sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

A Mãe segundo a vontade de Deus/ XIX- Da vanglória

Nota do blogue: Acompanhe esse especial AQUI

A Mãe segundo a vontade de Deus ou Deveres da Mãe Cristã para com os seus filhos, 
do célebre Padre J. Berthier, M.S
Edição de 1927


XIX- Da vanglória

A sede das honras é também um dos defeitos dominantes do nosso século. Uma mãe segundo a vontade de Deus fará notar a seus filhos o nada das glórias deste mundo, cujo brilho enganador fascina tantas almas; ensinar-lhes-á a amar um gênero de vida simples e modesto, e a contentar-se com a condição de seus pais, sem procurar ele­var-se à força de intrigas. «A senhora Acarie nada desprezava, para inspirar a humildade a seus filhos, porque ela considerava essa virtude, como o fun­damento da vida cristã. Posto que pertencessem a uma família nobre, nunca os tratava, nem deixava que os outros os tratassem, senão pelo nome do batismo.»

Por maior que fosse a vontade que os seus criados tivessem de lhe servir os filhos, ela queria muitas vezes, que estes se servissem a si próprios.

«Eu era muito orgulhosa, diz a sua filha mais velha; mas minha mãe obrigava-me aos serviços mais humilhantes da casa, para me corrigir, sabendo quanta era a repugnância, que para isso sentia, como era varrer uma escada, por onde todos subiam e desciam. E, tendo observado que eu procurava as horas, em que julgava que ninguém me poderia ver, e que até fechava a porta, para não poder ser vista, obrigou-me, para mortificar o meu orgulho, a varrer a escada diante de toda a gente.»

De todas as culpadas filhas do orgulho, a vai­dade é a que atualmente está mais espalhada em todas as classes da sociedade.

«Nada há pior entre as crianças, e nada mais as estraga e mais depressa, diz Mgr. Dupanloup, do que a vaidade. É preciso ensinar-lhes a desprezá-la. Pela minha parte, nunca permitiria, por exemplo, a ostentação dos relógios e das correntes de ouro; quanto aos perfumes e às pessoas que se perfumam, desprezava-as completamente. Alguém achará isto severo, mas é a severidade da experiência.» O ilustre prelado fala das crianças, em geral, mas é princi­palmente nas meninas que se deve combater a vai­dade. «Elas nascem, diz Fénelon, com um desejo violento de agradar; daí provém a sua conver­sação meiga e insinuante, daí provém o fato de tanto aspirarem à beleza, e a todas as graças exte­riores; um enfeite de cabeça, um laço de fita, a escolha de uma cor, o cabelo levantado ou caído, são para elas assuntos importantes. Aplicai-vos, pois, em fazer compreender às meninas, quanta honra provém de um bom comportamento, e de uma ver­dadeira capacidade, e que tudo isso é mais estimável que o que se tira dos cabelos e do vestido. Basta um pequeno número de anos, para transformar em feia, uma mulher que era formosa. A beleza é um bem frágil; diminui à medida que aumenta o número dos anos. Os lírios nem sempre estão floridos; e quando murcha a rosa, apenas resta a haste eriçada de espinhos. — «As pessoas, acrescenta Fénelon, que fazem derivar da beleza toda a sua glória, em breve se tornam ridículas; e o mais curioso é que, che­gando, sem darem por isso, a uma certa idade em que a beleza lhes desaparece, ainda estão encantadas de si próprias, quando toda a gente as acha feias. A verdadeira graça não depende de um adorno vão e afetado.» Nada agrada mais que o desprezo que se faz dos ornamentos, e é um belo adorno, não saber uma pessoa adornar-se. É verdadeiramente bela e amável, segundo afirma S. Jerônimo, a senhora que ignora e despreza a sua beleza, e que, apare­cendo em público, longe de descobrir o colo, vela pelo contrário, o rosto.

«Quererias, pode-se perguntar a uma menina, arriscar a tua alma, e a do teu próximo, para satis­fazeres a tua vaidade? Tem horror às nudezas do pescoço, e a todas as imodéstias; ainda mesmo que se cometessem estas faltas, sem ter em vista alguma paixão má, é pelo menos uma vaidade; é um desejo desenfreado de agradar. E convirá este cego desejo a uma alma cristã, que deve considerar como uma idolatria tudo o que desvia do amor do Criador e do respeito das criaturas? Mas que pretende a pessoa que procura agradar? Não é excitar as paixões? Pre­paras, então, um veneno sútil e mortal, derramá-lo sobre todos os espetadores, e julgas-te inocente!

