Por um cartuxo anônimo
Intimidade com Deus
Quando encontramos o caminho que nos leva sem desvios ao coração de Deus, o que mais O glorifica e nos dá a certeza do seu fim, descobrimos só com um olhar a infinita urgência do amor. Não podemos ignorar este convite a darmos tudo o que temos e a juntarmo-nos Àquele que nos chama: a linha traçada é imperiosa e é o homem inteiro que é preciso comprometer para a seguir.
As pequenas cruzes e contrariedades que até aqui tantas vezes perturbavam a nossa existência quotidiana passarão a ser aceitas como aquilo que são realmente: testemunhos do amor de Deus. A fidelidade desta aceitação bastaria para nos preservar da tibieza e para nos conservar vigilantes no amor. «Que a vossa conduta seja digna de Deus, agradando-lhe em tudo, frutificando em todas as boas obras, e crescendo na ciência de Deus; confortados com toda a fortaleza pelo seu poder glorioso, para suportar tudo com paciência e longanimidade e alegria, dando graças a Deus Pai» (Col., I, 10-12).
Todo o amigo gosta de conhecer melhor o seu amigo, para poder satisfazer mais fielmente os seus desejos e unir-se-lhe totalmente em espírito. É por isso que gostaríamos de reduzir em nós próprios o mundo ao silêncio e dominar a nossa natureza, para ouvir no nosso coração o Hóspede divino e cumprir todas as Suas vontades. Com o espanto duma criança que descobre o Universo, veremos cada vez mais claramente, onde os nossos olhos espirituais nada viam antigamente, a ação e a ordem de Deus. «O que eu peço é que a vossa caridade cresça mais e mais em conhecimento e em todo o discernimento, para que possais distinguir o melhor, para que sejais sinceros e irrepreensíveis para o dia de Cristo» (Filip., I, 9-10).
A oração e o esforço quotidiano não têm por fim levar Deus a fazer a nossa vontade, mas sim a realizar a Sua vontade a nosso respeito e em nós próprios, ainda que o preço seja o sangue do nosso coração. É este o sentido e o fim da vida espiritual. A mais santa e a mais eficaz das orações deve andar com freqüência nos nossos lábios e sempre nas nossas intenções. «Seja feita a vossa vontade, assim na terra como no céu!» Deus quer - é esse o Seu soberano desejo e a Sua glória em nós próprios, - que comecemos desde já a servi-la como no céu, que sejamos conformes com o Verbo e divinizados, segundo o convite do Evangelho. A ação da graça na alma é tão radical, tão poderosa, que pode realizar no tempo, e apesar do tempo, esse eterno desígnio do Pai. «Ora a vida eterna é esta: que te conheçam a ti como um só Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste» (João, XVII, 3).
O Filho que vive em nós sobe para o Pai com a Sua humanidade glorificada. Cumpriu-se a Sua missão na terra, e Ele envia-nos o Seu espírito para que esta perdure. «Glorifiquei-vos na terra e acabei em vós a obra que me tínheis confiado». Esta missão continua na nossa vida, de maneira que entre nós, Jesus nunca deixa de louvar o Pai. É esta a finalidade da Sua encarnação, a razão por que «se aniquilou a si mesmo, tomando a forma de servo e tornando-se semelhante aos homens» (Fil., II, 7). Não procurou nenhuma glória para Si, apenas se preocupou com a glória do Pai. Ora, para que isto se realize, é necessário que cada um de nós seja filho, que deponha no Pai, com Jesus, a plenitude da justiça, da gratidão e do amor. «Por esta causa dobro os meus joelhos diante do Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo, do qual toda a família que está nos céus e na terra tira o nome» (Efés., III, 14-15). Foi com este fim que o Filho desceu à terra, mais humilde e obediente que todos nós, despojado de todo o brilho e de todas as honras. «Embora possuísse a natureza de Deus, não guardou avaramente a sua condição divina» (Filip., II, 16). Por isso é que as trevas ficaram sem forças contra a luz. O que o pecado desfigurava torna-se outra vez puro e verdadeiro, o que era maldito santifica-se, e os filhos das trevas tornam-se filhos da luz, desde que aceitem com toda a simplicidade o dom de Deus. O verbo eterno espalha sobre ele os seus raios vivificantes: «Assim como tu me enviaste ao mundo, também eu os enviei ao mundo. É por eles que eu me santifico a mim mesmo, para que eles também sejam santificados na verdade» (João, XVII, 18-19).
