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22. EDUCAÇÃO DA LEALDADE
Uma caridade
mal compreendida poderá levar a criança a desculpar um camarada por meio
de uma mentira; ela pensará que essa falta de lealdade que não lhe
aproveita não é uma falta.
• Por
fim, a maldade leva à calúnia.
A criança de
tenra idade é sempre tentada, num momento ou noutro, a negar alguma travessura,
e se essa primeira mentira tem êxito, terá naturalmente a tendência de
repeti-la; donde a necessidade do uma grande lucidez relativamente às
crianças para não deixá-las seguir um caminho que pode ser tentador. O que
é difícil é ser clarividente sem ser desconfiado; nem todos o conseguem.
Há crianças com uma resistência extraordinária aos
interrogatórios dos adultos, persistindo tenazmente na mentira. O fato se deve
com freqüência a que a repressão, no caso de descoberta da mentira, é
demasiado forte. A criança é levada a vender a pele muito caro. Se sabe
que mesmo em caso de mentira poderá contar com uma certa indulgência,
deixar-se-á levar quase sempre com facilidade a voltar atrás do que disse,
o que, sem dúvida, é preferível.
A mentira-desculpa assume, por vezes, caráter ainda mais
repreensível quando o seu fim é duplo, isto é, quando ao lado da desculpa para
quem a inventa, faz carga noutra criança ou noutra pessoa da falta
imputável; é a mentira-desculpa-acusadora, mas requintada e mais
repreensível. Deve ser rigorosamente investigada e seriamente corrigida.
Os ciúmes infantis com relação a irmãos, certos desejos de vingança contra
empregados, “bedéis” ou camaradas de aula, entram em cena para lhe dar
essa orientação nova. Quando se inventa uma mentira desse tipo, o
essencial é compreender a fundo a razão pela qual a criança procurou fazer
mal a essa ou àquela pessoa; isto pode constituir preciosa indicação da
tendência de caráter atualmente predominante.
A mentira-imaginação tem muitas vezes na criança — como no
adulto, aliás — o caráter de uma compensação. A criança inventa Toda a
espécie de coisas, de ordem material ou afetiva, que compensem o que pode
faltar-lhe, ou o que pensa faltar-lhe. Vi crianças e adolescentes atribuírem ao
pai ou à mãe qualidades que, evidentemente, não possuíam; feitos que
jamais haviam tido oportunidade de realizar. A riqueza e as grandes
possibilidades financeiras são também com frequência objeto da imaginação
infantil; elas compensam as inúmeras negativas dos pais quando se trata de
comprar uma ou outra coisa, mesmo modesta, que daria prazer às crianças.
O mundo se torna, assim, para elas um conto de fadas
manifestamente mais agradável de habitar do que o mundo real cheio de durezas
inaceitáveis[1].
• É preciso distinguir, dentre as mentiras da criança, a
mentira social que tem por fim ajudar os outros; a mentira associal empregada em interesse pessoal, sem desejo de prejudicar outrem; a mentira
anti-social, visando ao interesse pessoal sem preocupar-se com o mal que
possa ocasionar aos outros.
É sempre preciso procurar bem a culpabilidade real da
criança na sua mentira, e seria profundamente injusto reagir do mesmo
modo ante uma mentira friamente inventada — particularmente para
prejudicar outrem — e uma invenção imaginativa, estimulada pelo inconsciente e
pela qual a criança não é de modo nenhum responsável, exigindo tão somente
que a façam tomar melhor consciência do mundo real.
• Segundo numerosos psicólogos, a maioria das
mentiras infantis seria conseqüência do receio, algumas do
interesse, da leviandade, do gosto da ficção, pouco do altruísmo e
da maldade.
• Sucede que a criança mente para dar prazer aos
pais. Mme. Dumesnil-Huchet nos conta:
"Uma mãe não achava uma caixa de bombons, e acusava a filha de 8 anos de ter comido os doces. Ao fim de ameaças e súplicas, diz a mãe: “Confessa e não serás castigada...” A menina se acusa do furto. Alguns dias depois, a caixa é encontrada intacta, e cabe à garotinha explicar à mãe surpreendida: “É, mamãe, tanto me pediste para confessar a verdade que pensei então que era preciso dizer sim para te dar prazer.” Influência da sugestão[2].
• Quando for impossível pretender que a criança não
tenha querido enganar, deverá ser repreendida, porque Toda falta deve
ter castigo e é preciso que não a deixemos pensar que pode facilmente
engabelar os seus educadores.
Será então preciso tentar tudo para fazê-la confessar a
falta: falar-lhe com bondade, elogiar a coragem dos que sabem reconhecer os
próprios erros, não dar ênfase à punição que a espera.
Se a criança confessa, mostrar-se paternal, sem humilhá-la
além da medida; contudo, é preciso impor uma punição normal, ao menos em grande
parte.
Se a criança teima em negar, será preciso — sem ar de
vitória, mas, ao contrário, com naturalidade — expor-lhe as provas de
culpabilidade e pedir uma refutação. Esta decerto não virá, desde que a
criança tem mesmo culpa, e então será advertida de que enganar os pais não é
assim tão fácil quanto parece.
Cumpre então evitar tratá-la como mentirosa. Isto a
enraizaria no defeito. É preciso considerar a falta como acidental.
Se uma criança abusa da confiança que lhe foi depositada,
dizer-lhe em tom contristado que se está obrigado a retirá-la durante um tempo
determinado; prometer-lhe, porém, que será restabelecida diante de provas de
uma franqueza perfeita.
E nunca, daí em diante, lembrar à criança que ela mentiu.
• A educação da lealdade deve igualmente comportar a
educação do tato, porque ser leal não consiste em dizer qualquer verdade a
qualquer um e em qualquer oportunidade.
[1] DR. ARTHUS, Un Monde Inconnu: non Enfants, pág. 73.
(Ed. Susse).
[2] Dr. GILBERT-ROBIN, La Guérison des Défauts et des Vices chez l’Enfant, pág.
500.