«Não é verdade que uma menina arrisca tudo, tratando-se do sossego de sua vida, se desposa um homem vão, leviano e de mau comportamento? Logo é necessário esforçar-se por desposar um homem honrado, sério, de espírito sólido... mas para en­contrar um homem desses, é necessário ser modesta e nada deixar mostrar de frívolo e de desarrazoado. Qual é o homem ilustrado e honesto que quereria uma mulher vaidosa, e cuja virtude parece duvidosa a avaliar pelas exterioridades?» (Fénelon) Eis alguns exemplos que podeis adicionar aos que já conheceis. Santa Coleta, na sua infância, usava os vestidos, conforme a mãe lhos fazia, e se algum ornato ten­dia para a vaidade, envergonhava-se, e era um tormento, ir assim para o meio das suas compa­nheiras. Quando lhe davam a liberdade de esco­lher, preferia tudo quanto havia de mais simples, e gostava das cores menos vivas, para não dar tanto na vista (Vida de Santa Coleta).

M. de Goudren, que foi mais tarde superior do Oratório, apenas tinha cinco anos, quando o pai mandou tirar-lhe o retrato. Todos admiravam a obra; só o pobre pequeno não estava satisfeito. Não podia ver, sem dor, que se admirasse outra coisa, que não fosse a bondade divina. Chegou a tanto a sua dor, que resolveu despedaçar o retrato. Pegou num pau, para o deitar abaixo, mas como estava muito alto, não lhe pôde chegar. Então, sem dizer nada a ninguém, pegou em flechas, fechou-se na sala em que o retrato estava exposto, e furou-o, até o tornar irreconhecível. «Custava-me, dizia ele mais tarde, que elogiassem a minha beleza, quando Deus imprimia na minha alma um grande horror por tudo quanto fosse vaidade» (Em sua vida pelo Abade Pin).

«Nunca consintais, no exterior das meninas, coisa alguma que exceda a sua condição, diz o imor­tal arcebispo de Cambrai; repreendei severamente todas as suas fantasias; mostrai-lhes a que perigos se expõem, e quanto se fazem desprezar das pes­soas sensatas, esquecendo aquilo que são. Todavia, se conservardes vossa filha em muito inferior estado ao das outras meninas da sua idade e condição, correreis o risco de a afastardes de vós. Poderia apai­xonar-se pelo que não poderia ter, e que admiraria nas outras. Em breve se faria senhora sua, para dar asas à sua vaidade. Melhor a contentareis procurando um meio termo, que será sempre aprovado das pes­soas sensatas e estimáveis. O que é essencial é que não procurareis nenhuma das imodéstias que são indignas do Cristianismo» (Fénelon).

A senhora de Chantal não se cansava de elogiar aos filhos a simplicidade e a modéstia, essas belas companheiras da beleza; ensinava-os a serem sérios, a estimarem as pessoas, segundo as suas qualida­des, e não segundo a roupa que vestiam; a zomba­rem das modas absurdas que variam incessante­mente e que são a causa de tantas despesas, e a ocasião de tantos pecados. E era tanto mais fácil essa tarefa à santa baronesa de Chantal, que nunca fora escrava da moda, o que não impedira que obti­vesse os mais brilhantes triunfos no mundo (O abade Bougaud).

Muitas vezes a precoce inteligência das crianças e as suas qualidades morais fazem-nas cair na vai­dade. Ó mães, sede vigilantes, diz Mgr. Dupanloup, porque quanto mais pródiga foi a natureza, na criança que educais, tanto mais deveis recear que o orgulho a não deprave. Os primeiros ditos espiri­tuosos de uma criança têm tão sincera graça, que todos a querem ouvir falar muito, mesmo até, diz Fénelon, das coisas de que não têem conhecimen­tos distintos; fica-lhes para sempre o costume de falarem com precipitação, (e sem reserva), e de di­zerem coisas, de que não têm idéia suficientemente clara. Vendo-se objeto da admiração de todos, aca­bam por acreditar, que tudo nelas é maravilhoso e extraordinário. É preciso, pois, que fiquem cientes, de que são mais apreciadas quando mostram dúvi­das, do que quando elas próprias decidem alguma questão.

