13. SER E PARECER UNIDOS
Um dos problemas mais graves da educação é o do
bom entendimento entre os educadores. A criança começa por desconcertar-se
quando se choca com a desinteligência entre os que têm por missão guiá-la.
Depois, tendo percebido a falha em que seu capricho possa infiltrar-se,
disso se aproveita ao máximo com enormes riscos para a sua formação.
• Se é verdade que os educadores em geral
(família, escola, clero) deveriam, no interesse da criança, assinalar positivamente
um mútuo acordo, o princípio é mais valioso ainda para o entendimento sem
fissura que deve existir entre papais e mamães, pois aqui se acrescenta um
elemento afetivo de alta voltagem, e todo sinal de dissensão entre os
pais reage dolorosamente no coração do filho, mesmo que aí encontre uma
vantagem imediata.
• Eis algumas regras vitais que os jovens
esposos jamais deveriam infringir:
1. Nunca discutiremos diante dos nossos
filhos. Se, como em todos os lares (é preciso ser realista), há momentos —
que esperamos sejam os mais raros e mais breves possíveis — em que nos
entendemos menos bem, buscaremos nos explicar a sós, nunca diante de
testemunhas.
3. Jamais nos contradiremos diante das crianças,
sobretudo a respeito delas.
4. Jamais um autorizará às
escondidas o que o outro proíbe.
5. Jamais
tomaremos um dos nossos filhos por confidente de nossos desgostos mútuos.
6. Jamais
faremos alusão aos defeitos e, com mais razão ainda, às faltas, um do outro.
7. Jamais um
dirá alguma coisa que venha a ser prejudicial ao respeito e ao afeto das
crianças relativamente a um ou a outro.
8. Jamais
diremos a uma criança: “Sobretudo não contes a mamãe!” ou “Não digas nada ao
papai!”
9. Teremos
positivamente o cuidado de reforçar a nossa autoridade mútua em todas as
circunstâncias.
•
Guardai-vos de deixar transpirar o menor sinal de desunião entre vós, a menor
divergência no modo de tratar vossos filhos; cedo, eles se aperceberão que
podem servir-se da autoridade da mãe contra a do pai, e vice-versa;
resistirão dificilmente à tentação de se aproveitarem dessa
disparidade para a satisfação de todas as suas fantasias.[1]
• O pai sem
a mãe ou a mãe sem o pai, quando ambos existem, é algo de deplorável. Das
duas autoridades, aquela que se abstém, ou que não se mostra senão para
lisonjear, amolecer, acariciar, torna-se desprezível para a criança,
fazendo-lhe a outra odiosa. Não há situação mais falsa e mais poderosa
para produzir inevitavelmente a criança “estragada”.
Por igual,
nunca pude ouvir — sem lamentá-los e corar por eles, e que ocorre todos os dias
— pais dizerem a uma criança: “Se não tiveres juízo, contarei a teu pai!”
ou o que é pior ainda: “Contarei à tua mãe!” Mas, quem sois, mãe ou pai
infelizes, que assim falais? Não recebestes de Deus nenhum direito,
nenhuma obrigação séria, nenhuma autoridade a exercer? Não sois mais do que
testemunha impotente, encarregada de dar conta do que se passa à vossa esposa
ou ao vosso marido? E que falsas e funestas noções introduzis na
alma dessa criança![2]
• O pai, às vezes, com um rápido olhar ou um dar
de ombros, pode reduzir a nada todo o esforço educativo da mãe junto
ao filho. Uma olhadela de cumplicidade ao filho a quem a mãe faz uma
censura justificada, e ei-lo seu aliado na luta contra a mãe; uma leve
carícia sobre a mão da garotinha no momento em que a mãe ralhar fortificará
tanto mais a criança contra as justas razões que a mãe lhe apresentar daí
em diante.
Uma menina de 14 anos dizia: “Quando quero ter ou
fazer alguma coisa, mamãe às vezes não quer. Papai está sempre comigo.
Somos dois contra um, o que significa que sou eu a vencedora.”
• Nada mais contra-indicado do que dizer a uma
criança: “Vou contar a papai, esta noite, como foste mau. Vai ver o
que te acontece...” Se aos olhos das crianças, fazeis passar o papai por
um bicho-papão, como quereis que ele possa ter a confiança e o afeto dos
filhos?
• A criança é um ser que tem necessidade, para se
desenvolver em todos os sentidos, de viver numa atmosfera de paz, de amor
e de serenidade. A segurança daí resultante é para ela condição de
desenvolvimento.
• Eis um fato que as estatísticas não cessam
de confirmar: a quase totalidade das crianças desequilibradas, associais
ou delinquentes, pertence a famílias em que o pai ou a mãe não vivem
em boa harmonia.
• Contradizer-se diante de uma criança a seu
respeito, é nela falsear a noção do bem e do mal, pois que para ela
— por isso mesmo criança — o que é bem é o que os pais permitem, e o que é
mal é o que proíbem. Não há nada como isso para desorientar uma
consciência infantil.
Nada mais ridículo e mais pernicioso do que
procurar tornar-se popular às custas de um ou de outro — um mimando, enquanto o
outro dá ordens ou castiga.
