sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

A Igreja e seus mandamentos (Quarto Mandamento)

Nota do blogue: Acompanhe esse especial AQUI.

A Igreja e seus mandamentos
por
Monsenhor Henrique Magalhães
Editora Vozes, 1946

QUARTO MANDAMENTO
4 de Dezembro de 1949.

            Vamos hoje examinar o 4.° Mandamento: Jejuar e abster-se de carne, quando manda a Santa Madre Igreja.
            Jejum, segundo Vigouroux (Dictionnaire de la Bible), vem da expressão hebraica que quer dizer: afligir sua alma. Vemos nos livros da Bíblia, Levítico e Números (Lv 16, 21-31; 23, 27-32; Nm 29, 7) o seguinte: "No décimo dia do sétimo mês, isto é, na festa da Expiação, todo israelita deve afligir sua alma". Conclui-se daí também a antiguidade do jejum. Devemos dizer o mesmo quanto à abstinência, usada também pelos hebreus, embora, segundo esse mesmo autor, não tivesse sido prescrita para certos dias, como faz a Igreja, mas em caráter permanente, visando a temperança, a religião, a higiene e a completa separação dos povos vizinhos.
            Em o Novo Testamento vemos o célebre jejum de 40 dias e 40 noites, a que se entregou Jesus, antes de iniciar a Sua vida pública (Mt 4, 2; Mc 1, 13; Lc 4, 1). Era a grande lição que propunha aos que, no decorrer dos séculos, tivessem de fazer algo de grande na esfera do sobrenatural: prepararem-se pela penitência, pelo jejum, purificando a alma, pela aflição do corpo.
            E a lição eloquentíssima do Mestre ainda em nossos dias é seguida pelos que aspiram à perfeição. O Cardeal Roberto Belarmino, hoje Santo recentemente canonizado, costumava dizer: "Eu jejuo nas quartas, sextas e sábados. E é o mínimo que posso fazer para minha salvação. Pois aquele fariseu do Evangelho afirmava que jejuava dois dias na semana; e Jesus disse que se a nossa virtude não for maior do que a dos fariseus não nos salvaríamos; logo, para que eu me salve devo fazer o jejum três vezes na semana, isto é, ao menos uma vez mais do que os fariseus...”
            A origem do jejum da Quaresma data dos primeiros tempos do Cristianismo e não é sem fundamento que sua instituição se atribui aos apóstolos. Assim pensava São Jerônimo, quando escrevia a Marcelino (epístola 54): "Jejuamos durante quarenta dias, segundo a tradição apostólica".
            E São Leão exortava os fiéis (sermão 43), nestes termos: "Observe-se fielmente a tradição apostólica, nos 40 dias do jejum.”.
            Não foi realmente em vão que Jesus disse certa vez, quando censuravam a alegria dos Seus apóstolos: "Dias virão em que lhes será tirado o esposo; então eles hão de jejuar" (Mt 9, 15). E Esposo era o próprio Cristo.
            É fora de dúvida que esse preceito estava em vigor no tempo de Santo Agostinho. É o que se depreende desta sua frase no sermão 125: "Antes da Páscoa, jejuamos durante 40 dias." E no sermão 209, acrescenta: "São estes os santos dias que, ao aproximar-se a festa da Ressurreição, se celebram com louvável fervor em todo o universo".

            Quanto à abstinência, é também dos primórdios do Cristianismo. O Concílio de Toledo, havido no ano 653, decretou: "Aquele que durante a Quaresma ousar comer carne, seja excluído da comunhão da Páscoa, devendo abster-se de carne durante todo o ano, para purgar o seu pecado". O rigor de tão severa disciplina foi posteriormente mitigado.
            Ninguém ignora a importância do jejum e da abstinência como meio de conservar a saúde e combater certos males que não cedem a nenhum outro método terapêutico. Há casos em que o médico impõe: jejum, abstinência! E ou o doente se submete a esse rigor, ou morre. Agora digamos a verdade: é raro encontrar quem se submeta docilmente a um regime, principalmente se ele é algum tanto rigoroso... por isso é que vemos tanta rebeldia contra os jejuns e abstinências da Igreja, embora tão reduzidos e tão facilitados em nossos dias. O preceito que estamos estudando só pode fazer bem. E não só contribui para corrigir excessos do corpo, como também, pela mortificação, purifica e eleva admiravelmente a alma.
            Passemos agora à parte prática. A lei do jejum proíbe que se faça mais de uma refeição farta no dia; permite, entretanto, duas refeições módicas, uma de manhã, outra à noite, ou à tarde, a que se chama ordinariamente parva e consoada. Nada de sólido além destas três vezes, sendo que os líquidos não quebram o jejum. É claro que nesse rol de líquidos não entram os que têm força de alimento sólido, como leite, chocolate, etc. Permite-se o uso de ovos e lacticínios na consoada; na parva, só lacticínios. Assim, quem jejua, pode pela manhã tomar café com leite e uma porção módica de pão com manteiga. Observe-se que no jejum sem abstinência pode-se fazer uso de carne uma vez.
            São dias de jejum e abstinência em todo o território brasileiro: Quarta-feira de Cinzas e todas as sextas-feiras da Quaresma. Dias de jejum sem abstinência: as quartas-feiras da Quaresma, quinta-feira santa, e sexta-feira das têmporas do Advento. Dias de abstinência de carne sem jejum: As vésperas do Espírito Santo, Assunção, Todos os Santos e Natal.
            A obrigação da abstinência começa aos 7 anos e vai até à morte. A do jejum começa aos 21 anos completos e termina aos 60 começados. Eis a doutrina da Igreja, sobre o seu 4.° Mandamento.