segunda-feira, 29 de julho de 2013

TRATADO DO DESÂNIMO - Parte II

Nota do blogue: Acompanhar esse especial AQUI.


TRATADO DO DESÂNIMO NAS VIAS DA PIEDADE
Obra póstuma do Padre J. Michel - 1952


FONTE E CAUSA DAS IMPRESSÕES QUE 
O DESÂNIMO PRODUZ NUMA ALMA CRISTÃ.

Por que é que o desânimo produz tão fortes e tão funestas impressões numa al­ma cristã? Ei-lo aqui. A alma está bem convencida da sua fraqueza, que amiudadas vezes ela experimenta: sente vivamente a dificuldade que tem em se vencer, coisa que lhe sucede raramente. Todo ocupada dessas idéias tristes e desalentadoras, de que tem pouca coragem, de que não faz nada para agradar a Deus, ela considera como coisa inútil recorrer ao Senhor, que, nesse estado, não deve escutá-la. Estranho efeito do orgulho do homem, que quereria dever a si mesmo o bem que faz e a felicidade a que aspira, contra esta palavra do Espírito Santo: Que tendes que não tenhais recebido?[1]

Essa alma, pois, não reflete, nem parece contar senão com as suas obras e com as suas próprias forças; de sorte que o seu desânimo diminui, cessa, volta ou aumenta, conforme ela age bem ou mal. Ela não pensa em que só e exclusivamente da misericórdia de Deus é que deve esperar socorro, e não dos seus próprios méritos; que, quando ela faz o bem, é pela graça de Deus que o faz, graça que ela não pôde merecer; e que, em qualquer estado, essa misericórdia lhe está aberta para obter essa graça.

Quando fazemos sentir a essas almas desanimadas que, a exemplo dos Santos, devem pôr toda a sua confiança em Deus, sem hesitar elas respondem não ser surpreendente que os Santos tivessem confiança em Deus, visto serem Santos, e servirem a Deus com fidelidade; mas que elas não têm as mesmas razões que os Santos para ter essa confiança perfeita. Não vêem que esse raciocínio é contra os princípios da Religião.

A Esperança é uma virtude teologal; o motivo dela só em Deus pode achar-se: essas almas fazem dela uma virtude humana, cujo motivo se acha no homem e nos seus costumes. Não; os Santos nunca esperaram em Deus porque eram fiéis a Deus; foram fiéis a Deus por haverem esperado n’Ele. Do contrário, o pecador jamais poderia formular um ato de Esperança: e, no entanto, é esse ato de esperança que o dispõe a voltar a Deus.

Notai bem que S. Paulo não diz: Obtive misericórdia porque fui fiel; mas diz: Obtive misericórdia a fim de ser fiel.[2] A misericórdia precede sempre o bem que fazemos: é ela que nos dá as graças que no-lo fazem praticar. Os santos nunca contaram com as suas obras para apoiarem a sua confiança em Deus: estavam por demais compenetrados desta lição que Jesus Cristo nos dá: Quando tiverdes feito tudo o que vos é mandado, dizei: Somos servos inúteis.[3] Quanto mais Santos eles eram, tanto mais humildes eram. A sua humildade não lhes deixava enxergar senão a perfeição a que ainda não haviam chegado. Bem distanciados dos sentimentos do Fariseu do Evangelho, eles não achavam nada em si que pudesse assegurar a sua confiança; mas procuravam e achavam no seio de Deus os fundamentos inabaláveis dela. Tais são os motivos que os sustentaram; tais devem ser os que vos animarão e que reanimarão a vossa fraqueza abatida. É importante que sejais instruídos sobre este ponto, para que não caiais novamente na armadilha que o demônio vos tem tantas vezes lançado.

Notas:
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[1] Quid autem habes quod non accepisti? (I Cor 4,7)
[2] Quanquam misericórdiam consecutus a Domino, ut sim fidelis (1 Cor 7, 15).
[3] Servi inutiles sumus: quod debuimus fácere, fecimus (Lc 17, 10).