sábado, 13 de abril de 2013

§ II. A inveja

 Nota do blogue: Acompanhe esse especial AQUI.
A Vida Espiritual explicada e comentada 
Adolph Tanquerey


            A inveja é, ao mesmo tempo, paixão e vício capital. Como pai­xão, é uma espécie de tristeza profunda que se experimenta na sensibili­dade à vista do bem que se observa nos outros; esta impressão é acom­panhada duma constrição do coração que lhe diminui a atividade e pro­duz um sentimento de angústia.
            Aqui ocupamo-nos, sobretudo da inveja, enquanto vício capital, e exporemos:

            1.° a sua natureza;
            2.° a sua malícia;
            3.° os seus remédios.

            1.° Natureza.

            A) A inveja é uma tendência a entristecer-se do bem de outrem, como se fosse um golpe vibrado à nossa superioridade. Muitas vezes é acompanhada do desejo de ver o próximo privado do bem que nos faz sombra.
            Nasce, pois, do orgulho este vício, que não pode tolerar superiores nem rivais. Quando um está convencido da própria superioridade, en­tristece-se, ao ver que outros são tão bem ou melhor dotados que ele, ou que ao menos alcançam maiores triunfos. Objeto da inveja são sobretu­do as qualidades brilhantes; contudo em homens sérios também o po­dem ser as qualidades sólidas e até a virtude.
            Manifesta-se este defeito pela mágoa que um sente, ao ouvir louvar os outros; e então procura-se atenuar esses elogios, criticando os que são louvados.

            B) Muitas vezes confunde-se a inveja com o ciúme; quando se distinguem, define-se este como um amor excessivo do seu próprio bem, acompanhado do temor de que nos seja arrebatado por outros. Este era, por exemplo, o primeiro do seu curso; notando os progressos dum con­discípulo, começa a ter-lhe ciúme, porque receia que ele lhe leve o pri­meiro lugar. Aquele possui a afeição dum amigo: começando a temer que ela lhe seja disputada por um rival, entra a ter ciúmes. Aquele outro tem uma numerosa clientela, e entra a recear que ela diminua por causa dum concorrente. Daí aquele ciúme que por vezes grassa entre profissi­onais artistas, literatos, e às vezes até sacerdotes. - Numa palavra, tem-se inveja do bem de outrem e ciúme do seu próprio bem.

            C) Há diferença entre a inveja e a emulação: esta é um sentimento louvável que nos leva a imitar, igualar, e, se possível for, a sobrepujar as qualidades dos outros, mas por meios leais.

            2.° Malícia. Pode-se estudar esta malícia em si e nos seus efeitos.


            A) Em si, é a inveja pecado mortal, de sua natureza, porque é direta­mente oposto à virtude da caridade, que exige nos regozijemos do bem dos outros. Quanto mais importante é o bem que se inveja, tanto mais grave é o pecado; e assim diz, Santo Tomás, ter inveja dos bens espirituais do próximo, entristecer-se dos seus progressos ou dos seus triunfos apostólicos é gravíssimo pecado. É visto verdade, quando estes movimentos de inveja são plenamente consentidos; muitas vezes, porém, não passam de impres­sões, ou sentimentos irrefletidos, ou ao menos pouco refletidos e voluntá­rios: neste último caso, não passa de venial a falta.

            B) Nos seus efeitos, é a inveja muitas vezes sobremaneira culpá­vel:

a)      Excita sentimentos de ódio: corre-se risco de odiar aqueles de que se tem inveja ou ciúme, e, por conseqüência, de falar mal deles, de os desacreditar, caluniar, ou de lhes desejar mal.
b)      Tende a semear divisões, não somente entre estranhos, mas até no seio das famílias (recorde-se a história de José), ou entre famílias aliadas; e estas divisões podem ir muito longe e criar inimizades e escân­dalos. É ela que por vezes divide os católicos duma região, com grandís­simo detrimento do bem da Igreja.
c)      Impele à conquista imoderada das riquezas e das honras: para sobrepujar aqueles a quem tem inveja, entrega-se o invejoso a excessos de trabalho, a manobras mais ou menos leais, em que se encontra com­prometida a honradez.
d)     Perturba a alma do invejoso: não há paz nem sossego, enquanto se não consegue eclipsar, dominar os próprios rivais; e, como é muito raro que se chegue a alcançá-los, vive-se em perpétuas angústias.

           3.º Remédios. São negativos ou positivos.

            A) Os meios negativos consistem:

a)      em desprezar os primeiros sentimentos de inveja ou ciúme que se levantam no coração, em os esmagar como coisa ignóbil, à maneira de quem esmaga um réptil venenoso;
b)      em divertir o pensamento para outra coisa qualquer; e, depois de restabelecido o sossego, refletir então que as qualidades do próximo não diminuem as nossas, antes nos são incentivo para as imitarmos.

            B) Entre os meios positivos, dois há mais importantes:

            a) O primeiro tira-se da nossa incorporação em Cristo: em virtude deste dogma, somos todos irmãos, todos membros do corpo místico que tem a Jesus por cabeça, e tanto as qualidades como os triunfos dum desses membros redundam sobre os demais; em vez, pois, de nos entristecermos, devemos antes regozijar-nos da superioridade dos nossos ir­mãos, segundo a bela doutrina de São Paulo, já que ele contribui para o bem comum e até mesmo para o nosso bem particular. Se são as virtu­des dos outros que invejamos, «em lugar de lhes termos inveja e ciúme por essas virtudes, o que muitas vezes sucede por sugestão do diabo e do amor próprio, devemos unir-nos ao Espírito Santo de Jesus Cristo no Santíssimo Sacramento, honraram nele o manancial destas virtudes e pedindo-lhe a graça de participar e comungar nelas; e vereis esta prática vos será útil e vantajosa».
            b) O segundo meio é cultivar a emulação, esse sentimento lou­vável e cristão, que nos leva a imitar e sobrepujar até, apoiando-nos na graça de Deus, as virtudes do próximo.
            Para ser boa e se distinguir da inveja, deve ser a emulação cristã:
1)      honesta no seu objeto, isto é, ter por objeto não os triunfos, senão as virtudes dos outros, para as imitar;
2)      nobre na sua intenção, não procurando triunfar dos outros, hu­milhá-los, dominá-los, senão tornar-se melhor, se é possível, para que Deus seja mais honrado e a Igreja mais respeitada;
3)      leal nos seus meios de ação, utilizando, para chegar os seus fins, não a intriga, a astúcia, ou qualquer outro processo ilícito, senão o es­forço, o trabalho, o bom uso dos dons divinos.
           
            Assim entendida, é a emulação remédio eficaz contra a inveja, por­que não fere em nada a caridade e é, ao mesmo tempo, um excelente estímulo. E na verdade, considerar como modelos os melhores dentre os nossos irmãos para os imitar, ou até mesmo para os sobrepujar, é, afinal, reconhecer a nossa imperfeição e querer dar-lhe remédio, aproveitando os exemplos dos que nos rodeiam. Não é, na realidade, aproximar-se do que fazia São Paulo, quando convidava os seus discípulos a ser seus imitadores como ele o era de Cristo: «Imitatores mei estote sicut et ego Christi», e seguir os conselhos que dava aos cristãos de se considera­rem mutuamente, para excitarem à caridade e às boas obras: «consideremus invicem in provocationem caritatis et bonorum operum?». E não é isto entrar no espírito da Igreja, que, propondo os Santos à nossa imitação, nos provoca a uma nobre e santa emulação? - Assim não será para nós a inveja senão uma ocasião de praticar a virtude.