9. CONSERVAR
A CALMA E O DOMÍNIO DE SI MESMO
São precisos tanto mais calma e autodomínio em
educação quanto o ritmo da criança, é diferente do que assinala o adulto. Além
disso, perdida em seu sonho interior, a criança não compreende à primeira vista
o que dizeis. Se vossa voz é demasiado forte ou estridente, o seu aparelho
auditivo só registra sons destituídos de significação. Agitada, ralhada,
sacudida, a criança perde o pouco de controle que tem de si mesma,
afoba-se, torna-se desajeitada, tímida, medrosa. Se tais fatos se repetem com
freqüência, arrisca-se a adquirir o famoso complexo de inferioridade que
dela fará um vencido pela vida ou um revoltado.
• Quando a criança se aplica a fazer o melhor que
pode, convém deixá-la tanto quanto possível entregue ao seu tempo, que
normalmente é mais longo do que o do adulto, para todos os gestos cuja
execução exige uma coordenação e uma exatidão que não são inatas. Certos
psicólogos já notaram que os “Depressa! depressa! avia-te...” longe de
provocar a ação, complicam-na para quem deve cumpri-la, tornando-a de
qualquer modo “mais custosa”.
• Não é sempre fácil conservar a calma. Aos
numerosos cuidados pessoais que acabrunham os que têm encargo
de família se acrescentam a trepidação da vida moderna, o rápido desgaste
dos nervos, sobretudo quando a casa não dispõe mais do que de uma peça
precária ou insuficiente.
Todavia, cumpre a todo preço conservar vossa
calma. Obtereis dez vezes mais resultados com dispêndio dez vezes menor de
energia nervosa. O equilíbrio de vossos filhos, bem como a sua confiança
em relação a vós, acham-se em jogo.
• Para conservar vossa calma, persuadi-vos, antes
de tudo, de sua importância para vós e para os vossos filhos.
Quando vos sentirdes esgotados (e tanto quanto possível não
espereis por esse limite extremo), parai ao menos por três
minutos. Isolai-vos. Se puderdes, deitai-vos; abandonai-vos;
distendei vossos músculos; respirai três ou quatro vezes profundamente;
figurai como seríeis se estivésseis calmo; levantai-vos com um sorriso. É
fácil verificar que tudo irá muito melhor.
• Na maior parte do tempo, as crianças só enervam
porque estão enervadas.
• Salvo a hipótese de mau tempo, cuidai de que
vossos filhos tomem ar todos os dias e possam brincar
alegremente. Conservar uma criança o dia inteiro fechada num apartamento,
é conservar um leão na jaula, é pedir um esforço inumano.
• Não vos esqueçais de que a criança calca,
instintivamente, o seu comportamento sobre o que percebe no das pessoas
grandes. Se tentamos tranquilizar uma criança que nem sequer sonhou ter medo,
ou consolar uma outra que nem imaginou desesperar, criamos nós mesmos o medo ou
o desespero.
• Uma criança bate
com a cabeça e chora. Não se trata de mimá-la além das medidas. Não é caso
também de puni-la porque se machucou. O pai ou a mãe, irritados,
exclamam por vezes: “É bem feito!” justificando em seguida este
juízo: “Não devias correr... podias prestar mais atenção... se fizesses
o que te disse não te terias machucado!” Ralha-se com o pobre ente porque
se machucou, ou mais exatamente por se estar aborrecido com o fato de ele
se ter machucado. A vítima protesta, aliás, contra tanta incompreensão
por meio de berros cada vez mais agudos.
• Um amuado, um colérico vê-se sempre
desarmado pela calma dos que o cercam. Encerrado na sua própria
tolice, não pode decentemente desviar o seu rancor contra
ninguém. Não tem outro recurso senão pedir uma trégua honrosa.
Se, ao contrário, sente que os outros se exasperam
por sua causa, compreende mais ou menos conscientemente que atingiu os
fins e está pronto a recomeçar na primeira oportunidade.
• Não respondais à cólera com a cólera. Podeis
exigir que a criança se domine quando vós mesmos não sois
disso capazes? Ao contrário, em relação a uma tal criança dai prova
de uma calma redobrada. Bater não adianta nada.
• Assim como a calma impõe, o nervosismo
superexcita. Os gestos bruscos desconcertam a criança: para ela,
uma pessoa grande é, antes de tudo, alguém forte e calmo no domínio
de si mesmo. Vendo-a encolerizada a ponto de exceder-se, vendo-a enervada,
irritada e... irritante, seu respeito diminui e a autoridade perde a força.
