6.
CRIAR
UM CLIMA DE CONFIANÇA
Ainda mais do que as observações diretas e pessoais,
é o clima que os pais souberam criar em casa que mais profundamente modela a
alma dos filhos.
• Uma atmosfera que se respira e que vos
penetra insensivelmente: não será sobretudo isso que oxigena o
vosso comportamento?
• Um clima de confiança facilita o desabrochar, o
progresso, o esforço. A criança se sente desde cedo moralmente obrigada a
fazer o melhor que puder.
• A desconfiança constrange, inibe; pior ainda,
suscita por vezes o desejo de agir mal.
• Não é necessário que, por princípio, a família
seja o lugar onde se repreende.
• A alegria de viver, fruto da certeza de ser
compreendido e amado, desempenha um papel importante na vida da criança.
Uma mãe nervosa, excitada, cheia de queixas, um pai casmurro, voltando à
noite fatigado, sem achar nenhum prato a seu gosto, ralhando sem cessar,
distribuindo sem proporção racional pancadas e castigos — nada como isso
para fazer a criança voltar-se para dentro de si mesma, esperando a
“evasão”.
É preciso que, à noite, o regresso do pai seja uma
festa e não o acontecimento desagradável esperado ou aceito com filosofia.
• Seres podem viver lado a lado, amando-se
muito, mas permanecendo estranhos, uns aos outros, a despeito disso.
• Um clima de confiança em que o filho possa
exprimir-se livremente é tanto mais importante quanto são os primeiros
conflitos afetivos que determinam os conflitos primordiais de caráter no
adulto.
• Para fazer compreender a importância desses
fenômenos da sensibilidade, que nos escapam porque são com
frequência inconscientes, basta lembrar a imagem clássica da força
originária das pressões. Nosso sistema nervoso é como se fora uma máquina
que constantemente emite força nervosa, que em muitos casos não se pode
exteriorizar livremente. Seja por interdições, recalque, impotência de
exprimir-se, o indivíduo, desde a primeira infância, acumula em si uma
certa pressão, porque a energia nervosa não exteriorizada não
é suprimida em medida igual. Assim como o excesso de pressão provoca
a ruptura de uma caldeira, a energia nervosa, que não pôde escapar pelas
vias normais, procura outras saídas imprevistas e par vezes nocivas, mas
que fazem baixar a pressão insuportável para o organismo. Tal é a origem
de numerosas perturbações da sensibilidade e do caráter.
Ora, esses fenômenos são particularmente
importantes na criança, muito mais do que o serão mais tarde no adulto. Ao
contrário do que se acredita, a idade das grandes paixões, das grandes
tensões afetivas não é a idade adulta. Sem dúvida, o adulto dispõe de uma
potência nervosa superior, mas possui um “eu”, uma personalidade
consciente bastante forte, uma inteligência formada que lhe permitem
raciocinar e amortecer os choques. O adulto possui uma atividade
e interesses variados que lhe permitem transferir ou deslocar a
afetividade. A criança, ao contrário, é fraca e sem meios intelectuais
para derivar suas emoções. Elas permanecem inconscientes na maior parte do
tempo; são suportadas sem ser dominadas. Os interesses da criança são
limitados: o pai, a mãe, às vezes os irmãos e as irmãs ou um professor. Do
mesmo modo, seus primeiros sentimentos são absolutos, íntegros, ocupando
todo o seu ser com uma força que não mais será reencontrada.
• Os adultos creem muitas vezes que os sentimentos
da criança não têm grande importância; é muito pequeno para compreender
— diz-se. Se com efeito ela não compreende sempre com clareza, contudo
“sente” Todas as coisas com uma acuidade extraordinária, inclusive, por vezes,
o que não lhe é abertamente expresso.
• As disputas dos pais diante de um bebê podem ter
as maiores repercussões sobre o desenvolvimento afetivo de
sua personalidade. Em análises psíquicas de adultos encontraram-se traços
de cenas que tiveram lugar quando os interessados contavam apenas 18 meses, ou
até menos. De tais fatos não haviam conservado qualquer lembrança
consciente, tornando-se necessária a confirmação de pais ainda
vivos para verificar a exatidão do que assim se registrara no cérebro
da criança.
• É preciso que haja entre pais e filhos um
contato afetivo em plena luz. Uma falta passageira de domínio é menos
nefasta do que um constante recalque de afetividade natural cujo calor é
indispensável ao desenvolvimento da sensibilidade da criança.
