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23. A EDUCAÇÃO DO SENSO DA JUSTIÇA
Infelizmente, não é inútil denunciar os pequenos furtos que se tenham cometido em casa sem a consciência de falta grave por parte da criança; mais sérios são os que vierem a se produzir lá fora. Todos, porém, devem ser severamente punidos, obrigando-se o culpado a confessá-los e repará-los na medida do possível. Ainda assim é preciso a todo preço impedir que a tendência se enraíze e que a impunidade e, sobretudo, um sorriso concedido à habilidade demonstrada na falta, venham deformar definitivamente a consciência.[1]
• Por natureza, as crianças são tentadas a se apropriar do que lhes agrada ou do que lhes pode ser útil. Não será apenas por isso que devemos acusá-las de furto, pois não têm sempre uma noção exata de propriedade. Contudo, é conveniente lhes dar pouco a pouco uma clara compreensão do respeito devido ao que aos outros pertences.
• O respeito ao bem alheio é uma das condições elementares da confiança mútua e do bom equilíbrio das relações sociais.
• Aceitar que a criança se entregue a pequenos furtos a pretexto de que é ainda muito pequena, é tornar-se mais ou menos cúmplice de hábitos nocivos que podem ter, no futuro, repercussões deploráveis.
• Como quer que seja, na criança, o furto repetido pode ser um sintoma de desequilíbrio afetivo (furto de compensação), e pode constituir um sinal de alarma para os pais. Estes terão interesse em consultar um médico ou um educador avisado. É provável, aliás, que o tratamento seja exatamente o contrário de uma atitude brutalmente repressiva.
• Quando num grupo humano o senso do respeito ao bem alheio não se tenha formado, verifica-se rapidamente a deterioração de tudo quanto pertence ao uso da comunidade; a vida em comum torna-se mais difícil.
• É importante desenvolver desde cedo na criança — que é por si mesma egocentrista e levada a pensar que tudo lhe é devido — o respeito que se deve aos outros. Se é verdade dizer que justiça não basta por si só, summum jus summa injuria, e que a educação da caridade deve completar a da justiça, não é mais do que ilusão e hipocrisia a caridade que não respeita antes de tudo os dados da justiça.
• As crianças atribuem às coisas a importância que lhes for dada pelos adultos. Por isso é necessário que os pais dêem o exemplo mais escrupuloso com relação ao respeito ao bem alheio. Mesmo se se tratar de valores íntimos que por si sós não teriam grande importância, como por exemplo uma passagem de bonde, uma moeda falsa que se fosse tentado a passar adiante, um pequeno erro de conta, o que a criança sobretudo verá é o gesto da apropriação injusta de algo, ou de se ter evitado pagar o que se devia.
• Nada contribui mais para deformar o julgamento da criança do que as histórias em que ladrões ou “gangsters” sejam glorificados. Evitar, a esse propósito, certos filmes ou “quadrinhos” que apresentam o bandido como um herói simpático.
• É tanto mais importante com as crianças insistir na máxima: A honra e a honestidade dão-se as mãos, quanto mais tarde elas terão sob os olhos exemplos aparentemente contrários. Mas é bem fácil ilustrar com numerosos exemplos que: Coisa mal adquirida não dá lucro.
• Importa exaltar todos os atos meritórios de honestidade para não deixar o monopólio da glória e da publicidade aos sistemas oficiais.
• É preciso insistir com frequência junto às crianças sobre o respeito devido ao que pertence ao uso comum, mostrando por fatos precisos que elas serão as primeiras vítimas das degradações cometidas. Convém acentuá-lo, porque a criança, “imediatista que é, não vê as consequências dos seus atos”.
• A criança relaciona tudo a si mesma; são as suas próprias sensações que lhe servem de unidade de medida. O melhor meio de nela educar o altruísmo é o de levá-la, pela sugestão e pela imaginação, a sentir o que os outros experimentam.
• Quando uma criança for culpada de um furto, procurar antes saber qual foi o móvel do ato. Convém fazê-la restituir o objeto, mas sem comprometer-lhe a reputação. De qualquer modo, nada de ameaçá-la com o guarda ou com a prisão. Dizer à criança que furta um objeto que está irremediávelmente desonrada, que acabará na cadeia, etc... é cortar-lhe a única via possível de emenda.
• Se a criança compreender que, de uma parte, o respeito ao bem alheio é uma garantia para as suas próprias pequenas posses, e que, de outra parte, é condição da estima e da confiança dos que a cercam, tanto maior a probabilidade de fazê-la perder o gosto de recomeçar.
• É bom dar dinheiro às crianças?
Outrora, com efeito, as quantias postas à disposição das crianças mais ricas eram insignificantes. Pensava-se sabiamente que o dinheiro, duro de ganhar e causa inicial de tantas baixezas e crimes, não devia macular as mãos inocentes das crianças. Meninos e meninas não conheciam o valor do “vil metal”, e um tostão novo as tornava tão felizes quanto uma nota de dez ou vinte. Na maioria dos casos, a posse da moedinha era mesmo preferida à de quantias importantes. Um cruzeiro[2] dava, nos bons tempos, para comprar coisas apreciáveis: açúcar-cande, chocolate, etc., enquanto que quantias maiores representavam destino diverso, um depósito inicial da Caixa Econômica, por exemplo, envolvendo a idéia aborrecida de um prêmio remoto. Todos os pais zelosos da educação dos filhos só lhes punham nas mãos uma soma relativamente importante para fins de habituá-los à prática da caridade.
• Ouve-se dizer com frequência ser preciso habituar as crianças, desde cedo, a conhecer o valor do dinheiro. Seria preferível que elas soubessem que o dinheiro não é tudo e que a riqueza não é a felicidade. É justo que as crianças recebem algum dinheiro de bolso de que possam dispor à vontade, mas fora disso convém não abusar.
• Os pais cometem muitas vezes o erro de dar um mealheiro aos filhos, estimulando-os a economizar os tostões que recebem, contar os que já possuem, etc. Infelizmente já cheguei a ver mães que se apropriavam, mais tarde, desse dinheiro; outras o utilizam para dar aos filhos objetos úteis, cuja aquisição se impusesse de qualquer forma.
• Importa lembrar às crianças que o dinheiro não é onipotente. Nada mais perigoso do que lhes dar a entender que uma pessoa vale pelo que possui, de acordo com a valorização freqüentemente difundida no outro lado do Atlântico: um homem vale tantos dólares. O valor do homem depende infinitamente mais do seu caráter e de sua consciência!
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[1] MONS. BRUNHES, op. cit.
[2] N. do T.: No original obviamente, a unidade monetária francesa.