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20. A EDUCAÇÃO DA
VONTADE
Um padre que exerceu profunda influência na sua paróquia — o
Padre Marc, vigário de Saint-Nicolas de Troyes — escreveu um dia aos pais e
mães de família uma carta aberta que começava por estas palavras:
“Vejo muitos pais... Eles me suplicam fazer “qualquer coisa” de seus filhos. Vejo também muitas crianças... conheço-as. O que a todas falta é o hábito do esforço. Não receberam formação a esse respeito; não se lhes exige bastante... transige-se... capitula-se... mas, elas são boas, possuem imensos recursos. Muita coisa se podia tirar de sua boa índole. Infelizmente, deixam-se viver... não têm vontade bastante... é o mal da época. É absolutamente preciso remediá-lo... desenvolver a energia das crianças. É urgente. Todo o futuro está nelas.”
• É um fato. Em numerosas famílias tem-se medo de
pedir esforços à criança, e isto sob os mais fúteis pretextos:
receio de contrariá-la, de fazê-la sofrer, medo de complicações,
de vê-la amuada. É uma educação mesquinha e, mesmo, às avessas; porque as
crianças que não sabem dominar-se, renunciar, preocupar-se com os outros de um
modo mais ou menos adaptado à sua idade, serão mais tarde vencidas pela
vida, quando não se tornam os carrascos dos que lhes ensinaram a se
transformar em tiranos.
• Uma dirigente de colônia de férias escrevia em seu
relatório:
“Em muitas famílias, são as crianças que mandam e olham a mãe como uma criada. As crianças são apáticas; empreendem as coisas quando lhes são ditas 25 vezes, e é preciso firmeza para que cheguem ao fim. No conjunto, não há por onde se lhes fixe. Têm sede: querem beber imediatamente; têm fome: querem comer a qualquer hora; estão cansadas: acabou-se, impossível ir adiante, etc... Os pais acham tudo isso muito natural e não reagem suficientemente. Certas mães respondem: “Fui educada com severidade, não quero que ele sofra como eu; ele verá com o tempo!”
• Outra dirigente, mãe de uma garotinha, respondeu
quando lhe falaram de dar à filha educação física: “Isso não!... dou-lhe
fortificantes, mas não quero que ela faça esforço!”
• A vida é feita para ser vencida, disse René
Bazin. Se na idade em que se formam os hábitos a criança, diante de
um esforço, adquire o complexo de vencer a si mesma, enriquece as
reservas de energia que ajudarão, mais tarde, a dominar as dificuldades da
existência.
• Para desenvolver a energia e a vontade nas crianças,
é preciso que os pais dêem o exemplo, e é nesse ponto que a criança
se torna, sem que o perceba, um dos educadores mais exigentes dos pais. É
preciso que os pais zelem pelo estado físico e moral dos filhos. É preciso
que se esforcem para nunca se queixar diante deles, nunca ter o ar
triste, morno, abatido, desanimado.
• Não tenhais medo de pedir aos vossos filhos coisas
um tanto difíceis. Mas é bom preveni-los e encorajá-los: “Vamos fazer
um trabalhinho pesado, vais ver, porém, que chegamos a bom termo.”
• Não ter medo de apelar para o desejo instintivo de
crescer, característica de todas as crianças. “Se queres tornar-te um
rapazinho, mostra que tens coragem. Vamos, és uma mocinha enérgica; e
quando se tem coragem, um pequenino incômodo não é razão para queixas.”
• No momento oportuno, fazer com que uma criança
se orgulhe de sua firmeza. Um menino de 4 anos a quem o
pai felicitava pela sua resistência à fadiga, após uma caminhada um
pouco mais longa do que a prevista, respondeu: “Oh, papai, estou cansado,
sim, mas não digo!”
• Apelar igualmente para a tendência infantil de
procurar saber a opinião que os outros têm a seu respeito.
Trata-se, aliás, de um legítimo processo de pedagogia.
Conheci um homem que havia praticado numerosas ações boas e
uma quantidade considerável de ações deploráveis — escreve DUHAMEL em La Passession du Monde. Um dia em
que o vi indeciso entre suas várias inclinações, comecei a
dizer-lhe certas frases que se iniciavam mais ou menos assim: “O senhor,
que é tão bondoso... O senhor, que fez tal ou qual boa
ação...”. Ora, aconteceu que esse homem se tornou realmente muito bom para não
desmentir a reputação que lho fora atribuída. Se, ao contrário, eu lhe
tivesse chamado a atenção para as suas baixezas de caráter, ter-se-ia,
talvez, transformado num patife.”
Resguardem-se os pais de uma solicitude meticulosa
preocupada em facilitar demasiadamente a vida à criança e lhe aplainar
todas as dificuldades. Saibam dar a compreender aos filhos, à medida
que crescem, que devem conseguir pela própria energia a transpor as
dificuldades comuns, e que, ordinariamente, devem se arranjar
como puderem.[1]
•
É preciso educar virilmente as crianças. É normal que por vezes recebam
pancadas, arranhões, pequenos ferimentos sem gravidade. Claro que não se
trata de deixar as feridas infeccionem; é, aliás, preciso ensinar as
crianças a se tratarem por sua própria iniciativa. Como quer que seja, o
que é preciso evitar é o papel ridículo dos pais
demasiadamente sensíveis: “Ai, minha florzinha, em que estado
ficaste!... Que coisa horrível!... Como sangras... que
desgraça!...” A criança que se sente objeto de uma solicitude
exagerada, imagina que acaba de ser vítima de um terrível acidente,
e instintivamente procurará tornar-se centro do interesse geral, tanto
mais quanto a sugestão aumenta as sensações dolorosas que se originam das
feridas mais insignificantes. Os pais correm simplesmente o risco de fazer
do filho um inquieto que se observa, receia qualquer sofrimento,
transforma o menor incômodo em catástrofe, espreita o
funcionamento do seu organismo e perde a cabeça com qualquer coisa.
• Evitemos também as interrogações inquietas, os ares
de pena, as solicitudes excessivas: “Está doendo muito?... Dize-nos o
que sentes...”. Os pais chegam a convencer os filhos de que são frágeis,
incapazes de certos esforços ou de certos êxitos; daí, a timidez, os
tiques, as fobias ou, por ação de ricochete, a atração pelas aventuras.
• Os pais devem dar aos filhos o exemplo da
coragem. Quando conhecemos o desânimo ou o cansaço, ocultemo-nos das
crianças até que possamos de novo aparecer na presença delas como devemos.
E como poderia ser de outro modo? Elas devem se apoiar em nós; poderiam apoiar-se
em Seres fracos e vacilantes?
• Quando o desgosto nos submerge, não contemos com
as crianças para que nos apaziguem; não é Este o seu papel. Iríamos
decepcioná-las e causar-lhes mal. Devemos ser grandes na prova, sem dissimular
o seu caráter doloroso' às crianças, mas a fraqueza diante delas não nos é
permitida.
[1]
KIEFFER, op. cit. Pág. 231.