A segunda filha da senhora Acarie, que sempre teve um grande bom senso, dizia coisas muito razoáveis, desde a sua primeira infância. Para destruir toda a semente do amor próprio, que teria podido germinar no coração desta criança, fingia a mãe umas vezes que não a ouvia, outras vezes mandava-a calar. Uma sabedoria precoce, dizia ela, desaparece de ordi­nário tão depressa, como vem.

«Quando mesmo pudésseis adiantar muito o es­pírito duma criança, sem o oprimir, diz Fénelon, deveríeis recear fazê-lo, porque o perigo da vaidade e da presunção é sempre maior que o fruto destas educações prematuras que tanto barulho fazem».

Recomenda o mesmo ilustre prelado que não se felicitem muito as crianças a quem nada há que repreender, porque «engrandecendo o seu amor pró­prio, fazeis com que ele se fortifique, e à primeira contradição, pode explodir. Não hesitamos até em dizer, que falta alguma coisa a uma educação, quando nada há a censurar às crianças».

Virgínia Bruni punha tudo em movimento, para reprimir nos filhos os primeiros movimentos de orgulho. Mal notava que um deles preferia, por vai­dade, um trajo a outro, repreendia-o severamente, e nunca lhe fazia a vontade. As roupas, dizia ela, novas ou velhas, não são mais do que andrajos que cobrem um cadáver. O único traje verdadeiramente belo e precioso, de que se deve ter a santa vaidade de estar revestido diante do Senhor, é o da inocência e da virtude. E nunca deixava de ligar, aos próprios objetos, que lhes dava para trazer como ornamentos, uma idéia religiosa, para lhe afastar todo o vão deleite.

Eis um exemplo: Tendo um dia colocado ao pes­coço da sua filha mais nova uma cruz de valor, dis­se-lhe:— «Esta cruz é uma recordação de Jesus Cristo, que consente pertencer-te, para que te recor­des sem cessar, que deves ser Sua esposa.» Se as filhas proferiam palavras, que mesmo longinquamente parecessem produzidas pela presunção ou pelo orgu­lho, dizia-lhes energicamente, para as humilhar: «Vede estes grandes mendigos que julgam serem mais que os outros! Não vos acabareis de capacitar que nada mais sois que os pobres cobertos de farra­pos, que nada possuís, e que o vestuário e a alimen­tação os deveis à Providência de Deus e à caridade de vossos avós! É preciso pois que vos humilheis, diante de toda a gente.» E nos seus últimos momen­tos, não cessava de dar instruções particulares a sua irmã, sobre o modo de corrigir seus filhos do defeito da vaidade.

Se alguém os acariciava ou louvava, na sua pre­sença, Virgínia testemunhava a mais viva contrarie­dade, e tanto pelo gesto como pelo olhar, convidava essa pessoa a abster-se disso. E depois, para atenuar o mau efeito do louvor, acrescentava: — «Não liguem importância ao que estão ouvindo dizer. Se lhes falam assim, é por mero cumprimento, é porque toda essa gente ignora que os meninos não são suportados na casa de seu avô, senão por efeito da vontade e da misericórdia de Deus.»

Possam os conselhos e os exemplos, que acaba­mos de dar às nossas leitoras, ser mais úteis para algumas mães, aliás cristãs, que, cegas pela sua ter­nura, não se cansam de admirar as graças e as qua­lidades que descobrem em seus filhos, através do prisma da sua ilusão. Para elas, não é suficiente dizer a seus filhos que são belos, perfeitos, encantadores; querem que todos lhes digam a mesma coisa, e ai de quem lhes notar algum defeito, ou lhes dirigir alguma censura!... Protegidos pela mãe, como lhes não há de crescer o orgulho e a vaidade? E eis a razão, por que se tornam presunçosos, altivos, egoístas e talvez viciosos; porque, segundo afirma o Espírito Santo, todas as desordens têm a sua origem no orgulho.