Não é mau que as cóleras sadias do pai se
traduzam, por vezes, com alguma violência quando a criança já
está bastante crescida. E sem chegar à justificação do emprego de
pancada, digamos que quando um homem bate no rosto de seu filho há, pelo
menos, entre ambos um comércio vivo e apaixonado. Sob tal aspecto, esse excesso
é menos constrangedor, mais vivificante do que as punições
requintadas infligidas pela pseudo-doçura. A desaprovação resignada
ou dolorosa de alguns pais, as sanções frias do tipo intelectual, as
chantagens à ternura são incomparavelmente mais nocivas do que a natural cólera
paterna. O essencial é ser franco. De que valem os pequenos ardis e a
lógica intelectual para as crianças? Elas são mais perspicazes do que
muitos educadores.
•Se quereis conservar a
confiança do vosso filho, guardai para vós as suas confidências e mesmo as
perguntas que ele vos fizer. Se faltardes a essa lei de discrição, a
criança acabará por percebê-lo mais cedo ou mais tarde. Talvez não o
revele (seria muito melhor que o fizesse), mas
sentir-se-á como traída, e, de qualquer modo, a sua confiança
será abalada.
• É sempre preciso cumprir as promessas
feitas às crianças, porque elas levam a sério tanto as vossas promessas
como aa vossas ameaças, e quando percebem que e trata de palavras
vazias de sentido, terão o sentimento de que não
dais importância ao que dizeis. Sua dignidade será atingida
com isso, bem como a sua confiança para convosco.
• As crianças nunca devem ser enganadas. A
importância deste princípio merece ser acentuada, porque há mil
maneiras de não ser verídico com uma criança. Dissimulamos-lhe
sob artifícios várias coisas desagradáveis que cumpre, no entanto,
introduzir em sua vida: a visita ao dentista é anunciada como um prazer;
um remédio amargo é anunciado como saboroso. Tais subterfúgios têm as mais
graves consequências. Em primeiro lugar, a criança não cairá nele duas vezes.
O que se quis foi obter a calma, tornar fácil a prova dolorosa; ora,
essa pedagogia de vistas curtas alerta a criança contra Toda a intervenção
posterior. De futuro ela resistirá a qualquer injunção tranquilizadora, com medo
de possíveis engodos. E o que é mais grave ainda: daí em diante, ela
perderá a confiança da palavra daqueles nos quais estava pronta
a acreditar cegamente, e nas horas difíceis nada mais a
poderá tranquilizar. Não fizemos outra coisa senão instalar
na criança essa disposição ansiosa, que é uma das mais perigosas, como se
sabe, para o seu desenvolvimento interior. Os pais que assim prodigalizam
mentiras piedosas com o propósito de atenuar as verdades desagradáveis,
chegam a dar à criança a impressão de que uma espada de Dâmocles está
continuamente suspensa sobre a sua cabeça e poderá se abater sobre eia de
um momento para outro.
• Enfim — o que não é menos
importante — a criança fica humilhada ao sentir-se tratada como um bebê,
considerada como incapaz de receber e guardar a verdade. Conservará sempre em
relação aos que a enganam algum ressentimento secreto.
• Contrariamente, ao homenzinho a quem se diz:
“Isto não é muito bom, mas você vai engolir depressa, de uma só vez,
como um menino ajuizado”. Ou ainda: “Não prometo que vai doer, mas se você
não se mexer, acabará depressa”. Quem ouve essas palavras francas e fortes
sente-se desde logo orgulhoso da confiança que lhe é testemunhada.
Qualquer apelo à altivez, ao heroísmo, é quase
sempre entendido por uma criança, se feito com calma e simplicidade, sob o
signo da verdade e da virilidade.
• Evitai enganar vossos filhos ou mesmo induzi-los
a ilusões com motivos ou explicações infundadas e falaciosas, dados a torto e
a direito, para vos tirar de um embaraço ou escapar de pedidos importunos.
Se achais que não lhes deveis dar as verdadeiras razões de uma ordem ou de
um fato, ser-vos-á mais fácil recorrer simplesmente à sua confiança em vós, ao
seu amor por vós. Não falsifiqueis a verdade; pelo menos nada digais.
Talvez não imagineis que perturbações e que crises podem nascer nessas
almazinhas no dia em que lhes parecer que abusaram de sua natural
credulidade.[1]
• Método seguro para conquistar a confiança
de uma criança é levá-la sempre a sério. A criança não compreende a
ironia, sente-se profundamente ferida — mesmo sem revelá-lo — pelo desprezo ou
pelo desdém.
• A criança vê, e é normal, Todas as coisas sob o
seu próprio ângulo naturalmente limitado. Emite reflexões infantis, por vezes
engraçadas, por vezes ridículas. Nada de se extasiar com as primeiras ou
divertir-se com as segundas. Cumpre recolocar as coisas em seus lugares
com simplicidade e gentileza, e, sobretudo nunca dar a entender que estais
colecionando palavras engraçadas ou erros.
[1]
Sua Santidade Pio XII, Alocução, 1941 (Audiência a Jovens esposos).