Devemos ser santos para cumprirmos a missão que nos está confiada, para comunicar aos homens a luz e a caridade de Cristo, de maneira que a Sua obra não seja interrompida. Já não se trata de ganhar um pequeno grupo de almas para o reino dos céus numa província perdida do império: é preciso que a caridade se estenda até às fronteiras do mundo e em todos os corações feitos para amar. «Em verdade vos digo que aquele que crê, em mim fará também as obras que eu faço, e fará outras ainda maiores, porque eu vou para o Pai. E tudo o que fizerdes ao Pai em meu nome, eu o farei, para que o Pai seja glorificado no Filho» (João) XIV, 12-13).
Por que razão havemos de nos deixar intimidar pelo sentimento da nossa miséria - que significado têm os nossos cálculos - se é verdade que não pertencemos a nós próprios nem defendemos a nossa causa, mas pertencemos a Deus e estamos encarregados da causa de Cristo? «Este, porque permaneceu sempre, tem um sacerdócio que não passa. Por isso pode salvar perpetuamente os que por Ele mesmo se aproximam de Deus, vivendo sempre para interceder por nós» (Hebr., VII, 24-25).
O nosso Irmão mais velho conhece-nos, sabe que precisamos sempre da Sua ajuda, que ficaríamos imediatamente perdidos se ela viesse a faltar-nos; vê como é breve a nossa existência e poucas as nossas forças, sabe com que facilidade nos perdemos e como somos atraídos pelos falsos bens deste mundo; sabe até que ponto a nossa vontade é dominada pelos sentidos e que a nossa humildade raramente é sincera. «Daí vem que Ele deveu em tudo ser semelhante a seus irmãos, a fim de ser diante de Deus um pontífice misericordioso e fiel no seu ministério, para expiar os pecados do povo. Pois que, porque Ele mesmo sofreu e foi tentado, é que pode socorrer aqueles que são tentados» (Hebr., II, 17-18).
O nosso Irmão mais velho conhece-nos, sabe que precisamos sempre da Sua ajuda, que ficaríamos imediatamente perdidos se ela viesse a faltar-nos; vê como é breve a nossa existência e poucas as nossas forças, sabe com que facilidade nos perdemos e como somos atraídos pelos falsos bens deste mundo; sabe até que ponto a nossa vontade é dominada pelos sentidos e que a nossa humildade raramente é sincera. «Daí vem que Ele deveu em tudo ser semelhante a seus irmãos, a fim de ser diante de Deus um pontífice misericordioso e fiel no seu ministério, para expiar os pecados do povo. Pois que, porque Ele mesmo sofreu e foi tentado, é que pode socorrer aqueles que são tentados» (Hebr., II, 17-18).
Na luz que Ele nos traz, vemos que não estamos abandonados a nós próprios. Na verdade, os nossos recursos não se limitam à nossa natureza. Deus é o nosso princípio e o nosso fim - só Ele nos basta. «Que Cristo esteja em todos. - Deus será tudo em todos!» (Col., III, 11; Cor., XV, 28).
Nós pertencemos a Deus: esta é a nossa consolação, a nossa força invencível. «É por eles que eu rogo; não rogo pelo mundo, mas por aqueles que me deste, porque são teus»· (João, XVII, 9).
Nós somos a glória do Filho, que Ele conquistou pelo sacrifício da Cruz, como Ele é a glória eterna do Pai. Assim como Ele glorifica o Pai para sempre, assim também é glorificado, a todo o momento pelos Seus, que realizam na terra a Sua obra: «Todas as minhas coisas são tuas e todas as tuas coisas são minhas; e nelas sou glorificado» (João, XVII, 10).
Se a nossa fé é um ato vivo, se estamos arraigados no amor, deixamos de respirar o ar asfixiante deste mundo para respirarmos o Espírito de Deus e permanecermos para sempre na Sua unidade. «Não peço que os tires do mundo, mas que os guardes do mal; eles não são do mundo, como eu também não sou do mundo» (João, XVII, 15-16). Não podemos perder-nos se a nossa vida for o cumprimento da Sua palavra, pois Cristo faz-nos entrar por meio dela na mais íntima comunhão com o Seu Deus e o nosso Deus, o Seu Pai e o nosso Pai. «Eu já não estou no mundo, mas eles estão no mundo e eu vou para ti. Pai santo, guarda em teu nome aqueles que me deste, para que sejam um, assim como nós!» (João, XVII, 11).