domingo, 25 de setembro de 2016

19. A EDUCAÇÃO DO SENSO RELIGIOSO - 2.ª Parte

Nota do blogue: Acompanhe esse especial AQUI.


19. A EDUCAÇÃO DO SENSO RELIGIOSO
2.ª Parte

• A excelente revista L’anneau d'Or[1] interrogou um dia os seus leitores: “Como ajudar as crianças a fazer a descoberta da morte?” Dentre as respostas recebidas, destacamos estas duas experiências:
• A propósito da criança diante da morte, eis a experiência de minha infância, pelo menos no que concerne ao fato material da presença dos mortos. Todos o retardam indefinidamente sob o pretexto de não impressionar as crianças. A meu ver é um erro: o choque será muito mais violento quando o primeiro morto que elas virem for um ente querido.

Quando ainda éramos muito crianças, entre 6 a 7 anos, mamãe não hesitava em levar-nos para junto de alguém de suas relações que acabara de morrer e que nós, crianças, mal conhecíamos. Ela o fazia com toda a naturalidade: “O Sr. X. acaba de morrer. Sua alma está junto ao Bom Deus, ou talvez ainda no Purgatório. Vamos rezar perto do seu corpo, por ele e por sua família que está sofrendo.” E mamãe evitava acrescentar: “Não tens medo, não é verdade?” Ou outra sugestão inábil do mesmo gênero. De modo que bem cedo fomos habituados a olhar sem o menor receio, adormecidos na morte rostos que havíamos conhecido vivos.
De volta, mamãe aproveitava a ocasião para falar-nos sobre a vida e a morte de um cristão, de uma maneira muito simples, a propósito daquele que acabávamos de ver: ela nos contava como havia vivido e como se preparara para morrer. Fazíamos perguntas de crianças às quais ela nos respondia tranquilamente.
Mais tarde, quando Deus chamou para Si nossas avós, depois uma irmã e um irmão ternamente amados, nossa dor, embora grande, não se complicou com o terror nervoso que vi certos adultos sentirem nessas ocasiões.


“Mônica (7 anos) vai ser operada de apendicite. Eu queria que se, por acaso, ela morresse, sua morte fosse aceita. Disse-lhe:
— E que dizes, Mônica, se morresses na tua operação?
— Ora, eu estaria desmaiada (anestesiada), não pensaria em nada! E será que acabariam a operação se eu morresse no começo?
— Não, não valeria mais a pena.
— Oh, mas seria feio!
— Ora, te poriam um penso. Mas, dize, se morresses?
De repente, o rosto de Mônica se ilumina, ela imagina bem as coisas:
— Mas, mamãe, se eu morresse não seria nada mau, eu iria para o Céu!”

Disse isto com entusiasmo e num tom alegre. Em seguida, tomada de uma humildade sincera, inimitável, que fazia lembrar as palavras: “Se não vos tornardes semelhantes a esses pequeninos...” acrescentou com timidez: “Quer dizer... se Deus não achar que tenho muitos pecados! ”
Depois, retomando toda a sua segurança: "Mas, certamente, irei direta ao Céu se morrer na operação, porque não seria por minha culpa. Se foi o Bom Deus que me fez vir aqui, Ele me levará Consigo.”
E ao fim de um instante, pois tudo isto se passa enquanto se prepara o jantar: “Sim, seria bom ir para o Céu, mas penso que gostaria de ficar ainda um pouco contigo, mamãe... Mas, será como Deus quiser.”
E com essas palavras, ela vai aos pulos acabar de pôr os pratos.

