quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Fecundidade

Por um cartuxo anônimo
Intimidade com Deus



            O Filho de Deus libertou-nos. É a fé que nos confere esta liberdade, que só os filhos de Deus podem receber e de que eles vivem. Cristo não nos deixou apenas simples palavras: deixou-nos a certeza de que, se continuarmos unidos a Ele, seremos vencedores da Sua vitória divina. «Disse-vos estas coisas para que tenhais paz em mim. Haveis de ter aflições no mundo; mas tende confiança, eu venci o mundo» (João, XVI, 33).
            Entreguemo-nos a Ele na simplicidade do nosso coração: as ciladas e os venenos do século deixarão de ter poder sobre nós; se nos conservarmos simples, nada poderá abafar na nossa alma o sopro de Deus. Jesus venceu para sempre o espírito do mundo: quem se dá a Ele e se funde com Ele num só espírito, colhe desde já os frutos da Sua conquista. «Todo aquele que crê nele não será confundido» (Rom., X, 11).
            Nada somos e nada podemos por nós próprios; não merecemos a fé em Deus nem a fidelidade ao Seu amor; recebemos de graça os dons eternos assim como as dádivas de cada dia. A toda a hora e gratuitamente nos é dada a força para repelir o inimigo que quer opor-se à ação divina. É o Filho que opera em nós a nossa libertação; em nós e por nós, é Ele que quer ganhar as almas e glorificar o Pai. «Não fostes vós que me escolhestes, mas fui eu que vos escolhi a vós e vos destinei para que vades e deis fruto, e para que o vosso fruto permaneça» (João, XV, 16).
            Corresponderemos ao Seu amor se nos esforçarmos cada vez mais por dar esses frutos que Cristo nos promete. Para isso é necessário que a nossa vida seja toda ela animada pela fé e que esta fé seja em nós a fonte duma confiança ilimitada e duma vontade firme de obedecer à lei do amor. Crer em Deus de todo o coração e confiar nEle sem reservas, é o segredo do amor.
            O amor que nasce assim não é um enternecimento interesseiro por nós próprios, mas uma participação no amor infinito: a caridade quer abrir continuamente no homem novos espaços à vida divina, e o seu único cuidado é o de preparar a vinda de Cristo em todos os caminhos da criação. «Como o Pai me amou, assim eu vos amei. Permanecei no meu amor. Se observardes os meus preceitos, permanecereis no meu amor» (João, XV, 9-10).

            Esta é a condição para nos instalarmos na caridade de Cristo e sermos guardados por ela. «Porque observei as ordens de meu Pai, permaneço no seu amor» (João, XV, 10). E não receemos que esta vida seja estreita e limite, de qualquer modo, o horizonte do coração e do espírito. Pelo contrário, à medida que damos lugar a Deus e que a Sua caridade cresce na nossa alma, desaparecem as preocupações mesquinhas. Libertamo-nos simultaneamente do orgulho e do sentimento de inferioridade, que são duas formas, opostas só na aparência, do mesmo apego a nós próprios.
            A palavra de Jesus não põe entraves nenhuns nem origina nenhuma perturbação: pelo contrário, a confiança que ela faz nascer na nossa alma dilata-a e purifica-a. A alegria irradia de um coração cheio de amor, alegria que nos torna aptos para o trabalho e para o sacrifício, que nos dá iniciativa, constância e sinceridade, alegria que dá mais segurança aos juízos e fortalece o olhar, que abre a alma de par em par à compaixão, à simpatia, tornando-a capaz de ser útil ao próximo sempre que for necessário. Porque o amor é dádiva de si mesmo e vida para os outros: e a maior prova de amor é o sacrifício da nossa vida pelo ser amado. Foi o próprio Salvador que lhe imprimiu este caráter, para que reconheçamos o Seu amor, fonte e modelo do nosso. «O meu preceito é este: que vos ameis uns aos outros como eu vos amei. Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida pelos seus amigos» (João, XV, 12-13).
            O amor torna a alma audaciosa e pronta a agir, entusiasta do bem e apaixonada pela justiça. O valor e a dignidade do homem crescem à medida que se torna mais profunda a vida espiritual; a paz envolve numa espécie de atmosfera sobrenatural o homem inspirado por esse amor e derrama-se sobre aqueles que dele se aproximam. «A piedade é útil para tudo: contém a promessa da vida presente e da futura» (I Tim., IV, 8).
Com efeito, a vida interior assegura o equilíbrio das partes mais profundas do ser, cujos benefícios se fazem sentir na alma como no corpo. Os nossos deveres de estado, longe de sofrerem com isso, passam a ser cumpridos com uma facilidade nova, uma alegre consciência do seu valor, um cuidado mais delicado na sua perfeição. A vida da fé adapta-nos a todas as realidades: torna-nos prontos para o sacrifício, e torna-nos susceptíveis de saborear com gratidão todas as formas da alegria. «Deus criou estas coisas para que, com ação de graças, participem delas os fiéis e aqueles que conheceram a verdade. Porque tudo o que Deus criou é bom, e não é para desprezar nada do que se toma como ação de graças; porquanto é santificado pela palavra de Deus e pela oração» (I, Tim., IV, 3-5).
            Não é, pois, impossível que o homem se torne verdadeiramente semelhante a esta idéia divina, à imagem da qual foi criado cada um de nós. A amargura e a resignação egoísta que os anos deixam em muitas almas não entram na alma que vive da fé: a sua juventude é constantemente renovada pelo amor eterno.

«Bendiz, ó minha alma, o Senhor,
E todas as coisas que há dentro da mim bendigam
o Seu santo nome!
Bendiz, ó minha alma, o Senhor,
E não esqueças nenhum dos Seus benefícios!
É Ele que perdoa todas as tuas maldades,
E que sara todas as tuas enfermidades!
É Ele que resgata da morte a tua vida,
E que te coroa da Sua misericórdia e das Suas graças.
É Ele que sacia com seus bens o teu desejo:
Renovar-se-á, como a da águia, a tua mocidade.»
(Salmo II, 1-5)