terça-feira, 17 de novembro de 2009

Hipocrisia


Supõe-se geralmente que a melhor maneira de um indivíduo se tornar popular é dizer coisas que não sente, ou colocar um véu entre o pensamento e os lábios, ou ainda divorciar os pensamentos das ações. Os lábios pronunciam palavras doces, embora as mãos empunhem estiletes; as palavras são para os ouvidos e os estiletes para as costas do semelhante.

Psicologicamente, aqueles que são manifestamente fingidos, conhecem-se através de três processos: primeiro, apertam-nos as mãos quase até os cotovelos e chegam o seu rosto ao nosso, com um sorriso que parece dizer: "Veja como eu sou simpático!". Ou então, gritam a saudação num tom calculado, de maneira a substituir a sinceridade pela força da expressão. As crianças não têm esta duplicidade, porque são naturais, e a duplicidade é adquirida. Se a mãe recomendar ao menino que diga ao estranho que bate à porta "a mãe não está em casa", ele dirá pela certa: "a mãe manda dizer que não está em casa".

... O desenrolar do filme da hipocrisia implica a perda da simplicidade que conquista o céu. Há circunstâncias em que é realmente muito difícil exprimir um ponto de vista com sinceridade, sem se correr o risco de ser grosseiro ou desagradável. Isto sucede, por exemplo, ao marido a quem se pergunta se gosta do chapéu novo da sua mulher, ou se lhe agrada o penteado italiano que ela usa agora, e que a ele se lhe afigura macarrão emaranhado. As mulheres, ao verem qualquer coisa do que não gostam, mostram-se extasiadas e encobrem com elogios aquilo que realmente pensam.

Em idênticas circunstâncias, os homens exprimem-se geralmente por monossílabos, ou limitam-se a soltar uma espécie de grunhido, aliás expressivo.

... A lisonja é uma variante da hipocrisia e manifesta-se sob dois aspectos: adulação e intrujice. A primeira é a verdade envernizada , a segunda é a mentira sem polimento.

A adulação é a lisonja leve que agrada; a intrujice é a lisonja tão pesada que chega a tornar-se odiosa... A porção da lisonja que alguém possa empregar perante outrem, depende da exaltação que pretende conquistar para si próprio, ou da proporção em que deseja aquele que o escuta.

Raros são, porém, os indivíduos que conseguem revestir a lisonja de tal sobriedade que logren iludir e levar o lisonjeado a pedir: "Diga isso outra vez...".

... A falta de sinceridade menos grave é aquela que nos leva a prometer constantemente coisas que não tencionamos cumprir. Exemplifiquemos com este convite: "Venha jantar conosco qualquer dia". A resposta igualmente amável e falha de sinceridade, é esta: "Sim, irei qualquer dia". A falta de franqueza está na expressão indefinida "qualquer dia", e que realmente significa:"esperamos que não aceite".  Por sua vez, a resposta também quer dizer: "nem eu faço tenção de ir".

No extremo oposto destar formas de hipocrisia estão aquelas que implicam insulto, grosseria, desprezo, desdém, enormidades que se soltam pela boca foram, à conta de franqueza, candura e honestidade.
Estas gabam-se de que não receiam a opinião pública, nem tão pouco temem o que os outros possam pensar. Afirmam que procedem assim "para nosso bem", e são tão sinceros que não se importam de dizer aquilo que os nossos melhores amigos escondem.

Mal sabem eles que a sua prontidão para criticar não passa de uma máscara com que procuram encobrir a sua personalidade; receosos de que os outros apontem a sua fraqueza, mantêm-nos à distância., desencadeando o seu ataque venenoso.

Sinceros são aqueles que possuem um conjunto de virtudes igualmente honestas quando falam e quando escutam; que têm silêncio tão valioso como as palavras; que não são opacos como as cortinas, mas sim transparentes como vidros bem polidos. Estes falam, sabendo que algum dia hão-de ser julgados por Deus e obrigados a dar contas de todas as palavras vãs. Este conhecimento fá-los amar a Verdade e, porque a amam, são sempre amáveis e caritativos.

(Paz e espírito - Arcebispo Fulton J. Sheen)
PS: Grifos meus.