• Será preciso, um dia, falar do demônio, pois é uma triste realidade. Mas, atenção, nada de dramatizar! Evitemos as imagens medievais ou as representações terrificantes de diabos com chifres, pés de cabra e caldeiras ferventes. Com isso, arriscar-nos-íamos simplesmente a falsear para sempre o equilíbrio do senso religioso da criança. Certo, o inferno eterno é uma verdade: Nosso Senhor afirmou-o com veemência no Evangelho. Mas, evitemos os pormenores que não se baseiam em qualquer fundamento, e que só servem para impressionar a imaginação, ao ponto de criar, em algumas crianças, verdadeiras fobias que se traduzirão, na puberdade, por crises de escrúpulos. Evitemos, sobretudo, ameaçar com o inferno as crianças por simples pecadilhos. Apresentemos a religião na sua luz verdadeira: uma calorosa vida de amizade com Deus que nos ama e nos chama a uma esplêndida obra de amor, cada um de nós tendo o dever insubstituível e a forma de serviço que somente Ele pode dar no grande conjunto cuja harmonia veremos à luz da eternidade.
• Quando a criança crescer, é preciso não hesitar em dar-lhe o sentido da comunidade cristã de que faz parte. Contar-lhe a história dos apóstolos, dos mártires e dos santos; a bela história, também, das missões[2]. Falar-lhe do Soberano Pontífice, do Bispo, e lhe inspirar pelo exemplo e pela palavra, em relação aos padres, um grande respeito pelo seu ministério sagrado. 
• Mostremos igualmente, por fatos e exemplos, como a fé cristã enobrece o ser humano: grandes homens, sábios, heróis cristãos.
• Inspirar à criança o orgulho de seu título de batizada, sem desprezo algum, é claro, pelas que não o são. Mas ensinar-lhe que pode, pela oração, pelo sacrifício e pela oferenda de suas menores ações, exercer uma influência feliz sobre o mundo inteiro: “Senhor, fazei com que todo o mundo vos ame!”[3].
• Advertir a criança de que não se espante se vir sombras, contradições, horas difíceis na história da Igreja. A barca de Pedro é frequentemente assaltada pela tempestade. Perseguições e abandonos foram, aliás, preditos. Mas o Cristo é o eterno Vencedor, é Ele que terá a última palavra.
• Além de uma fé pessoal tão ardente e luminosa quanto possível, munir a criança de uma boa bagagem de respostas apologéticas que lhe servirão de arma para qualquer ocasião.[4] Porque a criança que não sabe responder a uma objeção corre o risco de adquirir um complexo de inferioridade que, segundo os temperamentos, poderá agir em contrário sobre o sentimento do valor de sua religião. Sugerir-lhe, no caso em que não possa responder de imediato, que peça ao interlocutor para escrever a objeção formulada, a fim de que se informe a respeito com alguém de maior competência.
• Vossos filhos não estão ainda, talvez, na idade de seguir todos os mandamentos de “gestos cristãos”; não estão ainda obrigados, pela idade, à abstinência, à missa dominical, à comunhão pascal; mas, ter-lhes-eis dado as bases fundamentais da religião interior, sem a qual a outra do pouco vale: a alma de vossos filhos já está conquistada, no íntimo, pelo Cristo; só lhes resta, à medida que progredirem, desenvolver sua religião pelo exercício exterior sem essa má cicatriz que muitos cristãos conservam, separando a vida pessoal em cristianismo feito de lembrança.[5]
• A partir de que idade se deve levar as crianças à missa? Depende de cada uma delas e de um certo número de circunstâncias externas. O que é preciso evitar é que a criança não se aborreça na cerimônia ao ponto de detestá-la: não esqueçamos que uma presença prolongada, imóvel e silenciosa é contra a sua natureza. Mas, se os pais lhe explicarem, de modo adaptado à sua inteligência, a significação da missa, os gestos do padre, as diferentes partes do Santo Sacrifício, se guiarem sua oração, suas atitudes e intenções, a criança de 7 anos, ou mesmo de menos idade, pode assistir à missa com bons frutos.
• O ponto delicado é o do sermão. Confessemos: raros são os sermões compreensíveis para a mente infantil. De um modo geral, aliás, uma criança não é capaz de seguir o encadeamento de ideias de um discurso, antes da puberdade. Que deixar que ela faça durante esse tempo? Se não puder sair e tomar parte numa reunião especial para crianças, como se pratica em certas paróquias, o mais simples é dar-lhe um livro de gravuras religiosas que possa ocupar seu espírito e seu coração.
• A primeira confissão é um acontecimento capital na vida religiosa de uma criança. Cumpre ter em mente não apresentá-lo como algo capaz de assustar. Nada mais inábil do que dizer frases como a que segue: “Verás a penitência que o Padre vai te dar quanto te confessares!” É preciso, ao contrário, encorajar as crianças e ter confiança e insistir na alegria de receber o perdão do Bom Deus.
• O papel da mamãe deve permanecer muito discreto. Ela pode ajudar a criança a preparar o seu primeiro exame de consciência; mas, que não vá contar ao confessor, antes da confissão, os defeitos do filho “para ter certeza de que tudo será dito”. Deixe o confessor preencher a sua missão: tem graça de estado para isso.
• Não esqueçais também que o confessor está preso ao segredo sacramental, tanto para as crianças como para os adultos. Não lhe perguntar depois da confissão: “Que foi que meu filho disse?”
• Levai o respeito à consciência do vosso filho ao ponto de não interrogá-lo: “Que foi que te disse o Padre? Que penitência te deu, etc, ... ” Este é um campo em que é preciso ter reserva a todo custo. As crianças perderiam depressa a confiança nos seus confessores, como nos seus pais, se pudessem suspeitar, justa ou injustamente, uma combinação entre eles.
• Onde o entendimento com o padre é desejável é no que toca à primeira comunhão. Normalmente, a criança deveria poder comungar desde que fosse capaz de dar um testemunho correto de fé na Presença real. Certo deveis encorajá-la, com as vossas palavras, a que comungue; mas o importante é que vá espontaneamente à santa Mesa. Nunca intervir para impedir-lhe a comunhão a pretexto de que não se portou como devia: a comunhão é um remédio, não uma recompensa. 
• Buscai auxílio para essa tarefa de formação religiosa do vosso filho nos agrupamentos apropriados como a “Formação Cristã dos Pequeninos” ou a “Cruzada Eucarística”. Aí encontrará a criança, ao lado de uma graça específica própria desses movimentos aprovados pela Igreja, a força de uma comunidade cristã à sua medida e dimensão.



[1] L’anneau d'Or (set-out, 1951) (Ed, du Feu Nouveau, 9. rue Gustavé, Flaubert, Purts).
[2] Será bom agregar a criança à “Obra Pontifical da Santa Infância", que lhe estimulará o desejo de fé quanto às outras que ainda não conhecem Jesus. Prepará-la-á também na melhor compreensão das maiores responsabilidades de todo batizado.
[3] Dentre as histórias a contar-lhe é preciso fazer menção especial à de Santa Teresinha do Menino Jesus, e sobretudo, a tal respeito, da conversão que ela obteve, por suas orações e sacrifícios, do condenado Pranzlnl, no próprio instante de sua execução. Assim, à distância, pode-se obter qualquer graça sem mesmo conhecer os que a recebem.
[4] Eis, a título de exemplo, a resposta de um jovem aluno, verdadeiro “calouro" parisiense, a um “antigo” que não cessava de importuná-lo:
— Então, frequenta ainda os padres?
"— Perfeitamente! E por três motivos: primeiro, porque me agrada; segundo, porque é da minha conta; terceiro, porque não é da sua.”
[5] Mons. BRAULT, Bispo de Saint-Dié, Lettre Pastorale, 1951.