sábado, 17 de abril de 2010

A Religião não proíbe as lágrimas, mas ensina a chorar cristãmente.

As consolações da dor


A Religião não proíbe as lágrimas, mas ensina a chorar cristãmente.

Vós me direis, talvez:

"Mas se assim é, como podemos chorar, sob os golpes da dor? Se ela ilumina, purifica, embelece e transfigura; se ela é a grande operária da vida, enviada para criar o coração do homem e para o conduzir ao Céu, depois de o ter retemperado em suas chamas, chorar é uma ininteligência e uma fraqueza; é uma revolta e um crime."

Não; o que é um crime é murmurar.

Seigneur, je conviens que l'homme est en délire
S'il ose murmurer;
Je cesse d'accuser; je cesse de maudire;
Mais laissez-moi pleurer.

Eu confesso, Senhor, que chamo de insensato
Quem ousa murmurar.
Eu não acuso mais, eu não blasfemo mais,
mas deixa-me chorar.

A Religião não o proíbe. Ela permite as lágrimas. Eu quase diria que ela as ordena. Pelo menos, santifica-as e, santificando-as, a Religião as suaviza. Ela nos ensina a chorar fitando o Céu, mas sem esquecermos a Terra, e mais hábil é talvez ainda na arte de consolar as dores do que na de as explicar.

Meditemos, pois, em paz e cheios de esperança, nesse segundo grau da ciência divina da dor. Quem não tem necessidade disso? Quem é ainda bastante ignorante da vida, para não ter uma chaga ao coração? Qual dentre nós não soluçou ainda junto a um túmulo querido? Ó Religião, vem, ensina-me a chorar.

A Religião não proíbe as lágrimas, mas ensina a chorar cristãmente.

Onde se viu que a Religião proibia as lágrimas? A alma mais religiosa de todos os tempos, o tipo ideal de toda a vida celeste, no testemunho mesmo daqueles que não confessam a Sua divindade, Jesus chorou. Ele perturbou-Se, acabrunhou-Se sob os golpes da dor.

No Jardim das Oliveiras, banhado de suor e de sangue, disse: "Minha alma está triste como a morte" e foi preciso que um anjo viesse auxiliá-lO a beber no cálice amargo. Na Cruz, Ele procurou consoladores; teve necessidade deles, embora, desgraçadamente, não os achasse. No túmulo de Lázaro, derramou lágrimas ainda mais belas, pois eram do coração.

Mas, que teriam sido essas lágrimas de Jesus, se Ele não tivesse tido, para consolar-Se, o divino poder de restituir a vida ao Seu amigo? Perturbação sagrada, santos frémitos, emoção terna e divina, consolareis eternamente aqueles que sofrem!

Lágrimas preciosas, a humanidade vos recolheu; ela vos engastou no ouro e na prata; ela vos venera, genuflexa perante vós, porque lhe ensinastes que, nos grandes infortúnios, podemos chorar e gemer sem ofender um Deus, que também chorou!

É certo que falsos místicos cometeram o excesso de proibir as lágrimas aos que sofrem. Mas a Igreja os condenou, e a humanidade deles desviou os olhos com horror, para os fixar, com uma admiração terna, nos verdadeiros heróis, seus modelos, aqueles que não ultrajavam a natureza humana sob o pretexto de honrar a Deus.

Primeiramente, ao pé da Cruz, Maria, a Mãe das dores, a mais pura, a mais forte, a mais magnânima das criaturas; mas, ali, fraca e debilitada, em pé, debulhada em lágrimas, conforme o testemunho de todos, e torturada pela dor:

Stabat mater dolorosa.
Juxta crocem lacrymosa.

Depois do Mestre, após a Rainha, eis todos os santos. Observastes algumas vezes seus retratos autênticos? Há uma indizível emoção nos seus semblantes. Eles tem lágrimas nos olhos; e se lesseis a sua história, verieis que, com efeito, nem pais, mães, esposas, filhos foram mais humanos do que eles sob os golpes da dor.

Quem não conhece, por exemplo, as lágrimas de Santo Agostinho no leito de morte de Santa Mônica; os gemidos, os lamentos eloquentes de São Bernardo, por ocasião da morte de seu irmão? Quem não tem ainda nos ouvidos os gritos dilacerantes de Santa Isabel da Hungria, quando o seu jovem e caro esposo lhe foi arrancado dos braços?

Vede nos autores do tempo as precauções que se tomaram para anunciar-se a São Luiz a morte de sua mãe; e na plena resignação desse grande santo, os seus soluços, os seus desmaios que fizeram recear por sua vida, e que arrancaram aos assistentes este grito: "Senhor, Senhor, não queirais também morrer!" É preciso recordar a carta e o pranto de São Francisco de Sales quando morreu sua mãe, e Santa Chantal chocando pela imensidade da sua amargura aqueles que a viram chorar?

Os falsos místicos de que falo, não se contentaram com proscrever a sensibilidade e a ternura; como lhes eram necessários modelos, alteraram a história; fizeram santos falsos, irreconhecíveis, odiosos; santos de pedra e de mármore, sem coração, sem entranhas, sem amor.

Eles julgaram torná-los maiores! Insensatos! Como aqueles que sob o pretexto de fazer triunfar a fé, extinguem a razão e calcam aos pés o espírito humano. Eles não sabem que o encanto soberano das almas religiosas, o que eternamente seduzirá a humanidade nos santos, é esse misto de divino e de humano, de fraqueza e de força, de sensibilidade e de coragem, de gemidos na dor, gritos, desmaios pela morte dos entes amados; porém gemidos sem murmúrios, gritos sem revoltas, torturas acompanhadas da mais completa e mais comovedora resignação.

Ousemos dizer o nosso pensamento inteiro: é esse dom divino que aumenta neles a essência humana. Pelo menos, nunca vi na história, e jamais vejo na vida, gritos de dor semelhantes aos que acho na existência dos santos; e se admiro a intensidade deles, é que, primeiramente, me encantou e me extasiou a sua ternura.

A Religião não proíbe as lágrimas. Nunca as proibiu. Proibiria antes que não as derramassemos. Ela se surpreenderia de que em um momento de cruciante mágoa, uma lágrima não brilhasse em nossos olhos. Nisso a Religião veria uma força que não provêm dela. Não reconheceria desse modo o coração que ela procurou criar. O amor cuja beleza revelou ao mundo.

Ela se afastaria inquieta, por não achar na face de um cristão o vestígio do semblante de Jesus junto ao túmulo de Lázaro, ou nos olhos de uma cristã o traço das lágrimas de Maria ao pé da Cruz. "Bem-aventurados os que choram." É a palavra da natureza, mas é também a da Religião.

Chorai, pois; derramai lágrimas. Eis a vossa vida que se dilacera; eis a metade da vossa alma e a melhor que vos é arrancada! Eis que os frutos do vosso amor caem dos vossos braços, como essas flores que juncam tristemente o solo, depois de bafejadas pelo primeiro sopro do inverno.

Chorai; não vos deixeis consolar: Et noluit consolari, quia non sunt. O homem não vos póde consolar, e Deus não permite, Deus não quer essas almas que tão depressa se consolam; que, após a morte de um ente querido, tentam por todos os meios esquecê-lo. Ah! não esqueçais nunca.

"A lágrima, disse Santo Agostinho, atesta a dor; ela atesta o amor. É o sangue do coração que se desprende em torrente." (S. Aug. Homil. XXVII)

Deixai que esse sangue do coração corra ao pé da Cruz, na fé, na esperança e no amor.

(Excertos do livro: A Dor, do Mons. Bougaud)

PS: Grifos meus.