Nada mais artificioso ou mais
antipsicológico do que fazer perguntas como estas: “De quem gostas mais,
do papai ou da mamãe?... Quem é mais severo, papai ou mamãe?... " A
verdadeira resposta de uma criança normal num lar normal será esta: “Gosto
tanto de papai como da mamãe com todo o meu coração, e os dois gostam
igualmente de mim."
• Quando infelizmente a união de corações entre
pai e mãe não existe mais, é preciso ter a coragem de dissimulá-lo ao
máximo em benefício da criança. Dai-lhe tanto tempo quanto possível um lar
normal.
• Se a concepção da criança devo ser, no plano
divino, a consequência de uma união de amor entre os esposos, com mais
fortes razões essa união deve persistir durante os anos de formação. Ela
se torna cada vez mais necessária à medida que a criança cresce e
chega o estado de julgar os que a cercam. Se o fato de ser concebido
sem amor já constitui uma infelicidade, pelo menos a criança disso não
tem consciência. O mesmo não ocorre à medida que a sua
personalidade se desenvolve. A desunião dos pais se lhe vai afigurando
penosa na proporção em que dela toma consciência, e o resultado será o de
provocar em seus sentimentos psicoses de que será frequentemente
vítima durante o resto da vida.
Quando a criança respira no lar uma atmosfera de
indiferença e de frieza, sua alma resseca e se torna incapaz dos movimentos
generosos do coração. Fazendo nascer nela a nostalgia de um meio em que o
seu coração pudesse desabrochar na alegria, fixa-se numa disposição habitual de
hostilidade relativamente ao meio familiar. Quando à indiferença se junta
a hostilidade mútua dos pais, a revolta e a crueldade encontrarão na
criança um terreno já preparado. Porque seus pais disputam constantemente
em sua presença e a seu respeito, ela mostrar-se-á por seu turno hostil e
briguenta nas suas relações com o próximo.
Ao atingir a adolescência, tendo de enfrentar por
sua própria conta o problema do amor, o exemplo dos pais ser-lhe-á como
uma tela a lhe impedir a descoberta das leis mortais. Não podendo
imaginar que o verdadeiro amor possa diferir dos laços que unem os pais,
ver-se-á impelida à má conduta e procurará nos falsos amores as
alegrias de que a sua infância e adolescência foram privadas.
As consequências da desunião dos pais são de tal
ordem que quase sempre a elas devemos atribuir as faltas da infância culpada.
Há correlação estreita entre a multiplicação de divórcios, última
consequência da desunião dos pais, e os desvios de conduta da adolescência.[3]
• Que nos seja permitido insistir sobre o
entendimento que deve estabelecer-se entre os esposos quanto às atitudes a
tomar com relação aos filhos. Não somente, como é óbvio, eles não devem
exibir o espetáculo de seus desacordos, permitindo um o que o outro proíbe,
como devem buscar uma verdadeira colaboração, pondo em comum a
firmeza e a ternura para apreciar o que convém ao caráter de cada um
dos filhos. E se tomam uma determinação bem pensada em comum,
devem realizar essa união sagrada de esforços que constituirá a força
invencível de sua autoridade. As crianças não demoram em discernir
as divergências possíveis nas atitudes dos pais, e são notáveis
diplomatas para explorá-las cm benefício de seus próprios caprichos.
Decerto, pode às vezes ser penoso para o pai, que volta à casa após um dia
de trabalho, ou para a mãe que teve de cuidar da casa e dos
garotos, esquecerem a própria fadiga visando assegurar a “frente única”
da educação, em vez de se concentrarem em si mesmos ou de apenas
trocar queixas pessoais. Mas esse esquecimento de si mesmo é portador
de sua própria recompensa.
Nada mais apropriado para entreter o mútuo amor
dos esposos do que pôr em comum suas orações, suas preocupações, suas
observações, sua afeição paterna e materna. Assim, continuam a obra inaugurada
pela fundação do lar e pelo aceno à vida; colaboram na atividade criadora e
redentora de Deus e, ao mesmo tempo, se educam mutuamente. Trabalhando
para formar homens e cristãos, os pais encontram incessantemente na ajuda mútua
que lhes é imposta, caso consintam aceitar com um só coração a tarefa
comum, ocasião de se unirem mais estreitamente, com um amor mais
desinteressado, mais elevado e mais rico porque mais fecundo e mais
cristão, mais intimamente penetrado de caridade divina.[4]
• De passagem, um pequeno conselho: Mães, que
os vossos deveres maternais não vos façam jamais esquecer vossos deveres
de esposa. Pais, compreendei os cuidados de vossa mulher, o seu trabalho para
que tudo corra bem, as dificuldades que encontra; dai-lhe vosso apoio e
vosso estímulo.
• De quando em vez, reencontrai-vos fora de vossos
filhos. Refazei uma curta viagem de núpcias; ao menos um
passeio. Juntos, vosso amor reencontrará uma nova juventude para o
maior bem de vossos filhos.
[1]
Sua Santidade Pio XII, Alocução, 1941. Op. cit.
[2] Mons. Dupanloup, op. cit., tomo 2,
pág. 298.
[3] Pr. Viollet, L'Amour éducateur, Cahiers
de L’Association du mariage (mars, 1943).
[4] Mons. Brunhes, Lettre Pastorale sur l'Éducation (26
de fevereiro de 1944).