III
- EXERCÍCIO DA EDUCAÇÃO
Colaboradores de Deus, tendes sobre vossos filhos
uma autoridade que não se origina da Lei, nem do Estado, nem da Tradição,
mas no próprio Deus. Essa autoridade assumirá uma expressão diferente à
medida que a criança crescer; podeis mesmo delegá-la, mas não podeis
renunciar totalmente a ela enquanto a criança não atingir a idade adulta.
• É preciso sustentar com energia que fazer a
educação de um filho é necessariamente exercer sobre ele uma autoridade e
exigir-lhe que obedeça. E a criança a quem se deixasse “fazer tudo”, sob
pretexto de respeitar sua liberdade, correria o risco do tornar-se um ser
malfazejo contra o qual, depois, dever-se-ia empregar a força bruta como
defesa. Este seria o preço a pagar. E não temos de nos inquietar aqui em
saber se convém dizer que a natureza é boa ou se convém dizer que é má.
Verificamos apenas, como um fato, que as crianças não são espontaneamente
— e não se tornam sem que as ajudemos — o que devem ser. Em consequência
disso, dizemos ser necessário intervir em suas vidas.[1]
• Se Deus vos deu autoridade sobre os filhos, foi
para exercê-la visando ao seu maior bem e na medida desse
maior bem.
• Quereis que vossos filhos vos obedeçam?
Ensinai-lhes, desde a mais tenra idade, que uma ordem ou um desejo
de papai ou de mamãe não devem sofrer qualquer retardamento na
respectiva execução.
• Quando um filho pequeno não obedece, meditai que
a falta não é do filho, mas dos pais.
• Uma criança que se tiver habituado à primeira
injunção não terá sequer a ideia de que se possa desobedecer aos pais.
• Repetir duas vezes a mesma ordem é prova de
fraqueza e início de demissão de vossa autoridade.
• Há toda vantagem em que os pais afirmem desde
cedo a sua autoridade, notadamente a mãe que está em relação quase
contínua com os filhos. Ela não deixará, assim, que as suas ordens caiam
no esquecimento, nem os filhos lhe resistirão abertamente. Ela não
tolerará nunca na boca dos filhos palavras desagradáveis como “Eu quero”,
“Eu não quero”, ou “Não, não e não” — como as ouvi pronunciadas, de
uma feita, por um garotinho de dois anos cuja mãe ria... Que teria então
feito uma mãe consciente do seu papel de educadora? Teria posto em sua
frente o homenzinho revoltado e, em seguida, assumindo ar grave, tê-lo-ia
olhado com calma, mas tão fria, tão severa, tão diferente de sua ternura habitual,
que o jovem “delinquente” não tardaria em compreender. Nada impressiona mais
uma criança amorosa do que ver sua mãe, sempre boa e bonita aos seus olhos
extasiados, assumir uma fisionomia austera e conservá-la tanto tempo quanto
for necessário.
• Em pedagogia como em estratégia familiar, é
melhor travar uma batalha definitiva do que recomeçar incessantemente
escaramuças sem resultado.
• Se a coisa for grave e importante, cuidai de que
a criança obedeça logo sem murmurar, sem fazer caretas, sem
essas lentidões e escapatórias a que tantos pais deixam os filhos se
habituarem pouco a pouco, e que oferecem tantas dificuldades a vencer na idade
de 14 ou 15 anos. 51 da criança, mas de
qualquer maneira fazei com que ela vos obedeça.
• Na criança, a convicção de que nada levará os
pais à transigência possui uma eficácia calmante, muito maior do que
a esperança de fazê-los abdicar à força de bater com o pé.
• Mais impressionáveis do que os pais, as mamães
têm por vezes a tendência de modificar muito depressa as
ordens dadas. É preciso, entretanto, que as crianças não se apercebam que
as autorizações ou as recusas dependem de um capricho ou de uma crise de
humor.
• Querendo impor a vontade, quase todas as
mães, um dia ou outro, encontrarão resistência: evitem contá-lo
espalhafatosamente ao círculo mais ou menos extenso da família, dos
vizinhos e dos amigos. Quem já não ouviu frases como estas: “Vai ver que ele
não cede!... O que eu digo ou nada é a mesma coisa!... Aposto que nunca
viu uma cabeça dura como a dele...” A autoridade materna não ganhará
coisa alguma com tais recriminações. A criança sente às vezes uma
satisfação vaidosa em não obedecer, sobretudo quando vê que está sendo
olhada. Se teima, é para afirmar a si e aos outros a sua independência;
daí, exibir em público seus traços de desobediência, longe de humilhá-la serve
para lisonjeá-la, para fazer-lhe um pouco de “cartaz”.
É também importante que as mamães não julguem
fazer prova de autoridade afirmando a qualquer propósito que pretendem ser
obedecidas: “Saberei como dobrar-te... Vamos ver quem tem a última palavra...
Vais fazer o que te digo...” Essa espécie de fanfarronadas mal dissimula
a fraqueza de um poder mediocremente seguro de si mesmo.
• Caso verifiqueis que uma leve resistência
foi vencida, não deveis considerá-lo como um êxito pessoal obtido às
custas de um adversário: “Eu bem sabia que cederias afinal!... Não
penses que és mais forte do que eu!... Ora vejam só esse “mosquitinho” que
não quer ouvir nada... Cresce e aparece para fazer o que desejas!...”
É à criança que cabe gozar a vitória que tenha
obtido contra si mesma; não deve ser apoquentada, humilhada por haver
obedecido; ao contrário, deve encontrar na vossa aprovação afetuosa e na
satisfação de sua consciência a recompensa de sua docilidade e o encorajamento
a novos esforços.
• A eficácia de uma ordem depende menos do
motivo proposto do que da autoridade de quem ordena. A docilidade é filha
do respeito, que por sua vez se inspira na autoridade.
• Até a idade de dois anos, a obediência da
criança só pode ser passiva. Cabe à mãe esforçar-se para preparar a
do filho, formando nele bons automatismos e felizes associações que
farão nascer bons comportamentos.
• A partir dos três anos, ou mesmo antes, de
acordo com o desenvolvimento intelectual, a obediência deve começar
a ser ativa; mas uma coisa é certa: de um a sete anos, a criança
passa por três etapas de obediência: obedecer porque se quer — saber
obedecer porque é preciso — querer obedecer por necessidade e por interesse.
Aos sete anos, todo o subconsciente da criança deve estar ricamente
aparelhado com todos os seus automatismos físicos, intelectuais e
morais; ou por outras palavras, o jogo deve ter sido feito, e
bem feito.
[1] Labertonnière, Théorie de l’Éducation, pág. 23 (Ed. Libr. Philosophique J.
Vrin).