• Genoveva (14 anos) não se entende muito bem
com a mãe, e, entre outras coisas, percebe que ela não consegue
dominar-se.
Por várias vezes, como sua mãe a esbofeteasse,
disse-lhe: “Bate, sei que isto te alivia os nervos!” A mãe via-se obrigada a
parar. Resultado: a mãe em questão não tem mais autoridade sobre a filha, a
quem não inspira qualquer dose de respeito.
• Já se definiu a calma como “a majestade da força”. Domínio
interior, que faz com que só se dê uma ordem importante depois de refletir e em
conhecimento de causa, e que permite julgar com maior imparcialidade o que
convém ao bem da criança. Domínio externo, transparência do
interno, que se lê na serenidade do rosto, do olhar, da atitude,
dos gestos, da linguagem.
• O humor uniforme, o equilíbrio no humor deve
presidir aos estudos dos pequenos como dos maiores. Não sacudais a criança, não
a cumuleis de ralhos, não a façais viver entre as tempestades e os
raios da impaciência. Não griteis a todo instante: “Nunca farás coisa
alguma! — Não prestas para nada! — Serás a vergonha da família!” Tempo e
vigor perdidos. Em vez de representar esse melodrama, repetir com doçura,
incansavelmente, o que a criança não compreendeu. Pois nunca se trata de
outra coisa. A criança diz absurdos quando não compreende ou não gosta do
que lhe ensinam.[1]
• Se nos dermos ao trabalho de vigiar
atentamente, o dia inteiro, nossas atitudes diversas em relação aos nossos
filhos, quantas reprimendas inúteis ou excessivas não chegaremos a descobrir? Quantas proibições
intempestivas, quanto barulho e quantos gritos... Como são barulhentas as
crianças do mesmo modo que os educadores! E dizer que os segundos fazem
barulho para impedir que as primeiras o façam!
Levantamos com muita frequência a voz e devemos
reconhecei que a maioria das frases que dirigimos aos nossos filhos no
transcurso de um dia são ditas em tom elevado, autoritário, irritado,
zangado, e que, afinal de contas, em 50% dos casos, poderíamos muito
bem haver calado ou falado calmamente.
Porque somos um metro mais altos do que as
crianças e devemos baixar os olhos para vê-las, elevamos a voz. Elas, porque
devem erguer os olhos para ver-nos, sentem-se impotentes e esmagadas.
Não nos debruçamos com bastante frequência sobre a
criança. Falamos-lhe do alto e de longe.
Se tiverdes uma observação a fazer ao vosso
garotinho, agachai-vos diante dele de modo a olhá-lo de perto e à mesma altura:
notareis que a vossa voz será muito mais doce. Vede o que acontecerá se
vos acenderdes de raiva nessa posição.[2]
• Não tendes o direito de perder o controle de vós
mesmos. Que jamais os nervos vos dominem. Não ofereçais às crianças o
vosso próprio espetáculo quando não fordes mais senhores de vós mesmos.
Não há nada como o nervosismo colérico para vos fazer perder o prestígio e
a autoridade.
• Para favorecer na criança a conquista do
corpo pelo espírito, o adulto não tem muita coisa a fazer. Dar-lhe um
pouco de espaço, deixá-la mexer-se, fornecer-lhe material para as suas
experiências. Mas o que acima de tudo lho deve ser dado é a
calma. Porque o ruído dissipa a fatiga. O silêncio favorece o esforço e
conduz ao recolhimento. Nada disso é difícil.
Logo que apreendeu a tarefa da criança, o adulto
toma espontaneamente uma atitude de respeito. Habitua-se a falar em voz baixa c
a contar as palavras. Evita intervir indiscretamente e impor-se. Não julga
mais; compartilha; vem em socorro.
É assim que, na grande obra que se realiza aos
olhos do adulto. Este não atribui a si mesmo mérito ou papel principal, mas
humildemente se aplica a secundar na criança os esforços de coordenação
que, ao tornar-se homem a criança, devem culminar finalmente no
triunfo do espírito.[3]
___________________
[1] R. Benjamin. Vérités sur l'Éducation, pág. 107 (Ed. Plon).
[2] Th. Van Beckhoudt. "Au niveau de l’Enfance”, na revista La Famille.
[3] Héléne Lubienska de Leval, na revista Éducation.