recolocar as coisas em seus lugares com simplicidade e gentileza, e, sobretudo nunca dar a entender que estais colecionando palavras engraçadas ou erros.



[1] Sua Santidade Pio XII, Alocução, 1941 (Audiência a Jovens esposos).